• Agência O Globo
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As máscaras contra a Covid-19 já não são mais obrigatórias na maioria das cidades, as festas estão a todo vapor, o turismo deslancha e muitos eventos têm acontecido com lotação máxima, mas, no escurinho do cinema, ainda sobram assentos disponíveis. O público, que se acostumou na pandemia a assistir a filmes em serviços de streaming, não retomou o hábito de ver longas-metragens nas telonas.

Cinema (Foto:  Erik Witsoe/Unsplash)

Cinema (Foto: Erik Witsoe/Unsplash)

Largar o conforto do sofá de casa e se deslocar até algum shopping, pagar pelos ingressos e pela pipoca passou a valer a pena só em situações especiais — um entrave à saúde financeira das empresas do setor, que ainda não se recuperaram do baque da pandemia. Para reconquistar o público, redes de cinemas estão adotando estratégias como assinatura mensal e pacotes de tíquetes mais baratos.

De acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o público vem aumentando de 2020 para cá. No entanto, não chega nem perto da frequência do ano imediatamente anterior à crise sanitária.

No primeiro semestre de 2022, 44,8 milhões de ingressos foram vendidos. Em 2019, no mesmo período, o total foi de 88,3 milhões. A renda nominal também está abaixo das expectativas. Este ano, foram arrecadados R$ 873 bilhões, contra R$ 1,44 trilhão no primeiro semestre de 2019.

A rede Cinemark, que representa cerca de 30% do mercado brasileiro de cinemas, com 626 salas espalhadas por 15 estados, lançou em abril o Cinemark Club, um programa de assinatura que oferece descontos, prêmios e ingressos a clientes por meio do pagamento de uma mensalidade. Considerando apenas o valor das entradas, a economia supera 50% em relação ao preço original.

Ao fazer a adesão no valor mensal de R$ 29,90, o consumidor recebe dois ingressos 2D por mês, que podem ser usados em qualquer dia da semana, acumulativos por um período de até três meses; descontos de até 20% em produtos selecionados na bombonière; além de combo de pipoca com refrigerante no mês do aniversário. A mensalidade também rende pontos para os assinantes, que podem trocá-los por produtos.

Perda de 45% do público

A rede Itaú Cinemas, presente em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, conseguiu recuperar apenas 55% do público que teve no primeiro semestre de 2019. Para alavancar as vendas, lançou o vale-cinema, pacote em que o cliente adquire antecipadamente oito ou 16 ingressos, por R$ 15 cada um, válidos por 90 dias na unidade de preferência. Separadamente, o valor empenhado seria capaz de adquirir apenas a metade desses tíquetes.

Iniciativa semelhante foi incorporada pelo Kinoplex, exibidor com 105 anos de história e que possui 271 salas espalhadas em 19 cidades brasileiras. Por meio do Kinopass, passaporte de ingressos exclusivo da rede, cinéfilos podem comprar cinco bilhetes com desconto para qualquer dia e sessão, inclusive para fins de semana e feriados, e ainda ganhar como brinde três meses de assinatura no Amazon Music Unlimited.

O passaporte Classe Econômica Plus, válido para as salas convencionais e Kinoevolution, custa R$ 75, ou seja, cada ingresso sai por R$ 15 — metade do valor usual. Já no passaporte Primeira Classe, que pode ser usado nas salas Platinum, cada ingresso sai por R$ 30, totalizando R$ 150.

A gestora de mídias sociais Camile Paim, de 30 anos, gosta tanto de assistir a filmes na tela grande que assinou os dois pacotes. Dessa forma, consegue ir com o marido a sessões em salas especiais e comuns. Antes da pandemia, frequentar o cinema era o programa certo dos seus fins de semana. Depois de dois anos completamente isolada por pertencer ao grupo de risco para o coronavírus, retomou o hábito, no início de 2022, com três doses da vacina no braço.

"Assinei cinco tipos de streaming diferentes, mas, mesmo assim, senti muita falta de ir ao cinema. Não é a mesma coisa assistir a um filme em casa... O som é diferente, o gosto da pipoca não é igual", comenta Camile. "Além disso, todos os encontros com meu marido, quando começamos a namorar em 2013, foram no cinema. E depois a gente realmente criou o hábito de ir com bastante frequência."

