As declarações do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, na semana passada, de que a autoridade pretendia retomar as discussões sobre alguns pontos do projeto de lei 4.401/21, conhecido como marco das criptomoedas, esbarrava no status que o projeto se encontra: o de ser votado em plenário da Câmara dos Deputados, já com o parecer final do relator, o deputado Expedito Netto (PSD-RO).
Até então, advogados especializados no tema apontavam que a possibilidade de interferência do BC no processo era muito limitada. No entanto, a não reeleição do relator para a Câmara pode abrir uma nova janela de discussões.
“O cenário da eleição trouxe diversas incertezas e, diante do novo quadro, nenhum destino da votação pode ser descartado”, afirma Felipe Duarte, sócio do Abrão Camargo Advogados. “Pode haver intensa pressão para intensificação do espaço de colaboração da CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e do Banco Central e alguns deputados até mesmo defendem a reconstrução integral do marco regulatório”, pontua.
No início de setembro, o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, disse que a autarquia pretende dar a sua contribuição para aperfeiçoar o projeto de lei que prevê a regulamentação da criptoeconomia no país. “Estamos trabalhando sim com uma regulação não invasiva e de braços dados com o Banco Central”, declarou. “Daremos uma contribuição para os projetos de lei que surgirem, esse inclusive que já está bem próximo de uma definição.”
A CVM prepara um parecer sobre os criptoativos que deve ser divulgado nas próximas semanas.
Por outro lado, para Duarte, também não pode ser descartada a possibilidade de aceleração da votação final por iniciativa do relator não reeleito, “algo que não parece interessar ao Banco Central por conta de anseios não atendidos a partir da última alteração da proposta”. “O importante é que se estabeleça um cenário de segurança e transparência”, destaca.
"O relator tem um papel importante no andamento do PL, uma vez que atua como uma espécie de patrocinador da causa, promovendo a discussão entre seus pares e mobilizando os demais em prol do projeto em questão”, ressalta Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, advogado especialista em blockchain, sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados.
“Caso exista acordo entre os deputados, existe, ainda, a possibilidade de o PL 4401 entrar no esforço concentrado que deve ter até o final do ano, aproveitando o atual relator e sendo votado ainda este ano”, pontua Borges. “Contudo, caso isso não ocorra, o fato do atual relator não ter sido reeleito não deve impedir a tramitação do PL, na medida em que a casa poderá nomear outro relator.”
Já para Murillo Allevato, sócio da área tributária do Bichara Advogados, o fato de o relator Expedito Netto não ter sido reeleito “muda pouca coisa”. “Há chances de o PL 4401 ser aprovado até o final do ano, visto que a tramitação está bem avançada”, afirma e, mesmo se isso não ocorrer, “todos os atos praticados até o momento permanecem válidos”. Ou seja, o projeto pronto para votação será remetido para o Presidente da Câmara, a quem caberá redistribuí-lo a um novo relator. “Não ocorre o arquivamento nem reinício do processo”, observa.
O parecer final de Expedito Netto sobre o PL 4401 foi enviado para votação excluindo dois pontos polêmicos que tinham sido aprovados pelo Senado: a exigência de CNPJ para todas as exchanges que operam no Brasil, inclusive as estrangeiras, e a segregação de ativos da empresa e do investidor.
Em suas declarações recentes, Campos Neto destacou a importância da separação dos ativos de clientes dos das exchanges, como ocorre com as corretoras tradicionais. "Tem um projeto [de lei 4401/21], mas que não tinha segregação de contas, a gente achou que precisava incluir. É um período meio complexo agora para fazer muitas mudanças em projetos porque estamos muito perto das eleições, mas a gente vai voltar nisso", disse Campos, no evento “DrumWave Day”, em São Paulo.
Ainda que o PL 4401 seja incluído em um esforço concentrado de votações na Câmara, antes do final desta legislatura, ainda é possível que o texto seja alterado por meio de destaques quando da discussão no plenário da Câmara”, aponta Thiago Barbosa Wanderley, mestre em direito tributário e sócio da área tributária do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados. “Sendo assim, ainda poderemos presenciar um retorno da menção à segregação patrimonial, que havia sido prevista pelo Senado mas foi suprimida no texto que será submetido a votação na Câmara.”
Wanderley afirma que o texto final do PL ainda pode sofrer alterações antes da aprovação, durante os debates em plenário. “Caso a alteração seja substancial, aí será necessário voltar para votação no Senado. Mas, pode ser que, tecnicamente, se for inserida só uma referência, o texto aprovado siga direto para sanção”, explica.