Epstein-Barr: o que é o vírus da 'doença do beijo' e sua relação com esclerose

Anitta foi diagnosticada com o vírus causador da mononucleose infecciosa. Estudos recentes apontam que o EBV tem papel fundamental no desenvolvimento da esclerose múltipla, embora nem todas as pessoas infectadas desenvolvam a doença

Por Jaquelini Cornachioni — Da Redação


Anitta revela diagnóstico de Epstein-Barr: entenda o vírus e sua gravidade — Foto: Reprodução / Instagram

Anitta revelou recentemente que foi diagnósticada com o vírus Epstein-Barr (EBV), causador da mononucleose infecciosa, também conhecida como doença do beijo. A cantora contou com a ajuda da amiga Ludmila Dayer para identificar os sintomas e buscar atendimento especializado. Isso porque Ludmila já contraiu o vírus e identificou os sinais.

Anitta descobriu o EBV em fase inicial. “Não cheguei ao estágio que a Ludmila chegou. Ela foi uma bênção na minha vida”, disse a cantora durante a exibição do documentário Eu. Ludmila, por sua vez, foi diagnosticada há alguns meses com esclerose múltipla - doença neurológica, crônica e autoimune, na qual as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares.

Mas, afinal, do que se trata o Epstein-Barr e qual sua relação com a esclerose?

Ludmila Dayer e Anitta na estreia do longa 'Eu' — Foto: Reprodução / Instagram

O que é o EBV?

O vírus Epstein-Barr pertence ao grupo dos herpesvírus humanos, considerado um dos mais comuns, presente em todo o mundo. De acordo com a médica Karen Mirna Loro Morejón, diretora da Sociedade Paulista de Infectologia, ele afeta principalmente jovens.

“Esse vírus é prioritariamente transmitido pela saliva, através do beijo ou do contato com objetos contaminados, como talheres, escovas de dente, copos, etc. Por esse motivo, ficou conhecido como a doença do beijo. Isso afeta principalmente os adolescentes, que têm mais contato com saliva em determinada fase da vida. Inclusive, a maioria dos adultos podem já ter tido contato com o vírus”, explica Karen.

O Epstein-Barr é o responsável por causar a mononucleose infecciosa, doença extremamente comum que, segundo o Ministério da Saúde, afeta especialmente pessoas entre 15 e 25 anos. Estima-se que de 90% a 95% dos adultos já tenham sido infectados pelo chamado herpesvírus humano 4.

Na maioria dos casos, o paciente não apresenta sintomas ou os mesmos podem ser confundidos com outros problemas respiratórios. Por esse motivo, a única forma de diagnóstico é através de um exame de sangue específico.

“O Epstein-Barr, quando apresenta sintomas de dor de garganta, pode ser confundido com quadros bacterianos. Isso acontece com uma frequência que não é desprezível. Essa lesão gerada nas amigdalas, com secreção esbranquiçada, acaba sendo tratada como outras doenças respiratórias”, explica a médica. Outros sintomas são fadiga, tosse, perda de apetite e irritações na pele.

Mesmo sendo uma doença autolimitada e de baixa gravidade, é preciso atenção com a sua evolução. “A forma mais agravada da doença pode ter relação com a imunidade e a virulência da cepa, mas isso não é uma certeza. Em jovens saudáveis, a doença costuma ser leve. Alguns pacientes apresentam comprometimento hepático durante a infecção, já em outros ocorre o aumento do baço, chamado de esplenomegalia. É preciso ter bastante cuidado, em especial na fase aguda”, diz a médica.

Rosana Richtmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, explica que, nos casos em que o paciente possui uma inflamação séria na garanta, a internação pode ser necessária. “Na hora que a pessoa abre a boca, é possível ver uma placa bem grande, que é confundida com pus. E, na realidade, isso é típico da mononucleose. Raramente preciso internar um paciente, mas acontece quando ele está com um inchaço no pescoço tão grande que não consegue nem beber água ou se alimentar. Nesses casos, é necessário hidratar esse paciente de forma intravenosa. Mas normalmente conseguimos fazer o tratamento em casa, sem necessidade de hospitalização”.

