Por Thaís Matos, g1


Linhas de crédito consideradas "ruins" e "caras" foram as que mais cresceram em janeiro deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do relatório de acompanhamento fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), publicado em 15 de março.

Tratam-se do cheque especial e do cartão de crédito, que têm as taxas de juros mais altas do mercado. Quem atrasa o cartão de crédito, por exemplo, pode pagar 182% ao ano (se parcelar o pagamento) ou 411% ao ano (se entrar no rotativo).

Já quem recorre ao cheque especial pode pagar juros de 132% ao ano. As porcentagens equivalem às taxas médias de juros de janeiro, divulgadas pelo Banco Central. Existem taxas mais baixas e muito mais altas nessas modalidades também — chegando a mais de mil por cento ao ano, por exemplo. Isso porque essas linhas são pré-aprovadas e, por isso, mais acessíveis.

As concessões de linhas associadas ao pagamento de dívidas, como os empréstimos com garantias de imóveis e de veículos, por exemplo, também subiram no mês. Já as linhas consideradas mais seguras, como o crédito consignado — que tem taxas de juros mais baixas por já ser descontado da folha de pagamento — e os financiamentos de veículos e imobiliário, subiram abaixo da média no mês (17,7% para pessoas físicas).

Segundo dados do Banco Central, o crescimento do saldo de crédito de janeiro deste ano em relação a janeiro do ano passado por modalidade foi o seguinte:

  • Cartão de crédito rotativo: 51%
  • Cartão de crédito parcelado: 41,1%
  • Cheque especial: 19,6 %
  • Empréstimo consignado: 16%
  • Empréstimo não consignado: 15,8 %
  • Crédito imobiliário: 14,1%
  • Aquisição de veículos: 7,3%

O diagnóstico é o seguinte: em vez de pegarem dinheiro barato para comprar carro ou casa, as pessoas estão pegando dinheiro caro para pagar outras dívidas.

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Piora do crédito leva a endividamento e inadimplência

Segundo o relatório do IFI, o atual momento do mercado de trabalho tem parcela de culpa. O último dado relativo a emprego divulgado pelo IBGE no último dia 28 mostrou que, embora a queda da desocupação tenha garantido uma melhora no mercado de trabalho, a qualidade do emprego piorou e o país atingiu um número recorde de empregados sem carteira assinada: 12,9 milhões de trabalhadores.

Sem carteira assinada, os trabalhadores não conseguem pedir empréstimos consignados ou apresentar garantias para alguns financiamentos.

O relatório diz, ainda, que o aumento da inadimplência e do comprometimento da renda das famílias brasileiras também está ligado a esse cenário. Isso quer dizer que o pagamento de dívidas ocupa um pedaço maior dos salários dos brasileiros.

Essa é uma tendência que já vinha acontecendo desde o ano passado, segundo Isabela Tavares, economista que analisa crédito e sistema financeiro na Tendências Consultoria. É um reflexo também, entre outros fatores, do fim do auxílio emergencial, que ajudou muitas famílias a não precisarem usar cartão ou crédito caro pra segurar as pontas.

“Quando a gente tem essa piora na qualidade, o comprometimento [da renda] e o endividamento crescem porque você está pegando mais crédito em modalidades que são piores. Durante a pandemia, quando a gente teve um aumento bem expressivo na renda das famílias mais pobres por conta do auxílio emergencial, essas modalidades emergenciais diminuíram bastante.”

"Estamos em um momento de piora na situação financeira e nas condições de crédito. Isso acaba tornando os bancos mais seletivos e faz com que as famílias de baixa renda tenham que recorrer mais a essas modalidades emergenciais, que são pré-aprovadas", diz a economista.

De fato, o volume de dinheiro gasto com cartão de crédito por famílias que ganham até 2 salários mínimos disparou entre 2021 e 2022. Segundo dados do Banco Central, o estoque emprestado para famílias que ganham de 1 a 2 salários mínimos aumentou 77% entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, passando de R$ 48,4 bilhões para quase R$ 85,9 bilhões.

Bancos estão mais 'criteriosos' — e não têm previsão de baixar juros

Segundo o economista e professor da Saint Paul Escola de Negócios Maurício Godoi, as taxas de juros do mercado (essas que as pessoas físicas e as empresas pegam) já estão altas há um tempo e tendem a ficar ainda mais, mesmo que a Selic abaixe nas próximas reuniões.

"A gente já tem uma conjuntura de mercado financeiro super complexa, em que ainda temos que entender quais serão os desdobramentos. Mesmo se a Selic tivesse caído, a gente teria essa elevação de taxa de juros por uma questão de risco das próprias instituições financeiras", explica.

O professor diz que os bancos estão receosos com o aumento no volume de calotes e com o comprometimento de renda, que também contribui pra inadimplência: se a prestação pesa mais no bolso das famílias, fica mais difícil pagar.

Tanto a porcentagem de inadimplência das operações de crédito com recursos livres (que englobam cartão, cheque especial, consignado e compra de veículo) quanto a das de crédito com recursos direcionados (que contém o financiamento imobiliário) aumentaram 0,2 ponto percentual em janeiro.

Godoi explica que os bancos trabalham com expectativa. E é essa expectativa que ajuda a compor a taxa de juros. "O Brasil deve ter piora do mercado de trabalho e da renda do trabalhador, diminuição da geração de empregos, crescimento baixo, inflação alta e comprometimento da renda maior. Isso tudo traz uma possibilidade de inadimplência maior do que antes. Como bancos trabalham sobre expectativas, vão aumentar os juros porque a expectativa de pagamentos não está tão clara como em períodos do passado recente do Brasil".

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