Maioria de Estados e prefeituras cortou gasto com Educação em 2020

Redução real é de 6,3% nos municípios e de 9,3% nos Estados

Por Marta Watanabe e Hugo Passarelli — De São Paulo


Sete em cada dez municípios brasileiros reduziram os gastos com educação em 2020. Dados de 3.408 cidades - o país tem 5.570 - mostram que os gastos totais com educação, incluindo custeio, pessoal e investimentos, somaram no ano passado R$ 127,1 bilhões, 1,9% a menos em termos nominais que as despesas de 2019 no mesmo grupo de municípios. A qued real foi de 6,3%.

Com gastos totais em educação de R$ 113,2 bilhões em 2020, o agregado dos 26 Estados e o Distrito Federal também reduziu em 5% nominais - 9,3% reais - as despesas na área. A queda nos governos estaduais também não foi exceção. O recuo aconteceu em 20 deles.

Em geral os Estados cuidam mais do ensino médio, enquanto as prefeituras se concentram no infantil e fundamental. A queda do valor aplicado se deve à pandemia, que praticamente eliminou aulas presenciais em 2020 e cortou gastos com manutenção, segurança, água e luz e contratos emergenciais de professores.

Para especialistas, a redução generalizada da despesa total com educação ainda indica que a implementação do ensino remoto e a reforma de escolas para evitar contato social ficaram em ritmo aquém do desejado. A preocupação é que a situação se prolongue em 2021 e as perdas de aprendizagem se tornem mais difíceis de reverter.

“A maior parte das escolas não foi preparada e isso dialoga com relatos de secretários municipais de Educação. Em meio ao suposto debate sobre a volta das aulas presenciais, a maior parte das cidades não fez nada”, diz João Marcelo Borges, pesquisador do centro de desenvolvimento da gestão pública e políticas educacionais da Fundação Getulio Vargas.

Para ele, a queda indica dois entraves. “Não houve aumento de gastos para ofertar educação remota abrangente a todos e parece não ter havido esforço efetivo para preparar o retorno das escolas, em parte porque não havia intenção de voltar.”

Os Valor levantou os gastos com educação nos relatórios fiscais entregues à Secretaria do Tesouro Nacional. Consideraram-se as despesas executadas de Estado e prefeituras que informaram o gasto com educação em 2019 e 2020. O levantamento mostra que Estados e municípios priorizaram gastos na saúde. Nos total dos 26 Estados e Distrito Federal a alta de despesa total na saúde foi de 16% e nos 3.408 municípios, de 18%.

O cenário ganha incerteza, prossegue Borges, à medida que fica claro que a pandemia não sairá de cena tão cedo. “Vale lembrar que, até hoje, nenhuma das vacinas está aprovada para menores de 16 anos, o que é quase todo o público das escolas.”

Gilberto Perre, secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), lembra que levantamentos parciais ao longo de 2020 já apontavam queda nos gastos com educação. Documento divulgado pela FNP mostrou que no primeiro semestre os municípios gastaram 3,8% reais a menos ante igual período de 2019.

A pandemia, diz Perre, trouxe situação excepcional e despesas deixaram de ser realizadas na educação, principalmente no custeio. Ele exemplifica com gastos de manutenção das escolas, segurança, combustível e energia.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta outro levantamento. Com base no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) e em pesquisas com prefeituras, estima que a fatia de municípios que não cumpriram o gasto mínimo com educação subiu de 1,1% em 2019 para 30% em 2020. A Constituição estabelece que Estados e municípios destinem à educação ao menos 25% da receita com arrecadação própria e transferências constitucionais.

Eduardo Stranz, consultor da CNM, diz que em 2020, com a demora na definição do socorro da União, o aumento dos gastos com saúde e a repercussão do isolamento social sobre as receitas dos primeiros meses da pandemia, os prefeitos - em último ano de mandato, suspenderem os contratos emergenciais de professores, reduzindo gastos na educação, em que as despesas de pessoal são as mais relevantes.

Com isso, parte das prefeituras não cumpriu o piso constitucional. A CNM, diz, debate no Congresso solução para que os relatórios fiscais de 2020 dos municípios sejam aprovados nos tribunais de contas.

A expectativa, diz ele, é que o que deixou de ser gasto em educação em 2020 seja executado neste ano. Mas o cenário de 2021 será difícil, reconhece. Com a segunda onda da covid-19, os gastos com saúde continuam pressionando. Ao mesmo tempo ainda não estão definidos recursos extras da União.

Na educação, a maior parte do país se prepara para a volta das aulas presenciais ou adota sistema híbrido. A evolução da segunda onda e recentes medidas restringindo a circulação de pessoas em vias públicas, porém, gera incerteza.

Há também resistências para a retomada, como a coordenada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A entidade tem divulgado boletins com número de contaminações por covid-19 de professores, alunos e familiares, situação que classifica como “quadro grave”.

Um caminhão de som da Apeoesp tem circulado por São Paulo e informa que a categoria se encontra em estado de greve contra a volta às aulas presenciais.

O secretário-adjunto de Educação de Mogi das Cruzes, Caio Callegari, diz ter notado que a maior parte dos municípios adotou cautela. “O ano passado foi de muita incerteza sobre a arrecadação, então todos os municípios contingenciaram gastos e muitos liberaram recursos só nos últimos meses de 2020.”

Segundo Callegari, a nova gestão identificou que, nas creches conveniadas (parceria com o setor o privado) de Mogi das Cruzes, os valores repassados foram 10% a menos do que a previsão orçamentária para 2020. Também caiu o dinheiro enviado diretamente às escolas para benfeitorias dentro do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF). No lugar de quatro parcelas anuais, só uma foi liberada.

A cidade ainda enfrenta carência de professores neste início do ano. Ao longo da pandemia, muitos pediram afastamento por problemas de saúde, o que exigiu a realização de processo de seleção simplificada. Sem as reformas necessárias e com falta de pessoal, ainda não há data certa para o retorno.

Para Josué Modesto, secretário de Educação de Sergipe, a queda de arrecadação explica em boa parte a execução menor do orçamento com educação. Além disso, ele cita as regras dos repasses emergenciais da União em 2020 aos entes. “Como não havia vinculação de gasto no socorro, a redução de gasto com educação estava contratada”, diz ele.

Mais recente Próxima Problemas de saúde mental devem marcar o pós-covid

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!