Padre Júlio chora ao atender morador de rua com hipotermia em SP
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti se emocionou na manhã desta quarta-feira (18) em um abrigo municipal da capital paulista. Isto porque, André Luis, um morador de rua, apresentava sinais de hipotermia.
O atendimento foi feito no Núcleo de Convivência São Martinho, abrigo na Zona Leste da capital conveniado com a Prefeitura de São Paulo e administrado pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto.
No mesmo local, na manhã desta quarta, um outro morador de rua morreu depois de passar a madrugada na rua esperando a abertura do estabelecimento. Isaias de Faria, de 66 anos, chegou passando mal ao núcleo de convivência e morreu após sofrer uma convulsão enquanto aguardava para tomar o café da manhã.
“Cansa de falar, cansa... porque se aqui tá assim, você imagina por aí, por aí tudo como é que tá?”, disse o padre emocionado (veja vídeo acima).
Padre Júlio Lancellotti no no Núcleo de convivência São Martinho, abrigo conveniado com a Prefeitura de São Paulo e administrado pelo Centro Social da Nossa Senhora do Bom Parto. — Foto: Reprodução/TV Globo
Antes de ser levado ao hospital, André Luis disse que sempre morou na rua, onde passou a última madrugada.
“Ele dormiu na rua. Deve ter ingerido álcool, que é o quadro de sempre. Ingere álcool, aquece, o álcool é volátil, metaboliza e começa a congelar. Ele tá com todo quadro de enrijecimento, com todo esse aquecimento vai voltando a pressão, mas é o quadro típico da hipotermia”, comentou.
Padre Júlio Lancellotti ajuda no atendimento de morador em situação de rua nesta quarta (18), no Centro de São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo
Tiago Pereira, amigo de Isaias, que morreu durante a manhã, chorou ao contar o drama de tentar encontrar um abrigo para passar a noite.
"Para conseguir vaga em albergue, precisa ligar no 156 e geralmente a gente não tem telefone. A espera é de 3 horas. Enquanto isso, a gente fica no frio. A rua é difícil", contou Tiago.
O rapaz trabalha com reciclagem e conta que passou a noite ao lado de Isaías de Faria, de 66 anos. Eles tinham apenas duas cobertas e relata que nenhuma equipe da assistência social esteve no local.
"Só ouvimos o vento frio no ouvido", contou Tiago.
O catador de recicláveis Tiago Pereira, que passou a noite na rua junto com Isaias de Faria, de 66 anos, que morreu nesta quarta (18) no Centro de São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo
Solidariedade nos dias frios
Segundo o padre Júlio, o exercício da caridade nunca foi tão importante na cidade de São Paulo neste inverno porque o frio encontrou mais gente em situação vulnerável do que em períodos anteriores já que a crise econômica e a pandemia levaram muitas famílias para as ruas.
O último Censo da população de rua feito pela Prefeitura de São Paulo apontou que a cidade atingiu a marca de quase 32 mil pessoas vivendo nas ruas. Uma população formada por homens, mulheres e crianças, onde não há vagas suficientes nos albergues públicos.
"A gente tem que sair da insensibilidade pro aquecimento da caridade, sair da hostilidade pra hospitalidade. E muitas vezes o poder público fica parado no lugar esperando que as pessoas venham. O movimento tem que ser contrário. A gente tem que ir ao encontro onde eles estão. A verdadeira caridade não é burocrática nem institucional, ela diligente, ela vai ao encontro de quem precisa", afirmou Lancellotti.
O morador de rua Isaias Faria, de 66 anos, que morreu na manhã desta quarta (18) no Centro de São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo
Morte pela manhã
Isaias de Faria morreu após sofrer uma convulsão enquanto aguardava para tomar o café dentro do núcleo de convivência São Martinho.
Ele tinha dormido na rua, próximo ao centro de convivência. O local não abriga a população sem teto, mas oferece diariamente alimentação.
Homem morre na fila para tomar café, dentro de centro de convivência da Prefeitura de SP — Foto: Reprodução/TV Globo
Sensação de -4° e Metrô congelado
Nesta quarta (18), a cidade registrou a madrugada mais fria do ano, com 6,6ºC marcados na estação do Mirante de Santana, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), entre as 6h e as 7h da manhã.
Até então, o dia mais frio do ano havia sido registrado no dia 16 de abril, com os termômetros marcando 13,1ºC.
Com as rajadas de vento, a sensação de frio é ainda maior. Segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), da Prefeitura de São Paulo, a sensação de frio foi negativa em algumas regiões da capital, chegando a ser de - 4º C, por exemplo, na Zona Sul.
O frio intenso afetou até o transporte sobre trilhos. Segundo o Metrô, as baixíssimas temperaturas na região leste afetaram o sistema pneumático de portas e freios de alguns trens da Linha 3-Vermelha, que ficaram retidos no pátio. Por conta disso, a linha opera com velocidade reduzida.
Operação Baixas Temperaturas
Por conta do frio intenso, a Prefeitura de São Paulo elaborou um plano para tentar abrigar quem vive em situação de rua.
Na capital, cerca de 2.000 vagas foram abertas em centros esportivos, albergues e hotéis. Mesmo assim, muita gente segue ao relento já que a conta não fecha: são quase 32 mil pessoas que estão pelas ruas.
A prefeitura também prometeu montar dez tendas, espalhadas em pontos de grande concentração de pessoas em situação de rua, para servir sopa e agasalhos e deixar profissionais da saúde de prontidão.
Abrigo no Metrô
Na terça (17), o governo de São Paulo, o Metrô e a Defesa Civil estadual anunciaram a abertura de um centro de acolhimento provisório para moradores de rua na estação Dom Pedro II, no Centro de São Paulo, nas noites mais frias do ano.
A ação chamada “Noites solidárias” aconteceu pela primeira vez no inverno do ano passado, quando as temperaturas chegaram a 6º C, e, neste ano, terá capacidade de abrigar cerca de 100 pessoas nas dependências da estação, sempre a partir das 19h.
De acordo com o Fundo Social de São Paulo, o abrigo na estação Dom Pedro II, da Linha 2- Vermelha, começou já nesta terça-feira (17) e terá também distribuição de sopa e bebidas quentes aos abrigados, por meio do programa Bom Prato móvel.