O Epstein-Barr não é um vírus que pode ser eliminado do organismo. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), passada a infecção, o vírus se torna inativo no corpo do paciente.

Segundo Rosana, assim como a Herpes, ele é ativado em momentos em que o paciente está mais fragilizado. “Esse vírus é oportunista e pode pegar uma pessoa que está em uma fase complicada do ponto de vista de resposta imune, seja por estresse, alta demanda de trabalho, ou porque não dorme direito. Quanto mais vulnerável, mais em atividade”.

Epstein-Barr e Esclerose Múltipla

A relação entre o vírus e a esclerose múltipla ainda não é clara. A evidência mais forte até o momento é um estudo realizado pela Universidade Harvard e publicado em janeiro no periódico Science, que envolveu dados de 10 milhões de militares americanos coletados ao longo de 20 anos. A pesquisa revelou que o vírus atuaria como um gatilho em pessoas geneticamente suscetíveis à doença. Ou seja, o EBV tem um papel fundamental no desenvolvimento da esclerose múltipla, embora nem todas as pessoas infectadas desenvolvam a doença.

"Este é um grande passo que sugere que a maioria dos casos de esclerose múltipla pode ser prevenida com a interrupção da infecção pelo EBV e que pode levar à descoberta de uma cura para a esclerose múltipla", disse à BBC o pesquisador italiano Alberto Ascherio, professor de epidemiologia e nutrição de Harvard e principal autor da pesquisa, na ocasião da publicação do estudo.

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“Existem vários estudos que tentam relacionar esse vírus como gatilho para desenvolver doenças autoimunes. E isso vai desde diabetes juvenil tipo 1, lúpus, esclerose múltipla, linfomas. Algumas doenças estão sendo estudadas para tentar ver essa relação, mas é raro. O mais comum desse vírus é causar uma doença benigna e que, às vezes, o paciente nem sabe que teve. É importante falarmos sobre isso, de qualquer forma, porque é um vírus menos conhecido”, explica a infectologista Rosana Richtmann.

Esclerose múltipla é uma doença autoimune e crônica, em que o sistema imunológico agride a bainha de mielina que recobre os neurônios, comprometendo a função do sistema nervoso, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem).

“Os nossos neurônios, são revestidos por uma ‘capa’, que chamamos de bainha de mielina, que ajudam na transmissão da informação de um neurônio para o outro. Na esclerose múltipla, ocorre um ataque autoimune do corpo a essa bainha, danificando-a, promovendo uma falha nessa comunicação neuronal e levando aos sinais e sintomas clínicos e às alterações que podemos ver nos exames de imagem”, explica a neurologista Natasha Consul.

"O que sabemos hoje é que há uma junção de diversos fatores que podem predispor ao quadro, como infecções virais (por exemplo, Epstein-Barr), baixa exposição ao sol e níveis de vitamina D baixos, tabagismo, obesidade, exposição a solventes e fatores genéticos.”

A investigação da relação entre o Epstein-Barr e a esclerose é estudada há anos por especialistas, mas ainda não há uma confirmação exata.

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Tratamento e recuperação

A maior parte dos pacientes se cura em algumas semanas, mas a recuperação é diferente para cada pessoa. “Não existe um tratamento específico ou algum antiviral. Por isso, nós tratamos conforme os sintomas surgem. Usamos anti-inflamatórios, analgesia, repouso, hidratação, até passar o ciclo da doença, que podem durar semanas”, explica Rosana Richtmann.

“Crianças costumam responder mais rápido, e o adulto demora um pouco mais. Eu sempre peço para não fazer atividade física nas próximas três ou quatro semanas, principalmente se existe o aumento do baço, que causa dores abdominais. Isso evita até mesmo a possibilidade de cirurgias de emergência”, completa.

Segundo o Ministério da Saúde, apenas uma pequena parcela dos pacientes leva meses para recuperar seus níveis de energia anteriores.

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