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Em SP, candidato gay vence em reduto conservador e manda recado: 'A primeira-dama vai ser minha mãe'

Em Santa Cruz do Rio Pardo, Diego Singolani, 32 anos, venceu a sua principal chapa opositora, formada por um militar e uma pastora evangélica
Diego Singolani, eleito prefeito em Santa Cruz do Rio Pardo, em SP Foto: Divulgação / Divulgação
Diego Singolani, eleito prefeito em Santa Cruz do Rio Pardo, em SP Foto: Divulgação / Divulgação

SÃO PAULO - No último dia 15, o mais antigo jornal de uma pequena cidade do interior de São Paulo estampou em sua manchete um acontecimento inédito: "Em votação histórica, Diego vence e Santa Cruz do Rio Pardo elege primeiro prefeito LGBT". A chapa do postulante Diego Singolani, de 32 anos, mais conhecido como Diego da Saúde, derrotou com 64,28% dos votos a segunda colocada, composta por um militar e uma pastora evangélica.

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Com 47 mil habitantes, Santa Cruz do Rio Pardo, no sudoeste do estado, é conhecido como reduto conservador e confirmou sua fama na última eleição presidencial. No primeiro turno do pleito de 2018, 68% dos eleitores santacruzenses escolheram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O então concorrente do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Hadadd, não alcançou nem 7% da preferência.

Filiado ao Partido Social Democrático (PSD), de Gilberto Kassab, Singolani era o sucessor escolhido pelo prefeito anterior, que já não poderia mais concorrer, por ter ocupado os dois últimos mandatos. Foi beneficiado pela alta aprovação da gestão passada. Ele atribui sua vitória aos anos de trabalho realizado na área da saúde e diz que o fato de ser homossexual não interferiu no resultado.

– Não fui eleito por credo, cor ou raça, mas por um histórico de trabalho. Essa é a verdadeira forma de inclusão. Minha vitória foi em nome da continuidade de uma gestão, tanto que a minha coligação se chamava "O trabalho continua" – defende Singolani.

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Não foi só Santa Cruz do Rio Pardo que ganhou diversidade em sua administração nesta eleição. Embora não haja dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o número de candidaturas de LGBTs, o pleito deste ano teve grande representatividade. Levantamento feito pelo portal de notícias GAY BLOG BR, a pedido do GLOBO, listou a candidatura de 586 nomes abertamente LGBTs - ou 0,1% do total de postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. Desses, 108 foram eleitos.

Ataques

Filho de comerciantes, Singolani diz ter começado a trabalhar aos 13 anos na loja de artigos de brinquedos dos pais. Aos 16, tornou-se office boy da Santa Casa de Santa Cruz e passou a transitar pelos consultórios médicos da cidade. Foi assim que conheceu o antigo prefeito, um médico, e virou um dos seus braços direito. Em 2014, foi convidado para ser secretário municipal de Saúde.

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Focada num eleitorado mais inclinado à direita, a campanha municipal foi permeada por piadas homofóbicas e ataques públicos sutis sobre a orientação sexual do concorrente. Nas rodinhas da cidade, era comum alguém perguntar quem seria a primeira-dama. Um vereador da oposição criou a Semana da Família na Câmara, e ocupou a tribuna para enfatizar a importância da família tradicional brasileira, composta "por pai, mãe e filho – homem, mulher e criança". Numa sabatina, Singolani foi acusado de fazer apologia ao aborto.

– Não neguei em nenhum momento minha orientação. Fui casado por nove anos com um homem, e não tenho porque esconder quem sou. Só não usei isso como lema de campanha, porque, como gestor de políticas públicas, que contemplam proteção à mulher, ao LGBT, já transito por isso. As políticas sociais devem ser para todos – disse.

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Se o candidato não escondeu sua orientação sexual durante a campanha, o próprio jornal da cidade optou por não mencioná-la. Sérgio Fleury, dono do Debate, que no domingo da vitória estampou a notícia em sua manchete, conta que decidiu ocultar a informação ao longo da corrida eleitoral para não prejudicar o então candidato.

– Quando fiz o artigo falando que, pela primeira vez, teríamos um prefeito homossexual, o pessoal caiu matando, achando que era uma ofensa ao vencedor. Olha o preconceito enrustido. Na verdade, era o contrário. Estávamos dizendo que isso é um marco histórico para Santa Cruz – disse Fleury.

O engenheiro civil santacruzense Rubens Carmagnani votou em Bolsonaro, no segundo turno da eleição de 2018, e em Singolani, no pleito atual. Ele diz que, apesar de não compactuar com as ideias conservadoras do presidente, não admitia votar no PT e se viu sem opção. Embora apostasse na vitória do agora prefeito, diz ter se espantado com a unanimidade da aprovação.

– Sabia que ele iria ganhar, mas não sabia que teria votação expressiva. Para uma cidade conservadora e deste tamanho, é um ótimo sinal. As pessoas entenderam que temos de votar em gente competente – disse Carmagnani.

Aos que continuam zombando de sua orientação sexual, Singolani deixa um recado:

– Avisa que a primeira-dama vai ser minha mãe.