Economia

BNDES quer lançar edital da Cedae até 18 de dezembro, mas Cláudio Castro diz que ainda é preciso esclarecer dúvidas

O governador em exercício do Rio participou de seminário organizado pela Firjan para discutir cenário no setor de saneamento básico
Esgoto a céu aberto na Baixada Fluminense, no Rio: seminário promovido pela Firjan discute caminhos para o saneamento no país e no estado Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo
Esgoto a céu aberto na Baixada Fluminense, no Rio: seminário promovido pela Firjan discute caminhos para o saneamento no país e no estado Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo

RIO - O processo de concessão dos serviços de água e esgoto da Cedae atravessa um “caminho crítico”, porque está perto do “momento de decisão”, diz Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do BNDES. Pelo cronograma do banco, a publicação do edital do leilão está marcada para 18 de dezembro.

O governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, afirma que apoia o processo, mas é preciso deixar claro se ele será um bom negócio para o Etado e para a população, de forma a não pedir aporte de recursos públicos na nova Cedae adiante.

— Quero deixar claro que somos favoráveis ao projeto, não tem nenhum jogo contra. O marco (legal do saneamento) veio demonstrar que precisamos dar esse passo à frente, mas não pode ser um passo no escuro. Os números são bons. Mas já vimos números bons não se traduzirem em realidade — ponderou Castro, que agradeceu a parceria do BNDES em responder aos questionamentos do governo nas últimas semanas.

Castro e Abrahão participaram do Seminário Visão do Saneamento Brasil e Rio de Janeiro, realizado na manhã desta segunda-feira pela Firjan, com transmissão pelo site do GLOBO. O encontro reuniu autoridades e especialistas para discutir o cenário atual do setor e caminhos para atrair investimentos.

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O governador em exercício do Rio reconhece que a concessão da Cedae pode ser considerado hoje o maior projeto em infraestrutura do país, trazendo benefícios em saúde, turismo, emprego, renda e outras áreas. Volta a reforçar, porém, que é preciso cautela:

— Vimos projetos Brasil à fora que não cumpriram o prometido. A reforma trabalhista não gerou os milhões de emprego que geraria; a reforma da Previdência, que jorraria dinheiro, não jorrou. Temos de ter certeza que é um bom negócio para o estado — disse, frisando que o Palácio Guanabara não atrasou o cronograma previsto pelo BNDES.

No centro da discussão está a estrutura da nova Cedae, a empresa que será responsável por produzir e tratar a água entregue às concessionárias dos serviços de saneamento no estado do Rio. Castro afirma que “ninguém consegue chegar efetivamente” no passivo da Cedae e no valor da água a ser vendida para as empresas que cuidarão dos blocos concedidos.

Universalização dos serviços

O marco legal do saneamento básico, aprovado em meados do ano, determina como meta a universalização dos serviços do setor até 2033. Por ora, o Brasil tem mais da metade da população sem tratamento de esgoto e mais de 30 milhões sem água tratada.

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O ministro Paulo Guedes frisou no início do seminário que o governo vem trabalhando para destravar investimentos no saneamento. E citou o exemplo de Alagoas, que concedeu a Casal no fim de setembro. A BRK Ambiental venceu o leilão com lance de R$ 2 bilhões.

— A medida (o marco regulatório) saiu do forno e (Alagoas) já pegou R$ 2 bilhões à vista e mais R$ 2 bilhões e pouco para compromisso de investimentos futuros. Deu um exemplo para o Brasil inteiro de como será o futuro — disse Guedes.

Gustavo Montezano, do BNDES, destacou que investir no setor é a mais eficaz estratégia para combater efeitos da desigualdade social:

— O projeto da Cedae será um dos maiores programas de redução de desigualdade social do Brasil e do Rio. Essa concessão vai gerar 40 mil empregos, primordialmente para trabalhadores das classes mais baixas — disse o presidente do BNDES.

Ele frisou que, no Brasil, cada R$ 1 investido em saneamento resulta em uma economia de R$ 5 em gastos na saúde. E que esse ganho virá principalmente para os mais pobres, que sofrem com doenças geradas pela falta de acesso aos serviços de água e esgoto.

