Educação pela TV é um dos caminhos para ensino na pandemia, dizem especialistas

Milhões de alunos ficaram meses sem aulas e só aos poucos a educação a distância avançou

Por Lucianne Carneiro, Valor — Rio


Em meio às dificuldades de acesso à internet e falta de celular e computador de alunos de escolas públicas, a educação pela TV foi um dos caminhos encontrados por Estados e prefeituras para o ensino remoto após a pandemia.

Milhões de alunos ficaram meses sem aulas e só aos poucos a educação a distância avançou. Para contornar as dificuldades e buscar ampliar o acesso ao conteúdo, muitos Estados e prefeituras buscaram parcerias para levar educação pela TV a seus alunos.

As iniciativas ajudam a minimizar as perdas provocadas pela pandemia, embora especialistas apontem que há limitações e que é preciso um acompanhamento pedagógico para garantir a aprendizagem dos alunos.

Uma das mudanças no cenário da pandemia foi a permissão para que emissoras de televisão comerciais, públicas e educativas pudessem utilizar o recurso de multiprogramação em seus canais, disponível na TV digital.

Antes, apenas canais ligados à União tinham essa autorização. Com isso, secretarias de educação fecharam parcerias com canais públicos – de Estados e de assembleias legislativas, por exemplo - e também comerciais, como é o caso da Rede Vida, que lançou dois canais com programação educativa, em conjunto com instituições que produzem conteúdo.

Além disso, também houve acordos de cooperação para compartilhamento de programação entre estados. O Amazonas, por exemplo, tem o Centro de Mídias de Educação desde 2007, voltado para atender a comunidades de difícil acesso e fechou parcerias com São Paulo e Espírito Santo.

“A TV é um meio de comunicação de massa eficiente, com grande alcance. Várias redes estaduais e municipais usaram materiais de TV, às vezes com conteúdo próprio, às vezes com conteúdo compartilhado e também com parcerias”, diz o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, que também é secretário de Educação do Espírito Santo.

Um dos projetos lançados é o “Vamos aprender”, parceria do próprio Consed com a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e organizações da sociedade civil para a produção de conteúdo educativo, que é disponibilizado de forma gratuita para estados e municípios. No ano passado, 19 Estados e 59 municípios aderiram ao programa. Com isso, tiveram acesso à programação para exibir nas emissoras parceiras.

Outro exemplo foi o programa Alfa e Beto na TV, lançado pelo instituto de mesmo nome. Em outubro, foi lançado o programa de alfabetização – transmitido pela Rede Vida Educação e disponível também pela internet. Os programas são apresentados por dois atores-professores e quatro bonecos fantoches (Alfa, Beto, Gama e Delta), que interpretam alunos na sala de aula. Diante da boa receptividade, o instituto decidiu ampliar o conteúdo para mais seis anos letivos – pré I, pré II e do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental –, que estão em processo de gravação e serão lançados em março.

“Nunca pensamos em alfabetização pela TV porque este é um aprendizado que precisa de interação, de pegar na mão do aluno. Mas a pandemia trouxe o desafio e preparamos um material com uma proposta lúdica. O sucesso tem sido tanto que decidimos ampliar para mais anos letivos. As pesquisas que já fizemos mostram o acompanhamento da família e das crianças à programação”, diz o fundador do Instituto Alfa e Beto e especialista em educação João Batista Oliveira, que colaborou com o programa de alfabetização em Sobral (CE), cidade reconhecida por seus avanços na educação pública.

Moradora de Manhuaçu, na zona da mata mineira, Maria dos Anjos Dias tem acompanhado diariamente as aulas do Alfa e Beto na TV com o filho Nicollas, de sete anos, pelo celular, já que o computador da casa está quebrado. Até outubro, quando foi lançado o programa, ela ia quinzenalmente à escola para pegar as atividades impressas para o filho e depois retornava para as correções. Segundo ela, já é possível perceber uma diferença no desenvolvimento do filho desde que começou a assistir o Programa Alfa e Beto. “Ele adora os vídeos e fica muito atento, vejo que fez diferença. Não é que as atividades da professora não fossem boas, mas o desenvolvimento agora é muito maior”, conta.

O programa do Alfa e Beto é transmitido pela Rede Vida Educação e é aberto a todas as escolas e alunos interessados, mas o projeto tem uma atuação mais próxima nos municípios que já trabalham em parceria com o instituto, com distribuição de livros didáticos e apoio na implementação do programa, como capacitação e orientação dos profissionais. O custo para este acompanhamento, junto com o material didático, gira em torno de R$ 200 por aluno. No ano passado, 21 municípios aderiram ao Alfa e Beto na TV, como Itaguaí, no Rio de Janeiro, Boa Vista, em Roraima, e Jacaré dos Homens, Roteiro e Jequiá da Praia, em Alagoas, por exemplo.

Na avaliação do presidente da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia, o acompanhamento dos alunos e dos professores, além do uso complementar de plataformas digitais, é um dos fatores fundamentais para que o ensino pela TV seja mais efetivo. “A TV é apenas uma parte de um projeto pedagógico, não pode ficar solto. É preciso um professor acompanhando, o conteúdo deve estar adequado à Base Nacional Comum Curricular e também integrado a plataformas digitais. É preciso um projeto pedagógico consciente das redes de ensino envolvidas”, aponta ele, que também é secretário municipal de Educação de Sud Mennucci (SP).

O presidente do Consed também reconhece os desafios e limitações do ensino remoto como um todo e pela TV e diz que será importante que sejam realizações avaliações diagnósticas na retomada das aulas presenciais. Com isso, diz ele, será possível traçar estratégias de intervenção pedagógica para recuperar o que ficou para trás. “O uso da TV permitiu que o conteúdo chegasse aos alunos. Mas é verdade que o foco em 2020 foi mais no ensino, temos que avançar em 2021 na aprendizagem. Há um desafio grande para recuperar a aprendizagem”, afirma Vitor de Angelo.

— Foto: Pixabay
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