Política

Ministério da Justiça exonera missionário da coordenação de índios isolados da Funai

Pastor Ricardo Lopes Dias deixa o cargo após ter sua nomeação e atuações desastrosas contestadas por entidades indígenas e pelo Ministério Público Federal
Missionário Ricardo Lopes Dias Foto: Mário Vilela/Funai
Missionário Ricardo Lopes Dias Foto: Mário Vilela/Funai

RIO -  Envolto em polêmicas desde o início de sua nomeação para chefiar a coordenação de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai), o missionário Ricardo Lopes Dias foi exonerado do cargo pelo Ministério da Justiça. A decisão foi publicada no Diário Oficial desta sexta-feira. Para o seu lugar, foi nomeado Marcelo Fernando Batista Torres, servidor alocado na Funai do Acre, onde atuava como chefe da Frente de Proteção Etnoambiental Envira.

Nomeado em fevereiro após uma manobra no regimento  interno da Funai para ser o responsável pela proteção  de povos isolados, Dias Lopes continuou ligado a  missões evangelizadoras de indígenas. A Funai sempre afirmou que seu coordenador  havia se desvinculado de projetos missionários há mais  de 10 anos, onde atuou pela Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), mas registros levantados pelo GLOBO e  depoimentos de índios que trabalharam com o pastor  revelaram uma atuação de bastidores do religioso,  com foco na formação de futuros ministros que dariam a  continuidade ao trabalho por ele iniciado.

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Entre as muitas atuações desastrosas e incompatíveis com o cargo que ocupava, Ricardo Lopes Dias foi acusado, recentemente,  de tentar quebrar a quarentena da Covid-19 e indicou missionários para área de índios isolados. O caso foi denunciado pela ex-chefe de proteção no Vale do Javari Idnilda Obando, em ofício enviado ao  Ministério Público Federal (MPF) e à  Diretoria de  Proteção Territorial da Funai, revelado pelo GLOBO .

No documento, a servidora cobrou da diretoria da Funai medidas contra o coordenador a quem chama de "ameaça à  política pública do não contato aos índios isolados" e  o acusa de  "proselitismo religioso junto aos  indígenas recém-contatados".

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Dias é acusado  por lideranças indígenas de omissão  diante da  crise sanitária que ameaça os povos das  aldeias em meio à pandemia de Covid-19 e de não ter tomado nenhuma decisão a respeito das denúncias de invasões de missionários reveladas pelo GLOBO no Vale do  Javari , um dos motivos que levou o Ministério Público  Federal (MPF) a recorrer ao Superior Tribunal de  Justiça (STJ) contra a sua nomeação para o cargo.

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Painéis de um curso de evangelizaçao de indígenas orientado por Ricardo Dias Lopes e Mariana Mayoruna em igreja de São Paulo Foto: Reprodiução
Painéis de um curso de evangelizaçao de indígenas orientado por Ricardo Dias Lopes e Mariana Mayoruna em igreja de São Paulo Foto: Reprodiução

A atuação de Dias Lopes nos bastidores da evangelização  demonstrava flagrante conflito de interesses pelo cargo que ocupava, além de ferir a política de não contato sustentada pela Constituição de 1988.

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Isso porque uma das funções do cargo de coordenador é trabalhar com informações sigilosas como a localização exata de povos isolados e de recente contato e a permissão para ingresso nessas terras indígenas. O setor que estava sob a chefia de Dias Lopes foi até hoje o responsável pela fundamentação técnica que impediu a invasão de missionários nesses territórios afim de não permitir qualquer atividade de proselitismo religioso.

Além disso, o coordenador tem o poder de aprovar estrategicamente as expedições para localização de índios isolados na Amazônia.

O MPF sustenta que a escolha de Dias Lopes pela Funai para o cargo acarretou  em "condutas problemáticas" adotadas pelo coordenador. Os procuradores alegam que Dias Lopes tem profundas ligações “com organização que tem por meta estreitar com os indígenas, preferencialmente os isolados e de recente contato, relações de dependência favoráveis à propagação da fé". Na ação que pedia a revogação de sua nomeação, o MPF vê ainda ameaça de "genocídio e etnocídio" contra povos indígenas isolados, conflito de interesses, incompatibilidade técnica e risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil desde a redemocratização em relação a esses povos.

Atualmente, existem 86 registros da presença de índios isolados no Brasil que carecem de pesquisas para sua confirmação, alguns localizados em regiões com grandes fazendas de poderosos proprietários de terras. A letargia, a omissão ou a decisão errada podem provocar o desaparecimento de grupos de indígenas isolados existentes nessas regiões, como já ocorreu inúmeras vezes na história da Amazônia.

Procurada, a Funai afirma que a mudança no comando da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) "não implica nenhuma alteração na condução das atividades realizadas pela fundação".

A fundação, no entanto, não respondeu aos questionamentos sobre os motivos da exoneração de Dias Lopes, nem como está a situação dos povos isolados em relação à Covid-19.