A possibilidade de obter ganhos rápidos é o que mais atrai investidores para a prática de day trade —que consiste compra e venda de ativos financeiros na bolsa, seja ações ou derivativos, no mesmo dia. Um novo estudo publicado nesta segunda-feira (08) por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), porém, mostrou que apenas 62 indivíduos entre os pouco mais de 1,2 mil brasileiros que se dedicam a isso regularmente tem ganhos mensais acima de R$ 10 mil.
O levantamento é novamente assinado por Fernando Chague e Bruno Giovannetti, da Escola de Economia de São Paulo da FGV, que tiveram acesso à base real de negócios de pessoas físicas nos mercados de ações e futuro (contratos de mini-índice e mini-dólar) entre 2012 e 2017.
Neste terceiro estudo sobre o tema os pesquisadores chamaram de "day trader experiente" a pessoa que fez operações de day trade em mais de 90% dos 72 meses (ao menos 1 dia no mês em algum dos 3 mercados) do período analisado. Por essa classificação, foram identificados 1.218 day-traders “experientes”.
Do total de day trader experientes, 652 (54%) apresentaram resultado bruto mensal médio negativo, ou seja, perderam dinheiro no período. Entre os experientes que ganharam, apenas 62 profissionais (5% do total) obtiveram lucro bruto mensal médio acima de R$ 10 mil, sendo 28 deles acima de R$ 20 mil (2%), a apenas 1 pessoa acima de R$ 50 mil (menos de 0,1%). Nenhuma pessoa obteve lucro bruto mensal médio acima de R$ 100 mil.
“Concluímos, assim, que o número de pessoas que conseguem apresentar resultados consistentes e economicamente significantes a partir da atividade de day trade é extremamente reduzido se comparado a qualquer outra profissão com possibilidades de ganhos equivalentes”, diz o relatório.
O pesquisador Bruno Giovannetti foi questionado pelo Valor Investe sobre o motivo de não haver, no estudo, cortes menores do que R$ 10 mil por mês e explicou apenas que “réguas mais baixas não são estatisticamente significantes”.
Além disso, os pesquisadores também comentam que o número absoluto de pessoas que conseguem apresentar resultados consistentes e economicamente significativos a partir da atividade de day-trade é extremamente reduzido também quando comparado a outras profissões com possibilidades de ganhos equivalentes.
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Eles citam, por exemplo, que no Brasil há em torno de 500 mil médicos, 800 mil engenheiros, 1,1 milhão de advogados, 600 mil servidores públicos federais (44% dos quais ganham mais do que R$ 10 mil por mês) e, indo até o mundo do futebol, 670 jogadores inscritos no Campeonato Brasileiro Séria A. Ou seja, os pesquisadores sustentam que, mesmo em outra área altamente competitiva, como o futebol profissional, há 10 vezes mais jogadores com renda maior do que R$ 10 mil por mês do que day-traders consistentes ganhando acima dessa marca.
Outro ponto observado é a oscilação dos rendimentos desses profissionais, inclusive dos que ganham mais. Há quem chegou a ter um desvio-padrão de lucro bruto mensal de R$ 183,7 mil, para ganhos médios de cerca de R$ 25 mil. Explicando o conceito estatístico, isso significa que em 68% das vezes o retorno do investidor oscilou entre um lucro mensal de R$ 200 mil e um prejuízo mensal de R$ 158 mil. Ou seja, é preciso ter estômago e reservas financeiras para suportar os baques e continuar operando.
Em 2019, os mesmos pesquisadores já haviam feito o primeiro estudo sobre o assunto, se concentrando em minicontratos. Nele, chegaram à conclusão que 97% das pessoas que especulam diariamente com contratos futuros na bolsa perdem dinheiro e, dos 3% restantes, apenas 2,6% ganharam mais do que R$ 300 por dia (ou mais de R$ 6 mil em um mês com 20 dias úteis).
No ano passado, Chague e Giovannetti apresentaram um segundo estudo, que analisava os retornos de quem fazia day trade e forma recorrente com ações. O primeiro achado do estudo é que, de todos os 98.378 indivíduos que começaram a fazer day trade em ações no Brasil entre 2013 e 2016, e operaram até 2018, apenas 554 fizeram day trades em mais de 300 pregões. Entre os 554 persistentes, 127 pessoas conseguiram lucro bruto diário médio acima de R$ 100 por mais de 300 pregões e 76 conseguiram lucro médio acima de R$ 300 diários.
Com o terceiro estudo os pesquisadores misturaram os mercados e procuraram também trazer os dados sobre outras profissões, já que alguns críticos traziam este argumento para defender a tese de que em muitas áreas de atividade, e não apenas no day trade, apenas um pequeno grupo de elite acaba tendo sucesso.
Apesar de as pesquisas mostrarem a dificuldade de ganhar dinheiro dessa forma, o número de pessoas físicas (ou CPFs) que fizeram pelo menos uma operação de day trade dobrou em 2020, depois de já ter dobrado entre 2018 e 2019. Em termos absolutos, já são 486.676 que ao menos experimentaram esse tipo de operação em 2020, ou quase meio milhão de brasileiros.