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O investimento tem ainda forte impacto ambiental, continua Montezano, colaborando para a despoluição da Baía de Guanabara, a adequação do suprimento de água do Rio Guandu e a melhora do sistema lagunar da Barra da Tijuca, defendendo que o edital da Cedae “precisa sair este ano”, aproveitando o alinhamento entre ambiente regulatório e disposição de governo e municípios envolvidos.

A secretária especial do Programa de Parceria de Investimentos do Ministério da Economia, Martha Seillier, ressaltou que o projeto da Cedae está na fase de “ajustes finos” e deve ser um divisor de águas para o estado.

— O mundo todo está procurando grandes projetos de infraestrutura com taxas de retorno interessantes que envolvam esses aspectos de proteção do meio ambiente, melhora das condições sociais da população e boa governança. E o projeto do Rio de Janeiro com certeza está no topo da lista dos que trazem todos esses aspectos conjugados — afirma ela.

Impacto na educação

O economista Cláudio Frischtak, especialista em infraestrutura, lembra que a universalização do saneamento básico é uma agenda que chega com mais de um século de atraso, demandando investimentos robustos:

— No Brasil, temos investido, em todas as esferas, R$ 14,5 bilhões ao ano em saneamento. Mas necessitamos investir entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões. Ou seja, há uma lacuna da ordem de R$ 20 bilhoes por ano. É um desafio para as próximas duas décadas, mas maior até 2033, que o marco coloca como meta para a universalização.

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Como Montezano, ele destaca que o saneamento é o investimento em infraestrutura de maior taxa de retorno social:

— Criança doente, com diarreia, verminose, Zika, não consegue frenquentar a escola e não consegue aprender — argumentou Frischtak. — O aumento de 1% no acesso ao saneamento gera 0,11 ponto percentual (p.p.) de alta na taxa de frequência escolar; queda de 0,49p.p. na taxa de distorção idade/série; queda de 1% na taxa de abandono escolar.

Para ele, agora, os esforços têm de estar voltados para garantir que os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao marco regulatório, em especial ao artigo 16, sejam mantidos, priorizando também a publicação do decreto que define os requisitos para prestação dos serviços de saneamento. Além disso, falta também a regulamentação do marco pela Agência Nacional de Águas (ANA), podera ele.

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Foco nos passivos da Cedae

O governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho, ressaltou que foi preciso tomar alguns cuidados antes de fazer a concessão da Casal. E que recomenda que isso seja levado em conta no processo da Cedae. Um deles é adequar o número de funcionários envolvidos na operação. O outro está ligado ao perfil da concessionária:

— Num segmento tão estratégico, é fundamental que as pessoas que vão assumir a concessão tenham experiência pretérita na operação de um sistema complexo como esse, porque precisa gerar eficiência no curto prazo. Exigimos isso e não significou redução de competitividade no leilão — destacou ele.

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— É preciso garantir também que a nova Cedae terá recursos para os investimentos. Se não tiver água em linha com a oferta necessária , não tem saneamento. É preciso debater a tarifa nos primeiros anos e também levar em conta a tarifa social. Em Alagoas, ela vai passar de 3,5% para 8,5% da população atendida, podendo chegar a 12% — contou ele, frisando que já prepara o processo de concessão de outros blocos de saneamento no estado.

Deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ) afirmou que o parlamento está atento à manutenção dos vetos relativos ao marco do saneamento, reforçando que, mais do que decidir entre a gestão pública ou privada, a prioridade é garantir que o serviço funcione com eficiência.

Ele diz que há uma série de pontos ainda a serem esclarecidos e melhor trabalhados, o que inclui fortalecer o ambiente regulatório, ancorado na atuação da ANA, mas compartilhado com estados e municípios, o que já se traduz em desafio.

No caso da Cedae, ele reforça que é preciso olhar para a dívida da companhia e os recursos humanos, destacando que a empresa tem 7.500 servidores e que os contratos não definem como será o aproveitamento dessa massa de trabalho.

