Cedae usa provadores para controlar qualidade da água tratada no Rio

Equipe de sommeliers da Cedae não pode usar perfumes ou tomar café para não comprometer testes de pureza

Por Flavio Trindade — Rio de Janeiro


Tecnicos Michelle Brum, Thelma Rafaela Torres, Ana Paula Oliveira, Alan Kardec da Silva e Alexandre Pereira da Silva com o coordenador Robson Campos Léo Martins

Por exigência da função específica que hoje exerce na Cedae, o técnico de laboratório Alexandro Pereira da Silva não pode tomar um cafezinho sequer pela manhã nem passar perfume ou desodorante antes de sair de casa. Além disso, seu almoço é devidamente regulado, não podendo ter alimentos muito temperados. Essas e outras restrições têm o objetivo de preservar o seu paladar e fazem parte da sua rotina como “sommelier de água”. Alexandro e outras 14 pessoas são responsáveis por, diariamente, provarem amostras captadas na Bacia do Rio Guandu e tratadas, avaliando se a água está própria para consumo e apta a ser distribuída para a população da Região Metropolitana do Rio. O grupo integra o painel sensorial do Laboratório de Análise de Pesquisa da Água (Libra) da companhia.

Mas, para além do controle alimentar, a maior dificuldade enfrentada por Alexandro e seus colegas sommeliers no dia a dia é conseguir explicar a natureza da sua atividade para familiares e amigos.

— Quando eu descrevo meu trabalho em casa ou para os meus amigos, a maioria não entende e vem sempre a mesma pergunta: “Você é provador de água? Água não tem gosto”. Então, eu respondo: “Mas esse é o objetivo. Não é para ter gosto”. O legal dessa análise é que os nossos sensores, a nossa língua e o nosso nariz, são mais eficientes do que os equipamentos de laboratório. Nós percebemos traços que só um aparato muito caro poderia identificar — conta o técnico.

Cedae possui equipe se sommeliers para atestar qualidade da água

Novidade contra crise

A criação da equipe é uma das respostas da Cedae à crise da geosmina, vivida pela população da Região Metropolitana do Rio nos últimos três verões. Uma empresa foi contratada em 2021 e deu um curso de formação para técnicos da própria companhia, que passaram a exercer a nova função no fim do ano passado e também a treinar outros profissionais.

— A gente percebeu que os maiores provadores da água eram a própria população. Eles que sentem na ponta do consumo quando há algum problema. Por isso, havia a necessidade de montar uma equipe especializada para provar essa água ainda na saída da estação — explica o diretor de Saneamento e Grande Operação da Cedae, Daniel Okumura. — Anteriormente, a análise de gosto era feita por meio de contratação de uma empresa, e, com isso, o retorno dos resultados levava de três a cinco dias. Montar esse grupo nos fez ganhar mais celeridade no processo.

Miguel Fernandez, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental do Rio de Janeiro (ABES/Rio), diz que a água testada apresentou bons resultados nos últimos meses:

– Não é padrão essa metodologia, implementada depois da crise. Mas, é algo positivo, que traz mais transparência para a população.

Fazer parte da equipe de sommeliers não é para qualquer funcionário. Os técnicos não só têm que seguir regras rígidas nas refeições como também não podem ser fumantes. No curso, eles são treinados de forma a apurar o paladar e o olfato para conseguirem identificar em níveis mínimos qualquer alteração de sabor e odor na água. Para atingir tal refinamento, é preciso muita dedicação e prática, mesmo fora dos horários de trabalho. Todos eles recebem adicional de insalubridade no contracheque por conta do cargo ainda meio inusitado.

Teste sem sabor

A equipe do GLOBO acompanhou um dos testes realizados no Libra na última semana. Os seis funcionários escalados para fazer a prova de água do dia receberam cinco amostras sem identificação. Algumas foram propositalmente contaminadas com pequenas quantidades de geosmina para que os participantes fizessem a diferenciação. Antes de iniciar o teste, eles tomam a chamada água reagente, produzida no laboratório e capaz de limpar e afinar o paladar para o exame.

— Eu costumo falar para as pessoas que a gente degusta água. Explico também um pouco sobre como essa análise é importante, ainda mais depois do episódio da geosmina no Rio — afirma a sommelier de água Thelma Rafaela Torres.

O coordenador de controle de qualidade do Libra, Robson Campos, que é formado em química, fez parte da primeira equipe de sommeliers da Cedae. De acordo com ele, nas amostras de águas do teste, a quantidade de produtos utilizados para alterar o odor e o sabor é mínima, não trazendo qualquer danos à saúde dos técnicos.

— Nós seguimos uma metodologia internacional que é consagrada na normativa e também é utilizada por outras empresas de saneamento, como a Sabesp (do Estado de São Paulo) e a Copasa (de Minas Gerais). Classificamos a água em quatro sabores: salgado, amargo, azedo e doce. Já as notas fazem parte dessa mesma escala internacional e variam de 1 a 12. Um é uma água limpa, linear, quase imperceptível. Quando vai chegando a 12 é porque há elementos fortes — afirma o coordenador do Libra, ressaltando: — A legislação brasileira prevê o limite de seis para a água ser disponibilizada para consumo. Aqui, quando o gosto sai de 1 para 2, nós já acionamos nosso plano.

Somadas as contratações da empresa que deu o curso de formação para os sommeliers da Cedae e mais os aperfeiçoamentos posteriores, o investimento total para a criação da equipe foi de cerca de R$ 500 mil. Além disso, a companhia investiu outros R$ 4,5 milhões na compra de equipamentos e na atualização tecnológica para a instalação do Laboratório de Análise de Pesquisa da Água. Com tudo isso, a empresa faz uma promessa aos fluminenses: a de que não haverá problemas com a água das torneiras nesse verão.

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