O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que havia cassado o mandato do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR), acusado de propagar “fake news” nas eleições de 2018. A decisão tem potencial de gerar uma crise interna no STF e inaugurar um novo ponto de atrito entre o presidente Jair Bolsonaro e o Poder Judiciário.
Minutos depois da liminar, concedida a pedido da defesa do parlamentar, integrantes da Corte começaram a tecer críticas a Marques por não ter submetido a decisão a referendo do plenário. Fontes ligadas ao gabinete, no entanto, afirmam que, se houver recurso, o caso será levado à Segunda Turma para julgamento.
Já Bolsonaro, em sua tradicional “live”, elogiou a decisão do ministro, indicado por ele ao Supremo, e disse que a cassação de Francischini pelo TSE foi “uma coisa inacreditável”. Também voltou a atacar as urnas eletrônicas ao apontar que a Corte Eleitoral “não explicou” a alegação do deputado estadual sobre uma suposta fraude - declaração falsa que, proferida também em “live”, gerou a cassação.
Ao restituir o mandato de Francischini, Marques afirmou que o TSE, ao fixar que o abuso dos meios de comunicação poderia se configurar por meio da internet e das redes sociais, fez uma analogia simples para um problema complexo. “É claramente desproporcional e inadequado, por uma simples analogia judicial, equiparar a internet aos demais meios de comunicação”, apontou o ministro.
Marques disse ainda que interpretar o uso da internet do mesmo modo que se interpreta o uso do rádio e da televisão pode desequilibrar a disputa eleitoral, favorecendo “candidatos que, por qualquer razão, não souberam ou não quiseram ingressar nessa nova forma de expressão”.
Segundo ele, não é possível presumir a natureza pública de um certo perfil ou comunidade em determinada rede social, sob pena de violar o princípio da liberdade de expressão. Além disso, como essa baliza não existia em 2018, seria impossível utilizá-la para punir candidatos que disputaram aquele pleito.
“Ninguém poderia prever, naquela eleição, quais seriam as condutas que seriam vedadas na internet, porque não havia qualquer (sic) norma ou julgado a respeito. O TSE ocupou-se da regulamentação do tema apenas em 18 de dezembro de 2018, ou seja, depois das eleições”, escreveu.
O ministro diz que comunga da preocupação do TSE a respeito do uso da internet e das novas tecnologias no âmbito das eleições, mas que, em nome da segurança jurídica, “não há como criar-se uma proibição posterior e aplicá-la retroativamente”.
Ele também afirmou que a internet não deve ser “demonizada”, pois contribui para “o exercício da cidadania e enriquece o debate democrático, dado o potencial de expressão plural de opinião, pensamentos, crenças e modos de vida”.
“Não cabe, sob o pretexto de proteger o Estado Democrático de Direito, violar as regras do processo eleitoral, ferindo de morte princípios constitucionais como a segurança jurídica e a anualidade”, apontou o relator.
Marques disse que a disseminação de notícias falsas e de ataques à confiabilidade das urnas “é reprovável e merece disciplina própria, por meio de lei”. Contudo, para ele, a inclusão desse fato nas hipóteses de uso indevido dos meios de comunicação não deve ser automática.
Para o ministro, “faltam elementos mínimos aptos a comprovar o comprometimento da disputa eleitoral” a partir da “live” de Francischini, já que não é possível estimar quantos eleitores efetivamente foram impactado pelas falas proferidas na transmissão ao vivo.
“Em que medida a ‘live’, realizada nos vinte minutos restantes destinados à votação, teve o condão de produzir resultado concreto em benefício do candidato, de modo que se permitisse aquilatar a gravidade dos fatos?”, questionou, retoricamente.
“A vontade do eleitor do Estado do Paraná foi soberanamente manifestada de forma inequívoca, e não há elementos que permitam concluir que a transmissão ao vivo tenha beneficiado o candidato ou, mesmo, tenha sido promovida com essa finalidade.”
Marques também se manifestou contra a anulação dos votos recebidos por Francischini em 2018. Ele apontou que isso causou a mudança na composição da Assembleia Legislativa, levando outros três deputados do extinto PSL, que não eram investigados por nenhuma irregularidade, à perda de seus mandatos, devido ao sistema proporcional.
“A perda de mandato de quatro deputados estaduais é significativa e merece ser ponderada. Essa circunstância só vem reforçar a necessidade de se observar o princípio da anualidade, a fim de preservar a ordem pública e a vontade soberana do eleitorado manifestada na eleição.”
Marques disse que “os mandatos estão em curso e, no segundo semestre deste ano, haverá a renovação da legislatura”, sendo necessário agir em nome da “estabilidade institucional”. (Colaborou Fabio Murakawa)