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Política STF

Lei da Ficha Limpa: entenda os argumentos contrários e favoráveis à decisão de Nunes Marques

Ministro do STF suprimiu trecho que contava período de inelegibilidade somente após cumprimento da pena. Decisão tornou aplicação da lei mais branda
O ministro do STF Kassio Nunes Marques em sua solenidade de posse Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
O ministro do STF Kassio Nunes Marques em sua solenidade de posse Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques que alterou a contagem do prazo de inelegibilidade na Lei da Ficha Limpa gerou reações contrárias e favoráveis no meio jurídico. O trecho da lei alterado por Nunes Marques, atendendo a uma ação ingressada pelo PDT no Supremo, dizia que estavam inelegíveis os indivíduos "que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena".

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Na ação, o PDT alegou que a lei não previa, em seu texto original, a chamada "detração da inelegibilidade", isto é, que o tempo transcorrido entre a condenação e o término dos recursos - o chamado trânsito em julgado - fosse considerado no período de oito anos em que o indivíduo fica inelegível. O ministro Nunes Marques aceitou o pedido e suprimiu o trecho "após o cumprimento da pena", sob o argumento de que o prazo de oito anos deve correr após a condenação, e não depois que a pena tiver sido cumprida. Na prática, isso signifca que a aplicação da lei fica mais branda, com menores períodos totais de inelegibilidade.

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Leia abaixo pontos de vista contrário e favorável à decisão:

'Decisão não poderia ser monocrática'

Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e promotor do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), Rodrigo López Zilio avalia que a decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, de suprimir trecho da Lei da Ficha Limpa sobre prazo de inelegibilidade, “viola a segurança jurídica”.

Por que o senhor considera a decisão equivocada?

A decisão jamais poderia ter sido monocrática, já que o STF debateu isto de forma colegiada em 2012 . Mas a minha principal crítica, sem entrar no mérito, é o momento desta decisão. Ela viola o princípio da anualidade eleitoral, de que mudanças na lei só podem entrar em vigor no ano seguinte à eleição atual. Com isto, viola também a segurança jurídica, ao dizer que será aplicada para processos de registro de candidatura que ainda não foram apreciados no TSE, admitindo dois regimes jurídicos diferentes numa mesma eleição.

Qual é a força legal de uma alteração desse tipo feita de forma monocrática?

Não respeitar a colegialidade me parece um problema, mas o TSE já teve várias decisões de que fatos supervenientes só podem afetar a situação de candidatos até a data da diplomação, que foi 18 de dezembro, um dia antes da decisão do ministro. Entendo que a mudança não poderá ser aplicada retroativamente.

A decisão expôs problemas na forma como a Lei da Ficha Limpa foi validada em 2012?

Embora diga que a lei não prevê “detração”, isto é, o desconto do tempo de inelegibilidade entre a condenação e o trânsito em julgado, a decisão do ministro tampouco deixa isto claro, já que só suprime o trecho que fala do cumprimento da pena. Não considero que a lei cometa exagero ao limitar o direito à elegibilidade quando há condenações judiciais colegiadas, até porque oferece mecanismos de compensação, como a própria abertura de que o candidato seja beneficiado por fatos supervenientes depois da eleição, respeitando o prazo da diplomação.

'Diminui dano causado pela Lei da Ficha Limpa'

Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Catarina e autor de “O controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa: direitos políticos e inelegibilidades”, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira  elogiou a decisão do ministro Nunes Marques de vetar a contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade só após o cumprimento da pena, e criticou o texto original da Lei da Ficha Limpa.

Por que o senhor considera a decisão acertada?

Ela diminui muito o dano e a tragédia causados pela Lei da Ficha Limpa na condenação criminal. Dizer que a inelegibilidade será contada só ao fim da pena dá um caráter variável à sanção: quanto mais alguém recorre, e quanto mais tempo dura o processo, maior será o período inelegível ao final. No Estado de Direito, as penas devem ser certas, previsíveis, e a ampla defesa não pode se chocar com outros direitos do indivíduo.

Como o senhor avalia o fato de a decisão ser monocrática?

Isso, de fato, é um problema estrutural do STF. Um juiz muito voluntarioso acaba decidindo sem ouvir seus pares, quando deveria funcionar como Corte constitucional, espelhando posicionamentos. Ocorre que a Lei da Ficha Limpa tem que ser analisada à luz do Estado de Direito, e não sob o clamor popular de combate à corrupção. O STF não quis enfrentar a opinião pública em 2012, como não quer agora.

O fato de o mesmo tema ter sido debatido há oito anos não deveria encerrar a questão?

A lei foi pouco debatida, porque vendeu-se a falsa ideia de que resolveria a corrupção nacional . Houve inflexões para permitir a aplicação em situações pretéritas. A lei tem contribuído para fustigar adversários na Justiça e impedir as pessoas de escolherem seus candidatos. Nas democracias ocidentais, as situações de inelegibilidade são raríssimas.