— É preciso discutir o que fica para o governo do Estado, do enfrentamento da empresa que fica para fazer a produção, dos investimentos necessários para viabilidade dessa empresa que vai permanecer. É necessário pensarmos numa lógica nesse sentido para não termos surpresas em relação ao que for arrecadado, para o Estado não ficar comprometido com esses passivos e com essas dívidas — disse Leal.

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Ele alerta que o ambiente regulatório é tão importante quanto o sucesso do leilão. E que o excesso de judicialização vem de regras que por vezes não estão bem postas:

— Temos premência de tempo para o desenho desse edital, mas há situações que têm de ser enfrentadas. A população precisa dos serviços. Mas os prejuízos não podem ficar apenas com o estado. A concessão de serviço para uma Região Metropolitana é definida por Lei Complementar ainda em debate e 17 municípios atendidos pela Cedae não desejam participar do processo. Todos esses avisos precisam ser enfrentados de forma correta.

André Constant Dickstein, da área de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Rio, reforçou a visão de que os futuros concessionários dos serviços de água e esgoto no Rio tenham experiência consolidada no setor. E reforçou a importância de se garantir que a Agenersa, a agência estadual, tenha condições de atuar de forma técnica, independente e efetiva, saindo “da precarização e da captura política”.

O uso dos recursos levantados com a concessão, continua ele, deve ser feito e comunicado com transparência para toda a sociedade.

Pedro Maranhão, secretário nacional de Saneamento, também falou obre a importância da regulação:

— O problema hoje é segurança jurídica, regulação, a importância da ANA. Estamos apoiando a agência para que ela se capacite para isso. Sem boa regulação, os investidores não virão.

Já o deputado estadual Renan Ferreirinha (PSB-RJ) destaca que é preciso avaliar se a extensão da tarifa social de 0,5% a até 5% dos atendidos pelos serviços concedidos no Rio será suficiente para atender a necessidade do estado. E pontua que a falta de regulação adequada pode travar operações:

— Regulação efetiva traz entrega do serviço com qualidade. O que está acontecendo no Amapá não é problema na concessão, mas a falta de regulação eficaz, de acompanhamento para evitar falhas. Temos de olhar para isso. O poder Executivo tem papel fundamental na execução e condução desse processo, independente de divergências.

Estado não precisará fazer aportes, diz BNDES

Do lado do BNDES, Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs, frisa que é um momento de decisão.

— O edital tem de sair até o fim do ano. Precisamos aproveitar o momento de compreensão dos executivos e legislativos para não inviabilizar o projeto por atraso — disse o executivo. — O que olhamos é como entregamos um serviço melhor para a população, como ficam os estados e municípios envolvidos e como viabilizamos a participação do setor privado. Não tem uma receita de bolo única.

Ele destacou que a concessão da Cedae prevê R$ 31 bilhões em investimento direto mais uma outorga mínima de R$ 10,6 bilhões, beneficiando mais de 13 milhões de pessoas. E que trará efeitos a outras áreas, como geração de 46 mil empregos diretos e geração de R$ 34 bilhões em renda.

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— Com a concessão haverá R$ 25 bilhões investidos em 12 anos, cinco vezes mais que a capacidade atual. A Cedae não investe mais de R$ 180 milhões ao ano e levaria 140 anos para universalizar os serviços — diz Abrahão.

Sobre a nova Cedae, ele diz que o banco fez testes de estresse sobre como ficaria a geração de caixa da empresa que passaria a produzir e fornecer água aos concessionários.

— Ela terá redução de dívida, de receita e poderá tocar um programa inédito de investimentos. Não há necessidade de aporte do Estado porque a companhia permanece como geradora de caixa, mesmo sob condições de estresse — afirma o diretor do BNDES.

O executivo frisou que a outorga mínima para o Estado do Rio será de R$ 8,5 bilhões, recebendo como um todo R$ 21,1 bilhões ao longo dos 35 anos do contrato de concessão.

Presidente da  Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, conduziu o seminário e disse que o projeto é fundamental para a economia fluminense:

— A concessão da Cedae tem um efeito multiplcador de quase R$ 43 bilhões na economia flumnense afetando város setores e gerando quase 500 mil empregos diretos e indiretos no período de concessão. Não temos o direito de recusar a geração de milhares de postos de trabalho em tantos municípios do Rio.