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Economia Macroeconomia

O país que queremos: Até onde vão as emendas parlamentares?

Recurso ganhou espaço demais no Orçamento, tirando verba de áreas prioritárias, afirmam especialistas
O país que queremos Foto: Criação O Globo
O país que queremos Foto: Criação O Globo

SÃO PAULO - As emendas parlamentares ganharam volume gigantesco nos últimos anos, enquanto o resto do Orçamento da União, onde estão previstas as prioridades do país, perdeu recursos. Para o economista Fabio Giambiagi , faz sentido que os parlamentares disponham dessa verba, que existe nas melhores democracias, para atender demandas específicas de grupos de eleitores. Mas é um absurdo que tenham alcançado a proporção que atingiram.

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O tema é o quarto a ser abordado na série “O país que queremos” que O GLOBO está promovendo neste ano eleitoral. André Luiz Marques, coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper, Paulo Vicente Alves, professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral, e Odilon Guedes Pinto Júnior, professor de Economia do Setor Público na FAAP, debatem a questão.

Uma ferramenta de barganha política

André Luiz Marques - economista e coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper Foto: Criação O Globo
André Luiz Marques - economista e coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper Foto: Criação O Globo

A questão das emendas parlamentares acabou sendo deturpada ao longo do tempo. No conceito inicial, tinha uma boa intenção, uma boa motivação. Realmente, estes deputados de forma geral estão ali em contato com a ponta, entendendo as dores da ponta.

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A questão é que ao longo do tempo e, mais recentemente, acabou se gerando uma ferramenta de barganha política, de confrontação de poder. Como toda ideia, havia a oportunidade de melhoria, de ser mais assertiva.

Longe de dizer que tínhamos um modelo perfeito. Mas acabamos indo na direção diametralmente oposta, que se distancia do intuito inicial. Hoje, esse mecanismo acaba sendo usado muito mais para benefícios próprios, numa tentativa de operacionalização, de viabilização do governo do que de pensar no problema do cidadão.

Acho que a população não tem muita percepção sobre isso, porque se trata de um assunto chato. As pessoas só sabem que a saúde e a educação não estão bem. Tem dinheiro, mas estão roubando. Tudo fica numa discussão muito superficial. Mas o debate da eficiência dos gastos públicos é muito importante.

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Devemos combater a corrupção, claro, mas as coisas não são excludentes. É preciso esse debate para que população saiba que isso vai afetar seu amanhã, o dos seus filhos, dos seus netos.

O valor das emendas parlamentares é muito ou é pouco? Acho que é relativo. Nos EUA, a gente não tem os desafios de infraestrutura que tem no Brasil. A solução é dar mais ou menos dinheiro?

Talvez a solução seja dar mais transparência, dar responsabilização. Quando um deputado indica uma verba para determinada região é porque ali existe um problema. Os números estão ruins, é preciso ter estudos que mostrem isso.

Se o deputado defender com evidências o porquê daquele recurso ir para aquela região e, mais à frente, prestar contas, ok. Isso deixa de ser uma política de curto prazo e passa a ser de médio e longo prazo, com transparência tanto na decisão de aplicar os recursos quanto no acompanhamento.

Claro que talvez seja um sonho de uma noite de verão, mas se todos esses recursos fossem investidos dessa forma, a qualidade desse gasto aumentaria.

André Luiz Marques é economista e coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper

O Estado parece que não tem dono

Odilon Guedes Pinto Júnior, professor de Economia do Setor Público na FAAP Foto: Criação O Globo
Odilon Guedes Pinto Júnior, professor de Economia do Setor Público na FAAP Foto: Criação O Globo

Não se sabe como os recursos das emendas parlamentares são usados e isso reflete a falta de amadurecimento da cidadania no Brasil. O conjunto da população não acompanha o processo orçamentário. Se você pegar lideranças empresariais e sindicais, eles também não sabem. É uma questão gravíssima. Há um desconhecimento generalizado sobre o plano plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

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O Estado parece que não tem dono. Cada um faz o que quiser. Parece um saco sem fundo, mas não é nada disso. As verbas públicas têm que ser muito bem empregadas. Cada um puxa a brasa para sua sardinha sem pensar nos interesses da sociedade. Lógico que o deputado tem que olhar a região que representa.

