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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


Passeata do Dia da Mulher no Rio na década de 1980: Feminismo ganhou força com fim da ditadura — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO
Passeata do Dia da Mulher no Rio na década de 1980: Feminismo ganhou força com fim da ditadura — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO

Cerca de três mil manifestantes foram às ruas do Centro do Rio para participar de uma passeata do Dia Internacional da Mulher de 1983. Naquela tarde de terça-feira, há 40 anos, levantando cartazes e gritando palavras de ordem por igualdade de gênero, as manifestantes faziam demandas como a instalação de creches em locais de trabalho e a legalização do aborto. Mas havia em seu protesto uma dose de ironia e bom-humor, observada nos trajes que algumas participantes usavam.

Na linha de frente da passeata, que saiu do Largo da Carioca pouco depois das 17h, a advogada e professora Comba Marques Porto vestia peças de roupa "ousadas" e muitas joias para interpretar a personagem "a outra", levando na mão um cartaz que dizia: "Nunca aos domingos, feriados, Natal e Ano Novo". Perto dela , a jornalista e escritora Carmem da Silva personificava a "rainha do lar", com o avental manchado, uma lata de sabão desinfetante na mão e uma "coroa" na cabeça.

Também havia no evento mulheres vestidas como "mãe enlouquecida", "noiva virgem", "solteirona", "prostituta" e "outras vítimas dos preconceitos morais è sociais dessa sociedade 'machista'", segundo explicou uma das participantes da passeata. A caracterização das personagens era uma forma de ironizar os estereótipos criados pela sociedade patriarcal que, diga-se de passagem, existem até hoje e limitam a condição da mulher no mundo a partir de uma perspectiva sexista.

Jornalista Carmen da Silva vestida de "rainha do lar", ironizando estereótipos machistas — Foto: Adalberto Diniz/Agência O GLOBO
Jornalista Carmen da Silva vestida de "rainha do lar", ironizando estereótipos machistas — Foto: Adalberto Diniz/Agência O GLOBO

Em vários países do Ocidente, a chamada segunda onda feminista, que começara nos anos 1960, popularizara demandas como legalização do divórcio, direito ao aborto, fim da violência doméstica e acesso ao mercado de trabalho. No Brasil, porém, com as restrições a protestos de qualquer natureza durante a ditadura militar, as ativistas ficaram alijadas do movimento. Já no início dos anos 1980, com a abertura política, elas não perderam mais tempo: foram à rua com as suas reivindicações.

O ato de 1983 circulou pelo Centro recebendo adesões. Cerca de vinte funcionárias de um banco, que faziam um protesto trabalhista, se uniram à manifestação feminista, assim como trabalhadoras que deixavam o expediente. Na Rua Sete de Setembro, mulheres aplaudiam das janelas de um prédio e ouviram, em resposta, o coro de "desce, desce, desce!". Quando o ato chegou na Cinelândia, lideranças como a escritora Lélia Gonzalez e a deputada estadual Lúcia Arruda discursaram de um caminhão.

O protesto deu visibilidade ao movimento no Brasil. A partir daquele ano, o Dia Internacional da Mulher passou a ser marcado por manifestações em diferentes capitais, como Belo Horizonte, São Paulo, Salvador e Recife, onde, em 1985, centenas de mulheres se reuniram na rua com frevo e versões femininas dos bonecos de Olinda. Em 1988, ativistas do movimento negro aproveitaram o centenário da Lei Áurea para criticar o racismo, afirmando que, no Brasil, "a abolição ainda está em curso".

Feministas do movimento negro em ato do Dia da Mulher de 1988 — Foto: José Doval/Agência O GLOBO
Feministas do movimento negro em ato do Dia da Mulher de 1988 — Foto: José Doval/Agência O GLOBO

Na passeata de 8 de março de 1984 no Rio, centenas de mulheres pararam o trânsito da Avenida Rio Branco, no Centro, muitas delas empurrando carrinhos com crianças e carregando sacolas de compras. A ironia do ano anterior não ficou de fora. A psicanalista, jornalista e escritora Carmen da Silva foi vestida de Estátua da Liberdade, segurando um apetrecho de cozinha e falando em alto e bom som: "A lei da mulher é a lei doméstica, e é isso o que precisa mudar".

Uma espécie de Judas com inscrições contra a guerra nuclear, a violência doméstica e o machismo era sacudido, estapeado e pisoteado pelas participantes do ato, que também atraiu alguns homens. Fernando Gabeira, por exemplo, estava lá com mulher e filha de 9 meses no colo. "Esta é a primeira manifestação feminista da Tamie", disse ele. Já o advogado Modesto da Silveira foi chamado a experimentar o "sapato da Cinderella", sob risos e aplausos das ativistas.

Mulher amamenta seu bebê durante passeata do Dia da Mulher em 1984 — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO
Mulher amamenta seu bebê durante passeata do Dia da Mulher em 1984 — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO
Homem calça "sapato da Cinderella" durante ato no Dia da Mulher em 1984 — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO
Homem calça "sapato da Cinderella" durante ato no Dia da Mulher em 1984 — Foto: Paulo Moreira/Agência O GLOBO
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