Rodrigo Capelo
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Por Rodrigo Capelo — Rio de Janeiro (RJ)

Acabou a eleição na qual, para muitos, não sem motivos, estava em jogo mais do que a cadeira de Presidente da República. Foram anos de ataques coordenados aos pilares da democracia – a imprensa, as eleições, o sistema de freios e contrapesos. Faz muito tempo que o convívio entre familiares e amigos virou um estorvo, a menos que a política seja excluída da pauta. Pois acabou a eleição. Mas não o problema. E todos nós temos o que refletir no dia de hoje.

Na ala progressista, práticas destoaram dos valores que supostamente embasam essa visão de mundo. Houve incentivo, em particular por parte de jornalistas esportivos, para que atletas se posicionassem publicamente sobre suas preferências políticas e partidárias. Quando alguns defenderam que o futebol deveria se isentar, casos de Tiago Leifert e Caio Ribeiro, por motivos e com argumentações diferentes, estes foram rotulados como alienados. Daí para muito pior.

E não é que os atletas se posicionaram? Mas não do jeito que essa linha pretendia. Neymar declarou voto em Bolsonaro com dancinha no TikTok. Em live com o candidato, o atacante disse que o apoiava por compartilhar dos mesmos valores. Parte do elenco do Flamengo festejou o título da Libertadores ao lado de Bolsonaro, enquanto ele erguia a taça. Houve ene outras manifestações similares. A impressão é de maioria à direita entre jogadores de futebol.

Neymar foi achincalhado pelas mesmas pessoas que juraram defender a democracia. Muitas delas, jornalistas. E então caímos num vício que já havia ficado aparente noutras ocasiões – como quando Ronaldo se “isentou” da eleição de Dilma Rousseff, em 2014, vestindo a camiseta: “a culpa não é minha; eu votei no Aécio”. Ele também foi esculhambado. Porque, para muita gente, a sua manifestação política só é bem-vinda quando está alinhada à minha.

Deveria haver curiosidade por entender por que essas figuras pensam e se posicionam assim. Jogadores de futebol profissionais, a elite desta modalidade, têm trajetórias razoavelmente parecidas. São rapazes de origem pobre e periférica, com pouca instrução formal, que ascendem social e economicamente graças aos ganhos do futebol. Por que Bolsonaro? Num país democrático e civilizado, a imprensa se prestaria não ao ataque, mas a perguntar e ouvir.

Existe óbvia assincronia entre o que uns e outros pensam sobre o mesmo político. À esquerda, Bolsonaro é compreendido como golpista, corrupto, incompetente, que despreza a ciência e as minorias. Particularmente, é assim que interpreto a realidade. Mas não pretendo interditar o contraditório. A direita não o apoia por compactuar com tudo isto, mas por ver nele outros valores: família, pátria e liberdade, além de uma noção conservadora de bons costumes. São mais de 57 milhões de pessoas em cada lado, fora vasta parte que não vota ou não quis votar.

Me restrinjo ao esporte, porque sobre esporte escrevo. Acredito que o recente conflito entre Neymar e formadores de opinião à esquerda pode ser educativo noutros âmbitos. Se você não puder torcer pela seleção brasileira, usar a sua camisa e torcer pelo seu principal craque, porque diverge dele politicamente, temos problemas graves em nossa democracia. Que não se resolvem com a eleição de um candidato à esquerda, mas com convívio e diálogo, particularmente com as pessoas que pensam diferente de você. Todos os dias. A partir de já.

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