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Urbanismo

Plano de Lúcio Costa para a Barra da Tijuca completa 50 anos se equilibrando entre projeto inicial e demandas reais

Mapa da Barra da Tijuca feito por Lucio Costa para o Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá

Com papel branco, lápis de colorir, nanquim e desenhos precisos à mão livre, Lucio Costa, que projetara Brasília, inaugurada nove anos antes, concluía o Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá, publicado no Diário Oficial da Guanabara há exatamente 50 anos, completados neste domingo. Com o decreto 42/1969, a Barra da Tijuca urbana da atualidade começava a ganhar forma, depois que o então governador Negrão de Lima conseguiu vencer a resistência do urbanista de projetar a área para onde o estado cresceria nas próximas décadas.

O Acervo e o GLOBO-Barra iniciam hoje uma série sobre os 50 anos do Plano Lucio Costa, em que procura mostrar a evolução do bairro, que se equilibrou entre o que foi projetado e as necessidades que foram surgindo durante a expansão da cidade para o Oeste. Neste caminho, contou com a ajuda de especialistas, principalmente do arquiteto Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, especialista no tema e reitor da Universidade Veiga de Almeida. Sob sua orientação, quatro alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da instituição produziram perspectivas, como a da imagem abaixo, em que mostram como a Barra seria hoje se o plano inicial tivesse seguido à risca: espaçadas entre si, para preservar o verde, áreas com edifícios e casas reunidos em grandes blocos residenciais dariam a tônica do bairro, que seria cortado por uma série de ruas transversais, encurtando distâncias e aliviando o trânsito. 

Projeção digital da Barra, feita por alunos de Arquitetura e Urbanismo da UVA, demonstrando como ficaria a Barra

MAPA: As vias projetadas pelo Plano Lucio Costa que não saíram do papel

Membro do Grupo de Trabalho da Baixada de Jacarepaguá, Rizza Conde foi uma das arquitetas que trabalharam na equipe de Costa. Designada pela Secretaria de Educação para pensar o planejamento escolar da região, responsável por 10% da extensão do atual município e 20% de sua área urbanizável, ela explica a resistência do professor, como Lucio Costa era chamado pela equipe, em aceitar o trabalho:

As duas primeiras das 80 torres redondas previstas pelo Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá para a Barra

—Ele gostaria de deixar tudo como estava, mas reconhecia que isso não era possível, sabia que a ocupação era inevitável. Então, fez um projeto que tentou preservar ao máximo as características do local preservando aquilo que chamava de natureza agreste da região — explica Rizza, viúva do ex-prefeito Luiz Paulo Conde, cujo escritório conduziu diversos projetos nessa parte da cidade.

O Plano Piloto interpreta a área como centro geográfico do Rio e ponto de integração entre as zonas Sul e Oeste. Após a publicação do decreto, houve um ano de moratória. Neste período, não foi concedida qualquer licença para construção na área, que receberia novas instruções normativas e acabaria dividida em 43 subzonas. Nelas, Costa definiu os parâmetros para ocupação, como finalidade de cada área, tipo de construções e gabarito. No entanto, diferentemente de Brasília, os terrenos eram quase todos de particulares. Por isso, Costa procurou dar ampla autonomia aos arquitetos que no futuro trabalhariam no bairro.

Moradores que queriam separar a Barra do Rio sofreram derrota em plebiscito

Carlos Eduardo Nunes-Ferreira se dedicou aos estudos sobre a Barra da Tijuca no doutorado. Sua tese resultou no livro "Barra da Tijuca: o presente do futuro", publicado em 2014. Nele, o autor especifica as características do projeto e as diferenças conceituais entre Brasília e a Barra da Tijuca, vista por ele como uma espécie de prêmio de consolação para a cidade, que tinha deixado de ser a capital do país.

— Lucio Costa é um expoente do modernismo, previa a centralidade do automóvel como instrumento de libertação, algo que hoje está superado: os carros são os vilões das grandes cidades. Esta visão o fez projetar ruas largas, com várias faixas, como a Avenida das Américas. Ele também buscou preservar a natureza, com parques, distância entre os prédios e baixa ocupação do terreno em áreas edificadas — afirma.

Fotogaleria: a urbanização da Barra da Tijuca e o plebiscito

Centro Metropolitano da Guanabara, um dos pontos previstos no Plano Lucio Costa

O zoneamento de cada área criou divergências entre os proprietários que, frequentemente, não entendiam as restrições impostas: alguns ficavam inconformados com a informação de só poderem construir casas em seus terrenos, enquanto os vizinhos de cerca poderiam erguer pequenos prédios. Para dirimir conflitos e tirar dúvidas, Lucio Costa dava expediente diariamente no escritório do Grupo de Trabalho, um canteiro de obras que ficava na sede da atual Superintendência da Barra da Tijuca.

Urbanista Lucio Costa posa para foto em 1995

Inaugurado em 1979, o Nova Ipanema foi o primeiro grande condomínio instalado no bairro após a implementação do plano. O arquiteto Edmundo Musa, ao lado do irmão Edson, foi um dos responsáveis por este e por outros projetos na região, como o Novo Leblon, e lidou diretamente com Lucio Costa e testemunhou boa parte deste processo.

Carlos Eduardo Nunes-Ferreira e seus alunos de Arquitetura e Urbanismo do campus Barra da UVA

— O professor acreditava que o escritório tinha que estar dentro da área do plano, e não na sede da prefeitura, para poder atender demandas e explicar os conceitos à comunidade. Ele recebia arquitetos, proprietários e bananeiros que produziam na região e iam tirar dúvidas. E, frequentemente, ia aos lugares conferir o que as pessoas iam dizer no escritório. As condições de trabalho eram bem simples naquela época. Ele chegava dirigindo um fusquinha e não tinha telefone, a comunicação era por rádio — lembra Musa.

Plano Lucio Costa previa para a Barra a construção de 80 torres

Hugo Hamman, outro arquiteto que atuou ao lado de Lucio Costa até 1980, quando o Grupo de Trabalho já tinha se transformado na Superintendência de Desenvolvimento da Barra da Tijuca (Sudebar), conheceu bem a personalidade do urbanista e os conceitos que permearam a elaboração do plano piloto da região. Ele explica que as chamadas vias parques, contornando as lagoas, tinham o propósito de oferecer conforto e qualidade de vida aos moradores. E justifica os baixos gabaritos previstos então para a orla: o tamanho permitido para as edificações ia aumentando à medida em que se avançava em direção ao interior do bairro.

— Com 43 subzonas, a Barra não é um bairro, é uma região. As vias parques tornavam a experiência do morador mais agradável. Em vez de voltar para casa pegando uma estrada, ele ia seguindo as lagoas. Os prédios eram mais baixos na praia e iam aumentando por causa da vista. A área foi projetada como um anfiteatro: ele não queria paredões justamente para que todos pudessem ver a praia, de qualquer parte do bairro — lembra o arquiteto.

A realidade se sobrepôs ao plano. Pressões imobiliárias levaram a mudanças no gabarito em alguns pontos da região. A criatividade oferecida aos arquitetos por Lucio Costa foi aproveitada nos primeiros projetos, com plantas ousadas, mas logo a região se tornaria o que a arquitetura chama de cidade genérica, com influências e elementos presentes em diversas partes do mundo.

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