Preço é empecilho

A alta da inflação tem feito muitos brasileiros deixarem o lazer de lado ou escolherem opções mais econômicas de diversão para conseguir ficar em dia com as despesas básicas, como aluguel e alimentação.

Nesse contexto, Roberto Kanter, professor de Marketing dos MBAs da FGV, observa que, ao pagar um serviço de streaming, o consumidor gasta cerca de R$ 50 para ter acesso ilimitado a centenas de filmes e séries. O valor é menor que o necessário para a experiência completa de um casal no cinema, com direito a ingressos e pipoca.

A primeira vez que a ourives Carolina Souza, de 23 anos, voltou ao cinema desde o início da pandemia foi na semana passada. No entanto, devido à comodidade dos streamings e aos preços dos ingressos, diz não saber quando irá a outra sessão.

"Eu não tinha vindo antes porque achava caro. Para mim, ir ao cinema é raro pelo preço", afirmou, na saída de um complexo de salas na Tijuca, Zona Norte do Rio.

Para Kanter, os cinemas terão de ficar mais versáteis, passando a combinar, por exemplo, estruturas para exibição de filmes e apresentação de peças de teatro.

"Hoje, tem um ou outro filme que atrai um grande número de pessoas. A verdade é que você só se predispõe a ir ao cinema se tiver algo que, do ponto de vista cinematográfico, a experiência valha a pena", opina. "Mas essa dependência de ter muitos sucessos infelizmente está fadada ao fracasso. Não acredito que os cinemas vão acabar, mas acho que será necessária uma mudança de conceito, para que a gestão passe a se guiar pela demanda."

Da telona para a telinha

Se, antes da pandemia, um filme demorava cerca de três meses para ser disponibilizado na televisão, hoje em dia a janela é muito menor: demora em torno de 45 dias para que uma produção possa ser assistida em serviços de streaming. Ainda há um modelo híbrido, estreado pela Disney, no qual, enquanto o filme é lançado nos cinemas, passa a ser oferecido na plataforma por um valor adicional, para que o público possa assistir em casa.

Apesar disso, Juliana Capelini, diretora executiva da Conspiração Filmes, acredita que o cinema tem uma importância diferente do streaming e que, portanto, não há concorrência entre eles:

"Alguns filmes são importantes de acontecer nas telonas. É um entretenimento diferente do que temos em casa, e o público não é o mesmo. Por outro lado, há filmes que poderiam ir diretamente para uma plataforma de streaming, pois não atingiriam público no cinema. São formas diferentes de distribuir e de pensar, são mais possibilidades. É uma revolução no mercado do audiovisual como um todo."

Teresa Penna, diretora do Globoplay e de Produtos Digitais Audiovisuais da Globo, também avalia que cinema e streaming se complementam, contribuindo para a formação de um público cada vez maior para a produção audiovisual como um todo. "Uma experiência recente que comprova isso é o filme 'Medida Provisória', que teve quase meio milhão de espectadores nas salas de cinema. Lançado três meses depois no Globoplay, foi líder na categoria", analisa Teresa. "Além disso, um estudo da PwC apontou para uma recuperação completa de público nas salas de cinema em 2024, ultrapassando inclusive o nível pré-pandêmico, de 2019, um dos melhores da história."

Simone Oliveira, head da Globo Filmes, diz que, embora o fechamento de cinemas e o adiamento de filmagens tenham sido bastante desafiadores para o setor, a exibição nas grandes telas acrescenta valor simbólico e econômico às produções, gerando mais visibilidade para o longa-metragem e melhorando a performance do filme nas demais plataformas de distribuição.

"Desde a sua criação, o cinema já passou por outras pandemias como a da gripe espanhola, por guerras, pelo surgimento da TV, do VHS, do DVD. A cada desafio, se especula que o cinema perderá sua relevância. Mas não é o que acontece. O cinema continua forte", defende Simone. "Só no cinema se tem a chance de estar imerso em um mundo de fantasia, de rir e chorar junto, sem as distrações de quando assistimos a filmes em casa."