Cultura

Militares ajudaram Gonzagão e espionaram Gonzaguinha

Pai pediu posto de gasolina para Exu, enquanto filho foi investigado pelo SNI entre 1972 e 1985

BRASÍLIA - Gonzagão para um lado, Gonzaguinha para outro — também na política. Pai e filho mantiveram relações distintas com os próceres da ditadura e foram tratados de forma diferente pelos órgãos de repressão do regime militar. O rei do baião aproximou-se dos militares, e o moleque do Estácio foi alvo da perseguição e da censura do regime militar.

Documentos recém-liberados dos serviços de informação e relatos de autoridades daquele período revelam o quão distintos eram os tratamentos. Os trinta relatos do SNI sobre o “nominado LGJ” (Luiz Gonzaga Júnior) mostram que o cantor e compositor foi perseguido de 1972 a 1985, em plena transição democrática. A quase totalidade desses relatos faz referência a shows de protesto de que participou.

Já Gonzagão buscava apoio do governo militar para pacificar Exu. O sanfoneiro foi atrás do vice de João Figueiredo, o civil Aureliano Chaves, do então PDS, em 1981, para tentar acabar com 40 anos de violência entre famílias rivais. Nos documentos do Arquivo Nacional há apenas uma citação a Gonzagão. Datado de 1989, o relato revela que Edson Vidigal, então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atuou junto ao governo para que Gonzagão pudesse explorar um posto de gasolina em Exu. O documento é de 14 de julho de 1989. O rei do baião morreu menos de um mês depois.

“Comportamento geral” foi a composição de Gonzaguinha que se destacou como seu hino de protesto contra a ditadura. Com uma marcação melódica lenta, os versos, irônicos e diretos, realçam: “Você deve aprender a baixar a cabeça / e dizer sempre: ‘Muito obrigado.’”

Essa canção de protesto de “LGJ”, claro, não escapou da mira dos agentes federais. Gonzaguinha executou-a em vários shows. Em 1973, o SNI registrou: “Um programa de televisão apresentou a música que compôs intitulada ‘Comportamento Geral’, canção de protesto na qual estimula sentimentos negativistas e a luta de classes. Ultimamente, vem realizando excursões pelo país, apresentando-se com elementos ligados à esquerda festiva, em shows e espetáculos para estudantes, nos quais são apresentados números satíricos e de protesto”, registra um desses relatos, de março de 1974.

Em 1977, num show estudantil em Aracaju (SE), Gonzaguinha fez críticas aos governos federal e estadual. No intervalo, segundo os agentes federais, comentou uma letra que fizera em 1966 e que completava 11 anos. Os agentes registraram a frase que fazia paralelo entre o tempo da canção e do regime. Escreveram: “‘Quase a idade desta coisa que está aí no Brasil’, criticou indiretamente a revolução de 1964 durante toda a apresentação do espetáculo”.