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Por Daniela Walzburiech e Ronaldo Fontana — de Florianópolis


Celsinho, do Londrina, relata caso de racismo em partida contra o Brusque pela Série B

Celsinho, do Londrina, relata caso de racismo em partida contra o Brusque pela Série B

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) julgou o caso de injúria racial sofrido pelo meia Celsinho, do Londrina, nesta sexta-feira, em audiência virtual. O Brusque e um conselheiro do clube responderam por um "ato discriminatório" contra o jogador da equipe paranaense e foram condenados.

A punição ao Quadricolor é a perda de três pontos na Série B do Brasileiro, além de multa de R$ 60 mil. Assim, a equipe do Vale do Itajaí, que estava com 29 na tabela, passa a ter 26. Já Júlio Antônio Petermann, presidente do Conselho Deliberativo, foi suspenso por 360 dias e multado em R$ 30 mil.

A decisão, proferida pela Quinta Comissão Disciplinar do STJD, foi em primeiro grau e cabe recurso.

Julgamento ocorreu nesta sexta-feira — Foto: Reprodução/STJD

– Por qual motivo vamos discriminar um atleta pela sua cor? Isso é inconcebível para mim. Temos que evoluir. O dirigente disse estar afastado, mas está falando do clube. O clube ainda soltou uma nota bizarra. Infelizmente, não tenho como tirar uma vírgula do voto do relator. Vamos acabar com isso, vamos acabar com gritos homofóbicos. Hoje isso é inaceitável e não cabe mais – disse o auditor Otacílio Araújo, presidente da Quinta Comissão.

A ofensa a Celsinho ocorreu no dia 28 de agosto, no confronto válido pela 21ª rodada da Segundona. O jogador afirmou que foi chamado de "macaco" por um membro do staff do Quadricolor. Na súmula, o árbitro Fábio Augusto Santos Sá relatou que o meia ouviu a frase "vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha" ao final do primeiro tempo. Júlio Antônio Petermann foi identificado como o autor da ofensa.

– A expressão "macaco" foi no início do segundo tempo, quando saímos do banco de reservas para aquecer, foi onde saiu a palavra macaco, isso eu ouvi bem alto e claro. Só não relatei para não apontar uma pessoa errada. Quando eu fiz a primeira denúncia foi no intervalo do primeiro tempo e o macaco foi no início do segundo tempo e eu confirmo isso ao final da partida quando o repórter me faz a pergunta – afirmou Celsinho no depoimento.

– É pesado e constrangedor eu ter que dar satisfação ao meu filho mais velho, de 14 anos, que entende mais, que as pessoas ainda usam esse tipo de crime. O maior peso, onde realmente me machucou emocionalmente, foi pelo lado familiar, ver minha esposa chorando, meu filho chorando, meu filho mais novo sem entender e eu tendo que explicar que ele não tem que aceitar isso. É por isso que eu vou até o final nesses casos, justamente por isso, por mexer com meu lado familiar. Em nenhum momento eu vou ao estádio pedir que as pessoas me insultem. O tom que ele usou foi de raiva, mas o que me incomodou mais foi que ele se sentiu muito confortável em falar isso, como se de fato ele tivesse atingido o que queria, como se fosse algo prazeroso e conseguiu, porque eu fiquei fora de mim – disse o jogador.

O Brusque e o conselheiro foram enquadrados no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) por “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito.” No depoimento, Júlio Antônio Petermann justificou.

– Na realidade, o que aconteceu é que eles estavam entre o banco e o alambrado se aquecendo e ali e estavam xingando o Brusque. Teve uma hora em que me irritei e realmente proferi ‘cachopa de abelha vai jogar bola’. Isso foi um momento inadequado, onde o jogo estava quente, o pessoal xingando a gente. Queria aproveitar e pedir desculpas, se eu realmente o ofendi, e a todo o pessoal que eu possa ter ofendido. De maneira nenhuma eu quis ofender e não imaginei que pudesse dar essa confusão toda. Nessa região é muito comum chamar pessoas assim (sic) de cachopa de abelha. Jamais iria proferir isso para ofender o Celsinho ou qualquer outra pessoa.

