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Colunistas

Israel vai às urnas

Permanência de Netanyahu esconde fissuras na sociedade

Por Daniel Douek

Para um observador distante, os 12 anos ininterruptos de Benjamin Netanyahu no cargo de primeiro-ministro de Israel poderiam sugerir um amplo consenso na sociedade israelense. O país é, afinal, uma democracia, com eleições regulares e livres, e é pelas urnas que o premiê tem sido constantemente reconduzido ao posto.

Nada mais distante do que se passa nas ruas. Na noite do último sábado, mais de 20 mil israelenses saíram para manifestar-se contra o atual chefe de governo, perto de sua residência oficial, em Jerusalém. Foi a trigésima nona semana consecutiva de protestos e uma tentativa de demonstrar força às vésperas das eleições.

Hoje, terça-feira, acontece o quarto pleito legislativo em menos de dois anos. E novamente seu partido, o Likud (União), segue liderando com folga as pesquisas de intenção de voto. Apesar disso, projeções indicam que, como das últimas vezes, conseguirá apenas cerca de metade das 61 cadeiras necessárias para formar governo. Trata-se de um indicativo de que o eleitorado fiel a Netanyahu é da ordem de 25%. Os 75% restantes encontram-se pulverizados em uma série de outros partidos.

Não são números muito diferentes daqueles que o brasileiro está acostumado a ouvir para indicar o tamanho do grupo que segue firme no apoio ao presidente da República. Mas analistas têm mostrado que, assim como aqui, a fragmentação da oposição impede a transformação política por lá também.

Nestas eleições, o racha tem alcançado legendas de todo o espectro ideológico. A esquerda tradicional dividiu-se: Avodá (Trabalhista) e Meretz (Vigor) separaram-se, e esta última corre o risco de não receber votos suficientes para ingressar no Parlamento. A centro-esquerda dividiu-se: Yesh Atid (Há Futuro) e Kahol Lavan (Azul e Branco), que, juntas, tornaram-se a principal força de oposição, romperam depois que Benny Gantz, líder do Kahol Lavan, concordou em formar governo com Netanyahu, contrariando promessas de campanha. A centro-direita dividiu-se: Gideon Sa’ar, ex-parlamentar do Likud, fundou sua própria legenda, a Nova Esperança, após tentativa fracassada de derrotar Netanyahu internamente, apresentando-se como alternativa direitista ao premiê. E mesmo as quatro legendas árabes, que desde 2015 concorrem juntas e assim transformaram-se na terceira maior força no Parlamento, romperam — Hadash, Balad e Ta'al concorrerão separados da Lista Árabe Unida.

Ao contrário de outros momentos da história israelense, nos quais um determinado tema ganhava destaque e polarizava a sociedade, organizando os parlamentares em grandes blocos mais ou menos estáveis, hoje há vários concorrendo com quase igual peso: esquerda versus direita, secularismo versus religiosidade, sionismo versus antissionismo, pró-Netanyahu versus anti-Netanyahu. O sistema multipartidário acaba acolhendo inúmeras possibilidades de combinação ideológica, tornando difícil, por outro lado, a formação de coalizões duradouras.

Hoje, fala-se, por exemplo, na possibilidade de partidos de direita, mas anti-Netanyahu, juntarem-se ao bloco da esquerda apenas para substituir o primeiro-ministro. Ou de um partido islamista antissionista apoiar a manutenção de Netanyahu no cargo em troca de recursos para cidades de maioria árabe.

Mas para conhecer o próximo primeiro-ministro israelense, mais importante do que o número de votos, importa saber se alguma bandeira será capaz de unir a maioria dos parlamentares e quanto tempo durará essa união.

A despeito da fragilidade desses arranjos, que pode levar a novas eleições em breve, olhar para Israel pode oferecer uma chave de interpretação para algo que se passa em muitos países, inclusive no Brasil: minorias políticas têm sido capazes de alcançar o poder e ali permanecer menos por sua capacidade de mobilizar cidadãos em torno de um punhado de ideais e mais pela incapacidade de aglutinação de seus adversários. Há tempo para que a lição seja aprendida.

*Cientista social, mestre em Letras pelo programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP e diretor do Instituto Brasil-Israel

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