Entidades da Educação entram na Justiça contra demissão de professora por uso de camiseta com frase 'seja marginal, seja herói’

Expressão na camiseta faz alusão a uma obra de Hélio Oiticica. Ações pedem indenização por danos morais e a exclusão de publicações de Gustavo Gayer (PL).

Por Thauany Melo, g1 Goiás


Entidades da Educação entram na Justiça após demissão de professora criticada por deputado

Quatro entidades da Educação pediram na Justiça indenização por danos morais e a exclusão de publicações de Gustavo Gayer (PL) sobre a professora que foi demitida por usar camiseta com frase 'seja marginal, seja herói’. A expressão na camiseta faz alusão à obra 'Seja marginal, Seja herói', de Hélio Oiticica (1937-1980), um dos mais importantes artistas brasileiros que a professora frequentemente trabalha em sala de aula por ser tema de questões de vestibular.

Ao g1, a professora contou que a demissão aconteceu por telefone, na quinta-feira (4), depois que o deputado fez uma publicação com a crítica. Além das duas ações ajuizadas, o advogado que representa a professora, Alexandre Amui, informou que irá entrar também com uma ação trabalhista.

Imagem mostra publicação de Gustavo Gayer (PL) sobre a professora que usou a camiseta com a frase 'seja marginal, seja herói’ — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

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As entidades que entraram com as ações foram: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sindipro), Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Brasil Central (Fitrae-BC) e Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego).

As ações protocoladas pedem:

  • Pagamento de indenização por danos morais à professora no valor mínimo de R$ 30 mil, em razão da perda do emprego após perseguição ideológica e ofensa à sua honra e imagem
  • Intimação de plataformas digitais para que excluam as publicações que exponham a professora ou mencionam as escola em que ela trabalha
  • Suspensão da página do Instituto Nossos Filhos, na qual o deputado aparece pedindo que pais denunciem os professores por “doutrinação”
  • Que Gustavo Gayer não publique mais qualquer vídeo, texto ou imagem de professores, que possam colocá-los em risco quanto à integridade física, moral ou econômica
  • Que o deputado seja proibido no que se refere à realização de eventos ou incitação à perseguição a professores que, em sua opinião, estejam realizando “doutrinação de esquerda”
  • O envio da denúncia ao Supremo Tribunal Federal para inserir este processo no Inquérito das Fake News e nos inquéritos que apuram a conduta antiética do deputado
  • Cancelamentos das contas de Gayer nas redes sociais
  • Publicação de um vídeo de retratação para a professora

A professora contou que trabalhava no Colégio Expressão, localizado em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, desde janeiro. Na terça-feira (2), ela foi para a sala de aula com a camiseta pela primeira vez e publicou uma foto com a blusa em seu Instagram.

Ela explicou que a postagem feita pelo parlamentar se tratava de uma montagem e contava com uma legenda falsa com os escritos "professora de história com look petista em sala de aula", que ela não havia escrito na publicação original.

"Minhas camisetas de obras de arte são feitas por um amigo e na foto eu literalmente só marquei a loja [para divulgação]. A obra é vermelha, por isso a camiseta é vermelha. Não há associação política alguma", explicou.

A professora contou ainda que a demissão aconteceu por telefone, na quinta-feira (4), depois que o deputado fez a publicação de crítica.

O g1 entrou em contato com o deputado, mas ele não quis se posicionar sobre o assunto. Em uma nota divulgada pela escola nas redes sociais, eles afirmam que "escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas ou preconceituosas" (veja nota completa ao final da reportagem).

Repercussão

A professora explicou que costuma ensinar sobre o artista plástico em sala de aula, por se tratar de um tema frequente em questões de vestibular, como em uma questão do vestibular da Universidade de Campinas (Unicamp), de 2022. Ela ainda explicou que sempre explica sobre as obras de arte e seus respectivos contextos históricos.

"Eles são adolescentes e têm bagagem para entender do que se trata", afirmou.

Após a publicação do deputado, que contou com a marcação insistente do nome do colégio em que a professora trabalhava, o caso repercutiu entre apoiadores e seguidores do parlamentar, que também passaram a pressionar a escola por meio das redes sociais. Segundo a professora, ela só soube que sua publicação inicial havia tomado tamanha proporção e que Gayer havia feito postagem sobre o caso quando recebeu uma ligação de um dos sócios da escola, na noite da terça-feira (2).

Recebi uma ligação dizendo que eu tinha causado muita dor de cabeça com uma foto que tinhha postado. O tom da escola foi de me culpabilizar por isso, quando, na verdade, fui vítima do caso", lamentou a professora.

Ela contou que, no dia seguinte, a escola a convocou para uma reunião e, ao final, ficou acordado de que eles tentariam entrar em um acordo para resolver a situação. Já na quinta-feira, ela recebeu a ligação em que foi demitida. A professora também revela que a informação de que ela havia sido demitida foi publicada por Gustavo Gayer nas redes sociais dele, em tom de comemoração, antes mesmo de ser dita a ela por parte da escola.

"Fiquei muito abalada psicologicamente, com medo de isso afetar minha carreira", desabafou.

Nota divulgada pela escola na íntegra:

O Colégio Expressão e o Colégio Expressão Jr. têm o compromisso de oferecer uma educação de qualidade, pautada pela ética, respeito e diversidade. Por mais de 23 anos, nossa escola jamais induziu, militou ou abordou temas políticos, religiosos ou de gênero, pois acreditamos que essas escolhas devem ser respeitadas e discutidas no âmbito familiar.

Nossa missão é proporcionar aos nossos alunos uma formação integral, que prepare não apenas para o ingresso no mercado de trabalho, mas também para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Para isso, trabalhamos com um conteúdo pedagógico atualizado e alinhado com as exigências do Enem.

Ensinar conteúdos polêmicos em sala de aula pode ser um desafio para nós educadores. Porém, como profissionais da educação, temos a responsabilidade de apresentar esses temas de forma imparcial e crítica, sem tomar partido ou influenciar nossos alunos. É importante destacar que a escola não é lugar de propagar ideologias politicas, religiosas ou preconceituosas. Nossa missão é formar cidadãos conscientes e éticos, capazes de compreender e respeitar as diferenças culturais e ideológicas.

Reconhecemos que essa é uma tarefa complexa, mas estamos comprometidos em buscar constantemente o aprimoramento para oferecer um ensino de qualidade.

Contamos com a confiança de todos para seguirmos juntos nesso caminhada em busca de uma educação de qualidade, respeito e valorização da diversidade.

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