Corte de imposto não tem impacto nos preços, e produtos sobem mais que inflação

Etanol, café, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja tiveram a alíquota de importação zerada, mas não teve efeito de aumentar a oferta interna para conter preços

Por Eliane Oliveira — Brasília


Vista aérea do Porto do Rio de Janeiro — Foto: Infoglobo/Brenno Carvalho

O corte do Imposto de Importação do etanol, café, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja promovido pelo governo em 22 de março, para tentar conter os preços internos, não teve efeito na inflação. Os produtos continuam subindo acima da média. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE, foi de 1,06% em abril, enquanto o óleo de soja subiu 8,24%, o macarrão, 3,47%, o queijo, 2,95%, e o etanol, 8,44%.

As medidas — no início de maio houve nova rodada de reduções — são uma tentativa de controlar uma inflação persistente em ano eleitoral, no qual o presidente Jair Bolsonaro busca o segundo mandato. Uma pesquisa do Datafolha divulgada ontem mostra que, para a maioria dos brasileiros (53%), a economia terá muita influência nas eleições.

Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, o impacto é nulo. Em uma conjuntura de dólar valorizado frente ao real, custos elevados do frete, preços dos combustíveis nas alturas e falta de alimentos disponíveis pelo mundo, as importações não cresceram a ponto de afetar o preço interno.

— Qualquer redução tarifária tem impacto zero neste momento de preços elevados — afirma o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.

Em 12 meses, o IPCA já está em 12,13%, mas a pressão maior vem de alimentos e combustíveis. Alimentação no domicílio ficou 16,12% mais cara nos últimos 12 meses e os combustíveis, 33,24%.

infográfico de importação e preços de alimentos — Foto: Editoria de arte

As importações não tiveram crescimento significativo para baixar os preços domésticos. Em alguns casos, mesmo com o imposto zero, houve queda tanto na quantidade quanto no valor em dólares, em relação a abril de 2021. Em volume, houve reduções para açúcar (49,5%), óleo de soja (52,8%) e etanol (77,3%).

A participação da importação no consumo interno é pequena, em torno de 2%, um volume que não consegue mexer muito com os preços.

Houve aumento nas compras de queijos no exterior de 24,2%, e as de macarrão subiram 35,7%. Em abril do ano passado, não havia registro de importação de margarina. No mesmo mês de 2022, o volume que entrou no Brasil foi de cerca de 98 mil toneladas.

Este mês, os queijos saíram da lista para dar espaço a outros itens. O Ministério da Economia anunciou novas reduções das alíquotas de importação de vários alimentos da cesta básica: carnes de boi e de frango, trigo, farinha de trigo, milho em grão, bolachas e biscoitos. As tarifas ficarão zeradas até o fim deste ano.

Um técnico da área econômica admitiu que essas medidas não revertem a inflação. O objetivo é desestimular novos aumentos de preços no país ou reajustes abusivos. O Imposto de Importação menor estimularia o ingresso de importados.

Além de zerar o imposto para mais itens, a área econômica fez uma segunda rodada de redução de 10% da Tarifa Externa Comum (TEC), para países que não fazem parte do Mercosul.

Nesse caso específico, além de tentar baratear os bens consumidos no país, o governo justificou a medida como mais um passo em direção à média internacional, especialmente das nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual o Brasil quer entrar.

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As duas reduções da TEC, ambas de 10%, atingem 87% das alíquotas de importação. Estimativas da Secretaria de Comércio Exterior apontam que, até 2040, esse corte vai gerar R$ 533,1 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB), R$ 376,8 bilhões em investimentos, R$ 758,4 bilhões em aumento das importações e R$ 676,1 bilhões de acréscimo nas exportações.

A redução da TEC vale até 31 de dezembro de 2023, porque a medida é unilateral, embora tenha recebido aval dos sócios de Argentina, Paraguai e Uruguai. O Brasil, porém, tentará tornar as novas alíquotas permanentes.

‘Enxugando gelo’

Fatores externos, como a guerra na Ucrânia, dificultam o combate à inflação. O Comitê de Política Monetária (Copom) vem subindo as taxas de juros para conter os preços, mas os reflexos devem aparecer no ano que vem.

— O governo está enxugando gelo — diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Ele reconhece que o governo tem feito o que está ao seu alcance para tentar amenizar o aumento da inflação no bolso do brasileiro. Mas avalia que o efeito é o contrário do esperado:

— Se não houver medidas focadas no investimento de longo prazo, no retorno de ganho de produtividade, vamos continuar com essa gangorra de juros e inflação por muito tempo.

Para o economista, não dá para reduzir a inflação rebaixando tarifa e concedendo subsídios para baratear combustíveis, por exemplo. Ele avalia que essas medidas significam abrir mão de receitas e podem gerar mais problemas.

O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, sócio da consultoria BMJ, diz que os dados de importação não retornaram aos níveis de 2019 e refletem que não houve recuperação industrial. Segundo ele, no caso da TEC, o corte é menor do que a variação cambial:

— A variação cambial assusta os importadores, que não têm previsibilidade.

Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fudação Getulio Vargas (FGV), lembra que, além da conjuntura internacional, o aquecimento global já afeta os preços dos alimentos de forma visível:

— As temperaturas estão aumentando, e tivemos um período de oito meses de seca, quase nove. Mesmo que as chuvas tenham retornado ao longo dos últimos três meses, não foi o suficiente para otimizar a produção agrícola.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirma compreender o objetivo do governo e diz que continua empenhando “seus melhores esforços” para garantir o abastecimento dos mercados doméstico e internacional. Mas ressalta que, “até o momento, não houve efeito para o setor no que diz respeito às importações.”

‘Incentivo’, diz secretário

Celírio Inácio, dirigente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), considera que a ação do governo foi “desnecessária, indicando, inclusive, falta de conhecimento na dinâmica do preço do café torrado e moído.” Ele reclama que o governo reduziu a tarifa sem uma discussão ampla com o setor.

Em nota, o Ministério da Economia afirmou que não “é esperada necessariamente uma queda do preço ao consumidor em relação ao preço anterior à medida”. Segundo a pasta, "o que se espera é que o preço após a medida seja menor em relação ao que o consumidor pagaria sem a medida".

De acordo com o ministério, a média diária de importação de etanol aumentou. Citando dados preliminares até a terceira semana de maio afirma que “a importação de álcoois, fenóis e derivados, categoria majoritariamente composta pelo etanol combustível, cresceu 93,4% em valor em relação à média diária do mesmo mês do ano anterior.” Em volume, a alta foi de 75%. Na comparação feita pelo GLOBO, foi usado o total importado em abril ante o mesmo mês de 2021, que apresentou queda.

Ao anunciar os cortes, o secretário executivo da pasta, Marcelo Guaranys, dissera que o governo estava “preocupado com o impacto da inflação sobre a população. Isso não resolve a inflação, isso é com política monetária, mas gera um importante incentivo.”

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