Agora, ele tem que pensar no conjunto do país. O Executivo é que tem a noção de planejamento, dos problemas, se falta dinheiro para educação, saúde, escolas, hospitais. O deputado está lá com uma visão mais localizada.

Essas emendas secretas, no meu entender, foram criadas pelo atual governo para evitar o impeachment do presidente. É uma distribuição de verbas entre os deputados do Centrão, base que apoia o presidente. E como ele conseguiu uma certa estabilidade, elas agora são usadas do ponto de vista do interesse da reeleição do presidente. É uma coisa absurda.

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Orçamento é uma peça fundamental de planejamento e de transparência. A Lei de Responsabilidade Fiscal coloca que o Orçamento tem que ser o mais transparente possível para o atender o planejamento.

É um equívoco enorme o país hoje viver nessa situação para atender interesses  do pre sidente e de seu entorno. Essa é uma questão que não podemos deixar passar.

E dada a crise que estamos vivendo no país, desde 2014, há perda de receitas. Por um lado, tem aumento das despesas secretas, e por outro tem a diminuição do Orçamento, que acaba impactando os chamados gastos discricionários, que é onde há liberdade para investir em educação, saúde, pesquisa.

Perdemos a noção de planejamento, que é decisivo para o Estado. E aí não é um problema ideológico, de esquerda ou direita. O Estado tem que planejar para atender os interesses da sociedade.

Odilon Guedes Pinto Júnior é professor de Economia do Setor Público na FAAP

Ficou um negócio esquizofrênico

Paulo Vicente Alves é professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral
Foto: Criação O Globo
Paulo Vicente Alves é professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral Foto: Criação O Globo

O esquema das emendas parlamentares é péssimo e vem da Constituição de 1988. Ficou um negócio esquizofrênico. O Congresso não controla o Orçamento. Quem controla o Orçamento é o Executivo. Mas como o Congresso coloca suas prioridades ali dentro? E aí virou essa coisa das emendas parlamentares há décadas.

Cada um coloca uma emendazinha para reformar a praça, a escola, asfaltar a rua, urbanizar a periferia. É legítimo, mas não pode ser um quebra-cabeça de 5 mil peças que você nem sabe qual imagem vai formar.

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Muitos de nossos deputados federais e estaduais vivem disso. Dessa ouvidoria, desse beija-mão. É uma perda de energia gigantesca. Não há um planejamento estratégico em que se possa dizer o seguinte: o que devia ser feito no país? O que é prioridade e o que não é prioridade?

Mas essa é a única forma que os deputados conseguem se legitimar junto ao eleitorado. Teria que mudar a Constituição. Mas ninguém consegue acordar qual vai ser essa nova Constituição.

Tem que ter a verba, mas não devia ser tão grande. Os americanos têm verbas secretas para a defesa. A verba de espionagem, da diplomacia. Tem várias dessas verbas que não são transparentes.

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Vou dar dinheiro para tal grupo fazer algum tipo de ação diplomática ou militar e não quero que o inimigo saiba. Alguma opacidade é necessária. Mas isso tem que ser a exceção e não a regra.

Toda vez que se vai votar alguma coisa no Congresso é uma negociação grande. Tem que dar algo, seja uma emenda parlamentar, um artigo que você muda numa lei, um incentivo fiscal para alguma coisa. Essa negociação no varejo, embora seja legítima na política, está mal resolvida.

Já que a gente trabalha com programas, devia ter uma coisa assim: programa de reforma das escolas. Tem quantas escolas em cada estado? Vamos reformar mil escolas por ano. Tem uma verba para mil escolas todo ano.

Isso ficaria embaixo de um programa guarda-chuva. Ficaria mais organizado. Vale para asfaltamento de rua, esgotamento sanitário, urbanização da periferia. A comunidade que votou nele acha aquilo relevante. O pedido é totalmente válido.

Paulo vicente alves é professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral