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Área de Proteção Ambiental de Marapendi tem seu plano de manejo estabelecido

Documento estabelece direitos de ocupação de solo e previsão de programas do poder público

Interior do Parque de Marapendi
Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo
Interior do Parque de Marapendi Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo

RIO - Depois de anos de espera, uma área de 916 hectares que vai da Barra ao Recreio finalmente teve suas regras definidas, tanto as de ocupação como as que se referem à atuação do poder público. No último dia 2, a prefeitura publicou o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi, no entorno da lagoa de mesmo nome. O ato, segundo ambientalistas, é um fator positivo na luta pela preservação do espaço.

— O plano é a Bíblia da região. É onde estão todas as diretrizes de tudo o que devemos e podemos fazer — define Rosana Junqueira, gestora do Parque de Marapendi.

A APA de Marapendi abrange o parque homônimo, com 155,48 hectares, e o Parque Nelson Mandela, com 162,95 hectaores, criado em 2011. O Marapendi, oficializado em 1978, foi adequado ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação em 2003, três anos após o lançamento do conjunto desse normas pelo governo federal. Desde então, aguarda um plano de manejo. Os estudos, que incluíram levantamentos topográficos, sociais e de fauna e flora, foram iniciados em 2015 e duraram cerca de um ano.

Às vésperas da Olimpíada, a prefeitura anunciou um projeto ousado para o Parque Nelson Mandela, que ganharia estrutura semelhante à existente no Parque do Flamengo, com diversos equipamentos de lazer, como quadras esportivas e ciclovias. Tal projeto foi deixado de lado a partir da elaboração do plano de manejo, que, no entanto, prevê outras obras dessa natureza no local.

Trilhas. Ideia é abrir caminhos Foto: Agência O Globo
Trilhas. Ideia é abrir caminhos Foto: Agência O Globo

O documento reúne três projetos principais de urbanização: estruturas físicas no Nelson Mandela; recuperação ambiental do complexo lagunar (processo que consta como “em elaboração” no plano); e ligações hidroviárias. As estruturas físicas são, basicamente, os equipamentos de lazer. Eles ficarão em três setores, chamados de Jacaré, Capivara e Borboleta. Neles, haverá trilhas, passarelas de madeira, bases para restaurantes, quiosques e bicicletários. Já as ligações hidroviárias dependem da despoluição das lagoas.

Rosana diz que o antigo projeto da prefeitura para o Nelson Mandela entrou em conflito com os novos zoneamentos definidos pelo plano de manejo. São basicamente três: há zonas de preservação, onde não são permitidas construções nem visitação; de conservação, áreas em que não se pode construir, mas que podem ser visitadas; e de ocupação controlada, onde construções são permitidas, respeitando-se determinadas regras:

— Houve conflitos em algumas áreas, porque agora elas foram definidas como trechos que precisam ser conservados. O plano revisou os zoneamentos que estavam previstos por um decreto municipal de 1993.

Mudanças no zoneamento
Documento estabelece novos parâmetros na Apa de Marapendi
Fonte: Plano de Manejo da APA de Marapendi
Mudanças no zoneamento
Documento estabelece novos parâmetros
na Apa de Marapendi
Avenida das Américas
Legenda:
Fonte: Plano de Manejo da APA de Marapendi

O secretário de Conservação e Meio Ambiente, Rubens Teixeira, defende o plano, mas lembra que futuras intervenções dependem de verba disponível. Já o subsecretário Justino Neto afirma que o essencial é a preservação:

— A ideia é que nenhum outro prédio seja erguido na área.

A necessidade urgente de preservação é destacada no último capítulo do texto, onde são detalhadas a relevância e a singularidade ecológica da área, que abrange “cordões arenosos e planícies lagunares, sobre o qual desenvolve-se a vegetação litorânea em um gradiente de biomassa e diversidade nas duas margens da Lagoa de Marapendi, formando um conjunto de ambientes abertos, florestais e lacustre de grande beleza cênica”. Por causa de suas características, o local é hoje refúgio de diversas espécies ameaçadas, como a borboleta-da-praia, o lagarto-de-cauda-verde e o jacaré-de-papo-amarelo. Os estudos mostraram que 79% da área dos dois parques são de cobertura vegetal; 0,99%, de área residencial; e 4,61%, de área antropizada.

O Parque de Marapendi, conclui a pesquisa, apresenta sinais de degradação, por causa da expansão urbana. A consolidação dos espaços como unidades de conservação, ou seja, com legislação menos permissiva, foi um processo recente, já em meio ao progresso urbano da região, que levou à construção de prédios bem próximos de áreas ambientais. No fim, o plano lista possíveis soluções para a defesa da área, como a criação de programas emergenciais de controle e defesa e o reforço da infraestrutura administrativa, com delimitação das unidades, sinalização e cercamento de trechos mais frágeis e acessíveis antes mesmo dos ajustes na regularização fundiária.


Gestora Rosana Junqueira no parque
Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo
Gestora Rosana Junqueira no parque Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo

O potencial da APA de Marapendi para ser um laboratório vivo de pesquisa foi destacado por Rosana Junqueira, que destaca o jacaré como uma espécie simbólica da região:

— Há programas previstos, como pesquisa de manguezais, educação ambiental, recuperação da flora nativa e pesquisa de jacarés, cuja população aqui é formada por 70% de machos, o que é um indicativo de risco para a espécie. Fora isso, não temos muitos dados sobre a população deles nesta área; é algo em que devemos investir mais. A poluição, infelizmente, é um problema grave, que os afeta também.

Um dos instrumentos para garantir a execução do plano de manejo é o seu conselho gestor, criado no ano passado e formado por oito representantes da sociedade civil e outros oito do poder público. Um dos participantes é o advogado Jean Carlos Novaes, que se debruçou sobre as características da área quando fez parte do movimento Golfe Para Quem?, que questionava a construção do campo de golfe olímpico na APA de Marapendi.

— O conselho é público e as reuniões são abertas. E o conselho é gestor, não meramente opinativo, ou seja, temos uma função importante, de deliberação — explica Novaes, que elogia a redação final do plano de manejo. — Foi bom na medida do possível, muito embora possa ser melhorado. Há problemas graves de poluição na lagoa e no Canal das Taxas, o que é desconhecido para muitos. Precisamos dar publicidade à realidade ambiental, que impacta a vida de todos.

Ainda falta desapropriar terrenos

Mesmo concluído em meados de 2016, o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi demorou a ser publicado, devido às questões fundiárias inerentes ao processo. A região do Parque Nelson Mandela, basicamente na área hoje conhecida como Reserva, próximo à praia, precisa ser inteiramente desapropriada. O estudo que resultou no documento, porém, mostrou que 52% daquele terreno ainda têm proprietários. Na gestão passada, a solução para compensar os donos de terras na área do Nelson Mandela foi criar uma Operação Urbana Consorciada (OUC), por meio da qual foram concedidos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) em outras áreas em troca dos lotes na APA.

— Na prática, o que aconteceu foi que algumas pessoas negociaram isso e doaram o terreno à prefeitura. Só que outras, mais estruturadas financeiramente, disseram que iam ficar, já que os terrenos naquela área, agora sem vizinhos e de frente para a praia, valiam mais. Era interessante para a especulação imobiliária, (a estratégia) foi um tiro no pé da prefeitura — afirma o advogado Jean Carlos Novaes.

Em processo. A área do Parque Nelson Mandela, na Reserva: criado em 2011 e ainda não implantado Foto: Fotos de Fabio Rossi
Em processo. A área do Parque Nelson Mandela, na Reserva: criado em 2011 e ainda não implantado Foto: Fotos de Fabio Rossi

A OUC foi suspensa ainda pela antiga gestão da prefeitura. Agora, resta saber quando as desapropriações que faltam estarão concluídas, o que é difícil prever, num cenário de crise econômica. Por enquanto, diz a gestora Rosana Junqueira, o que está em curso é o “fortalecimento da equipe” do Parque de Marapendi:

— Estamos recebendo investimentos, como prevê o plano, tanto em relação a funcionários, como a gestão e a estrutura física. Foram comprados, por exemplo, carros e barcos para vistoriar a lagoa.

O biólogo Marcelo Mello, que vem acompanhando o trabalho do conselho gestor, elogiou o plano de manejo:

— O objetivo de uma unidade de conservação é preservar a área verde, a fauna e a flora. Agora, com esse plano, os zoneamentos foram mudados; e as regras, alteradas, tudo para promover mais preservação.

Outro ponto que diz respeito à situação fundiária da região e foi reavivado pelo plano de manejo é o campo de golfe olímpico. Seu terreno, inclusive, deixou de fazer parte do Parque de Marapendi, mas continua na APA de Marapendi. As APAs têm regras menos restritivas que os parques, mas, recentemente, o secretário Rubens Teixeira anunciou ao GLOBO-Barra que vai revisar a licença ambiental do campo de golfe. Segundo ele, quando o empreendimento foi aprovado, havia, dentro da própria pasta, muitas divergências técnicas a respeito de sua legalidade.

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