Por Darlan Alvarenga, g1


Brasil é um caso raro de país com taxas de dois dígitos de inflação, juros e desemprego. — Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

O Brasil é um caso raro de país com taxas de dois dígitos de inflação, juros e desemprego. Entre as grandes economias do mundo, apenas a Turquia vive tal situação, aponta levantamento feito para o g1 pela agência de classificação de risco Austin Rating.

A Argentina e Rússia também estão no topo dos rankings das maiores taxas de inflação e de juros básicos do mundo, mas mantêm um desemprego abaixo de dois dígitos. Já a África do Sul e a Espanha possuem desemprego superior ao do Brasil, mas inflação e juros bem menores.

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O levantamento reúne os dados mais atualizados de 23 países, que representam 81,4% do PIB global, além das taxas da zona do euro.

Veja abaixo os rankings:

Ranking de inflação, juros e desemprego — Foto: Arte/g1

No Brasil, taxas de dois dígitos nos 3 indicadores não eram registradas desde a recessão de 2016. Considerando os dados oficiais desde 2012, quando começou a série atual da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), essa tríplice coroa' só ocorreu em 4 meses, segundo a Austin.

Veja o quadro abaixo:

"Essas 4 ocasiões foram as únicas vezes que houve 2 dígitos nos três indicadores. Agora neste ano que passou a ser recorrente", afirma o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, autor do levantamento.

Inflação

Já são 8 meses seguidos com a inflação anual acima dois dígitos o Brasil, segundo mostraram os dados do IPCA divulgados pelo IBGE. A Selic superou os 10% em fevereiro e foi elevada no último dia 4 de maio para 12,75% ao ano – maior patamar desde 2017. Já a taxa de desemprego ficou em 11,1% no 1º trimestre e se mantém em dois dígitos desde o final de 2015.

O que explica essa 'tríplice coroa'

Mais do que indicar uma situação econômica bastante ruim no Brasil, a conjunção de taxas de dois dígitos de inflação, juros e desemprego escancara os efeitos das sucessivas crises dos últimos anos e dos problemas estruturais da economia brasileira, que há anos vem registrando baixo crescimento.

“Temos no Brasil um problema tão crônico, tão estrutural, que a relação dessas variáveis sai do padrão técnico-econômico", afirma Agostini, destacando que a inflação e o desemprego costumam ter uma relação inversa. Ou seja, quando um aumenta, o outro diminui.

O economista explica que, embora a inflação tenha se tornado um problema global, puxada principalmente pela disparada dos preços da energia e de commodities, em países como os Estados Unidos ela também tem sido alimentada pela situação de praticamente pleno emprego.

"Nos Estados Unidos, há renda para absorver a alta da inflação. Então é natural que se tenha um juro também maior. Já no Brasil, a gente não tem um mercado de trabalho para absorver essa inflação alta e o juros tem que subir para combater essa inflação de custos", observa.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, essa tríplice coroa também é resultado da instabilidade política, da crise fiscal e da falta de avanço na agenda de reformas. Já são oito anos seguidos de contas do governo federal no vermelho.

“Estamos pagando o preço de anos de descaso em relação a uma boa política econômica e também de uma boa política. Temos feito algumas reformas, mas reformas que são insistentemente burladas. Para um país emergente que depende de investimento e da entrada de capital, a incerteza e essa polarização política é a pior coisa que poderia ter", afirma Vale.

Ele lembra que, em 2016, a aprovação de reformas e de medidas de ajuste fiscal como a criação do teto de gastos foram fatores que contribuíram para a queda do dólar frente ao real e para a inflação desacelerar abaixo dos dois dígitos.

Vale explica que o alto nível de endividamento do setor público é um dos fatores que tem mantido o dólar em patamar elevado no Brasil e obrigado a uma elevação da taxa básica de juros mais acelerada e acentuada no Brasil, que retomou a liderança do ranking mundial de juros reais.

"Dado que a política fiscal entrou no modo eleição, a gente depende quase que exclusivamente do Banco Central para controlar a inflação. O juro está subindo com muito mais intensidade agora muito por conta disso", afirma o economista, citando a decisão do governo de mudar a regra do teto de gastos e o pacote de "bondades" quem vem sendo adotado pelo presidente Jair Bolsonaro em busca da reeleição.

"São medidas que podem parecer que são positivos no curto prazo, como redução de imposto, mas que tem um custo enorme lá na frente. É um preço alto que a gente já está pagando e vai pagar ainda mais nos próximos anos", acrescenta.

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Inflação persistente, juros ainda ladeira acima e estagnação

Apesar da perspectiva de desaceleração da inflação a partir dos próximos meses, as projeções para o IPCA fechado no ano seguem sendo revisadas para cima e o próprio Banco Central já admitiu que a meta de inflação deve superar pelo 2º ano seguido o teto da meta do governo, que tinha sido fixada em 3,5% para 2022.

O Itaú no início do mês sua projeção para o IPCA de 2022, de 7,5% para 8,5%, citando preços administrados como gasolina e energia elétrica mais elevados e desinflação mais lenta de bens no segundo semestre. A estimativa do banco para a Selic é de 13,75% ao ano, com uma extensão do ciclo de alta dos juros por mais dois meses. Já para a taxa de desemprego a previsão é de 12% ao final deste ano.

Para a Austin, porém, ainda há risco do Brasil terminar o ano com taxa de dois dígitos de inflação, juros e desemprego". “Os juros vão permanecer nesse nível por um bom tempo e a inflação até o final do ano corre o risco de ficar em dois dígitos", afirma Agostini.

Os analistas destacam, porém, que a pior consequência desta combinação é o impacto direto no emprego e renda, e no ritmo de recuperação da economia brasileira.

"Estamos numa estagnação agora, mas o Brasil pode até entrar numa recessão também”, alerta o economista da Austin, que não descarta eventuais retrações no PIB ao longo do ano, assim como ocorreu nos EUA no 1º trimestre.

O mercado financeiro estima atualmente um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,70% em 2022 e de 1% em 2023. O FMI faz uma projeção um pouco melhor, de avanço de 0,80% neste ano e de 1,4% no ano que vem. Ainda assim, a perspectiva para o Brasil segue bem abaixo da da média mundial e dos emergentes.

A Turquia, por exemplo, que está com uma inflação perto de 70% ao ano, tem previsão de crescimento do PIB de 2,7% em 2022 e de 3% em 2023.

"Essa situação de tríplice coroa, com inflação, juros e desemprego de dois dígitos, é um cenário que para desmontar vai ter um elevado custo econômico, que é justamente crescimento baixo de forma mais estrutural e mais longo prazo, e com a consequência de manter a taxa de desemprego alta por mais tempo", diz Vale.

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