• Fernando Barbosa
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agricultura_trigo (Foto: Thinkstock)

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Diante de preços mais remuneradores para a produção de trigo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou uma produção 32,5% maior na safra 2020/2021, chegando a 6,83 milhões de toneladas contra 5,15 milhões de toneladas no ciclo anterior.

Apesar disso, analistas alertam que a redução da produção na Argentina, o risco de quebra de safra no Brasil em decorrência de problemas climáticos nos últimos meses e o dólar elevado podem trazer consequências ao setor.

"Não houve alterações significativas desde o encerramento do último levantamento (em setembro) e temos cerca de 35% do cereal já colhido. Esse aumento de oferta no mercado interno deve manter as cotações sob controle. O foco agora é o acompanhamento da safra de trigo para avaliar a formação de preços nesses próximos meses", afirmou o diretor-presidente da Conab, Guilherme Bastos Filho, em entrevista na quinta-feira (9/10).

No entanto, no primeiro levantamento da nova safra de grãos, a estatal pontuou que o mercado doméstico estava atento às condições climáticas em setembro, com a possibilidade de perdas de produtividade e redução da produção devido à ocorrência de chuvas fortes e geadas no final de agosto.

"Diante desse cenário, a cotação no Paraná apresentou valorização de 8%, sendo a média mensal do trigo pão cotada a R$ 63,58 a saca de 60 quilos. Já no Rio Grande do Sul, a média mensal foi de R$ 58,55 a saca de 60 quilos, e valorização de 2,68%", disse a Conab.

Segundo Jonathan Pinheiro, analista da consultoria Safras & Mercados, os números da estatal consideram uma perspectiva positiva. "As condições eram bastante favoráveis, principalmente no início da safra no Paraná. Porém, houve uma piora significativa no clima, que prejudicou bastante as lavouras, ainda mais no Rio Grande do Sul, e parte do oeste do Paraná", afirma.

Com isso, a consultoria revisou a estimativa de produção de 6,63 milhões de toneladas para 6,31 milhões. Por conta do clima, o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura do Paraná espera uma redução de 9% em relação à previsão inicial para o período. O Estado é responsável por 48% do cereal colhido no país.

“A estimativa inicial para o Paraná era de 3,66 milhões toneladas, porém, as adversidades climáticas, como a seca e a geada no final de agosto, reduziram a previsão para 3,32 milhões toneladas”, afirmou o boletim do Deral na última semana. Ainda assim, a produção paranaense deve ser 55% superior à de 2019, que teve 2,14 milhões de toneladas.

No Rio Grande do Sul, as geadas deixaram as lavouras desuniformes, segundo a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. O Estado responde por 40% do trigo brasileiro. 

“Há diferentes estádios de formação de espigas na mesma planta. Na fronteira oeste, a colheita tende a ser intensificada; os prejuízos estão estimados em até 40% na produtividade. A qualidade das primeiras lavouras colhidas é muito baixa, com PH ao redor de 72”, afirmou a secretaria em boletim divulgado na quinta-feira (8/10).

Impacto na Argentina

Para Carlos Cogo, diretor da Consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, as cotações do trigo também são sustentadas pelas intempéries na Argentina. “A redução da safra argentina, a quebra esperada no Rio Grande do Sul, o grande volume de vendas antecipadas desta safra e a alta do dólar estão mantendo os preços sustentados em plena colheita”, disse.

No país vizinho, a expectativa é de produção de 17,5 milhões de toneladas em 2020/2021, ante as 18,8 milhões de toneladas produzidas em 2019/2020. Além da maior diversificação nas vendas do cereal produzido no país, principal fornecedor de matéria-prima para o Brasil, o clima tem impactado negativamente as lavouras argentinas.

Em relatório no início desta semana, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires informou que 47,5% da área semeada com trigo reflete “uma condição de cultivo entre regular e ruim”. "Em relação à condição hídrica, 47,9% apresentam uma condição entre regular e seca, sendo o norte agrícola a área mais afetada pelo estresse hídrico", informou o boletim.


Segundo indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, o preço pago pelos moinhos junto aos produtores pela tonelada do trigo pão saltou de R$ 909,98 em janeiro para R$ 1.158 em setembro, acréscimo de 27,3%. Em dólar, no entanto, houve queda nos preços, de US$ 218,98 para US$ 214,59 pela tonelada.

“O dólar continua representativamente elevado, e, como país importador, ficamos um pouco refém do câmbio nesse sentido. Os custos mais altos para a compra do trigo no mercado externo também favorecem essa alta dos preços no mercado doméstico”, avalia Jonathan Pinheiro.

Mesmo com a entrada do trigo argentino no mercado, em dezembro, o analista da Safras & Mercado acredita que a desvalorização do real pode continuar sustentando as cotações. “Outra preocupação é que, caso as estimativas de safra na Argentina continuem recuando, o governo possa limitar as exportações, e isso abre espaço para elevações de preços”, frisa.

Apesar da expectativa de acréscimo na produção de 1,68 milhão de toneladas brasileira projetada pela Conab, os moinhos deverão importar pelo menos cerca de 5,66 milhões de toneladas para atender o consumo doméstico, estimado em 12,4 milhões de toneladas.