Rua Barão de Jaguara à época da epidemia de febre amarela (Foto: Museu de Imagem e Som de Campinas)As notícias de casos de febre amarela em municípios de São Paulo, Minas Gerais e no Espírito Santo remexem o passado de Campinas (SP), localizada a centenas de quilômetros de onde a doença hoje é motivo de preocupação. Com sua história marcada por epidemias, por pouco não tirou o município do mapa na reta final do século XIX.
Da mesma forma que a riqueza da cana-de-açúcar e do café alçou Campinas ao posto de "capital agrícola" da província, a ponto de rivalizar em importância com São Paulo, a febre amarela que chegou sorrateira pelos caminhos da estrada de ferro instalou o caos, afugentou os mais ricos e castigou, sem piedade, ex-escravos, pobres e imigrantes.
"Chegaram a aventar a hipótese de tirar Campinas de sua base geográfica, mudar a cidade para outro local", conta Jorge Alves de Lima, de 79 anos, autor dos livros "O Ovo da Serpente" e "O Retorno da Serpente", que abordam o impacto da febre amarela na história de Campinas.
As epidemias em sequência na reta final dos anos 1800 frearam o crescimento da cidade. Campinas tinha mais habitantes que a capital em 1874. Vinte e seis anos depois, viu explodir o crescimento da "rival" que não sofreu do mesmo mal. [Veja quadro abaixo]
| Raio X | 1874 | 1886 | 1900 |
|---|---|---|---|
| Campinas | 31.397 | 41.253 | 67.694 |
| São Paulo | 31.385 | 47.697 | 239.820 |
| Fonte: Crescimento da população do Estado de São Paulo e seus aspectos | |||
Os dados compilados por José Francisco de Camargo no livro "Crescimento da população do Estado de São Paulo e seus aspectos financeiros", dão apenas uma ideia de como a doença afetou, pelo menos por um período, o desenvolvimento do município do interior.
A epidemia de 1889
Pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp, Maria Alice Rosa Ribeiro defendeu em sua tese de doutorado a relação entre saúde pública e o avanço do capitalismo. Desse trabalho nasceu o premiado livro "História sem fim, Inventário da saúde pública", que aborda, entre outros pontos, o impacto da febre amarela.
Maria Alice Rosa Ribeiro estudou impacto da febreamarela em Campinas (Foto: Fernando Evans/G1)
Para Maria Alice, a epidemia de 1889 foi o divisor de águas na história do município. "Campinas era a capital agrícola da província e, na transição do período escravagista para a república, recebia muitos imigrantes. A doença estava ligada a cidades com portos, como o Rio de Janeiro e Santos (SP). No verão de 1889, ela veio com tudo. Esses imigrantes eram contaminados ao chegar no Brasil, e o caminho da estrada de ferro serviu para espalhar a doença e alcançar Campinas", lembra a pesquisadora.
"Quando ela sai do litoral e vai para o interior, a febre amarela provoca um caos. O setor público fica desesperado. De Campinas foi pra Limeira, Rio Claro. Foi seguindo a rota da ferrovia", explica Maria Rosa.
A primeira vítima
Relatos da época identificam o paciente zero da epidemia de 1889 em Campinas. A jovem suíça Rosa Beck, de 24 anos, morreu no dia 10 de fevereiro, apenas dois dias após chegar a cidade. O que seguiu a esse acontecimento assombrou os moradores da época.
"Campinas tinha 27 médicos, mas 24 deles fugiram. Ricos e poderosos que escaparam da doença mudaram para outros lugares. Sobraram os ex-escravos e imigrantes", conta Jorge Alves Lima.
Retrato do terror
Para Jorge Alves Lima, que também é membro do Conselho Científico do Centro de Memória da Unicamp, o dia 18 de abril de 1889 dá um retrato de como a febre amarela provocou o caosna cidade.
"Sobraram poucos habitantes, não mais do que 5 mil, e somente nesse dia 58 morreram. Os coveiros não davam conta dos enterros. Havia corpos em praças, soleiras das casas. Foi o dia mais cruel da história de Campinas", atesta.
Segundo a historiadora e coordenadora da Coordenadoria do Patrimônio Cultural de Campinas, Daisy Ribeiro, a doença forçou a desativação de cemitérios que existiam dentro da cidade, centralizando os enterros no antigo Cemitério do Fundão, atual Cemitério da Saudade.
O impacto da epidemia de 1889 chamou atenção na capital do país, e a imprensa fluminense teve papel importante no auxílio às vítimas. "Mandaram médicos, equipamentos, ambulâncias e dinheiro para tratar dos pobres", lembra Jorge Alves.
Jorge Alves de Lima tem dois livros que abordam afebre amarela em Campinas (Foto: Antonio Oliveira)
Sequência de epidemias
Registros históricos destacam as epidemias de 1889, 1890, 1892, 1896 e 1897 como as mais problemáticas, permanecendo nos demais anos casos endêmicos.
Até então, não sabia-se como a doença era transmitida e tudo estava relacionada ao período de verão e das chuvas.
Enquanto a epidemia de 1889 chamou a atenção do Rio de Janeiro e de outras regiões do país, nos anos seguintes os campineiros sofreram quase que sozinhos.
O 'lado bom'
Se por um lado Campinas quase ruiu por causa da febre amarela, esse cenário caótico mostrou-se superimportante para a sociedade como um todo. "Como a epidemia afetou toda a dinâmica populacional, econômica e social de um vasto interior, que era pujante por conta da economia cafeeira, ela provoca a elaboração de uma política de saúde pública. Ela foi determinante", destaca Maria Alice.
De acordo com a pesquisadora, até 1892 não existia uma política de saúde pública. "No império só tinha o serviço de inspetoria sanitária no porto de Santos. Em 1896, havia apenas uma pessoa cuidando de toda a província de São Paulo", informa.
O vilão
Jorge Alves de Lima vê o Aedes aegypti, que só depois das epidemias ficou conhecido como o vetor da doença, uma praga para o município de Campinas.
Ao lembrar que o mosquito está mais do que nunca presente no meio urbano, sendo o protagonista de problemas recentes com a dengue, vírus da zika e chikungunya, o pesquisador pede providências das autoridades no combate eficaz dos focos e criadouros do Aedes. "Esse mosquito assombra a cidade de Campinas há mais de 100 anos", enfatiza.
Brasão da cidade de Campinas tem a imagemda fênix (Foto: Reprodução)
Fênix renascida
Campinas ostenta em seu brasão a imagem da fênix, figura mitológica que se acreditava ser imortal, ressurgindo das próprias cinzas.
No livro "A Febre Amarela em Campinas 1889-1900", Lycurgo de Castro Santos Filho e José Nogueira Novaes, destacam que a "fênix renascida foi de próposito escolhida como o símbolo da cidade".
O brasão de armas ainda possui uma haste de cana-de-açúcar folhada e um ramo de café folhado e frutado, que relembram o poderio econômico da cidade.