Episódio ocorreu durante partida entre Brusque e Londrina — Foto: Beno Küster Nunes/AGIF

Após o acontecido, o Londrina divulgou um vídeo nas redes sociais em que é possível ouvir um grito de "macaco". A postagem do Tubarão foi uma resposta ao clube catarinense que, em um primeiro momento, falou que Celsinho estava sendo "oportunista" ao denunciar o racismo.

Depois, o Brusque se desculpou e adotou duas medidas sobre o caso: afastamento do integrante do estafe acusado de racismo e instalação de câmeras para captar o áudio das arquibancadas. Por causa do episódio, perdeu um patrocinador.

Não foi a primeira vez que Celsinho sofreu com o racismo na Série B do Campeonato Brasileiro. O meia do Londrina também ouviu ofensas nas partidas contra o Goiás e o Remo — radialista disse que o cabelo do atleta era "ninho de cupim" —, ambas no mês de julho.

— É muito desconfortante porque a única coisa que faço é ir para o estádio, jogar futebol, fazer o que mais amo, que é a minha profissão, e ter que encontrar criminosos que acabam cometendo esses crimes em um espaço que eu sempre fui feliz. E as pessoas ainda acharem que isso é normal, me rotularem como se eu fosse um aproveitador de toda essa situação — disse o jogador.

Como votaram os auditores:

João Gabriel Maffei: — Considero incontroversos os fatos em razão da confissão do denunciado. Houve ato discriminatório em razão da raça e cor? Sim, uma pessoa branca ofendeu o cabelo de um jogador negro. Jamais o jogador seria chamado assim se fosse branco. O objetivo foi atingir e ofender o jogador. Afirmo que o denunciado tinha ciência das histórias anteriores sofridas. A provocação trazida pela defesa não pode legitimar um revide em ato discriminatório. Refuto também a defesa que a cachopa de abelha tinha o contexto cultural e sim de ofensa e ridicularização. Muito me entristece saber que os filhos do Celsinho chegaram as lágrimas e deve ser muito difícil sofrer um ato discriminatório. Se o dirigente não for punido a altura, com que moral poderemos exigir a conduta dos torcedores? Voto pelo afastamento por 360 dias e multa de R$ 30 mil ao dirigente Júlio.

— O legislador não tinha como prever a ocorrência de uma pandemia e que somente dirigentes compareciam a uma partida de futebol. Público e notório que muitos dirigentes têm se comportado como torcedor. Valorizando a situação concreta, voto para aplicar o parágrafo segundo e aplico multa de 60 mil, levando em consideração a situação econômica do clube e lamentando a postura do Brusque na nota oficial publicada na noite da partida. Entendo que a infração é gravíssima sim. Voto pela aplicação do parágrafo terceiro e apeno o Brusque com a perda de três pontos. Voto pela absolvição no artigo 191 por não ver como punir de forma genérica e a pena do 243-G é muito mais grave. Por outro lado, tenho dificuldades de considerar a palavra macaco por termos um laudo técnico de um perito que não identificou na fala a palavra vou dar o benefício da dúvida. Faltam elementos para a concretização da palavra macaco. Espero que esse julgamento sirva como um paradigma para que os atos discriminatórios sejam abolidos do futebol, do esporte e da sociedade como um todo.

Vanderson Maçullo: — Primeiro caso que vejo um dirigente de um clube praticar uma injúria racial. Esse se valeu da condição de dirigente para estar na partida. Ser dirigente traz um caráter de institucionalidade ao caso e não vejo como não configurar a responsabilidade do clube.

Eduardo Mello: — O que foi dito é de extrema gravidade. Pra mim um ato de racismo teria que ter um banimento perpétuo. Acompanho o relator na pena ao dirigente de suspensão e multa. O Brusque soltou uma primeira nota querendo condenar o ofendido e isso mostra a responsabilidade do clube. O Brusque não foi atrás para punir o ofensor e não agiu contra a infração e isso mostra a extrema gravidade do fato. Acompanho integralmente o relator na multa de R$ 60 mil e a perda de três pontos ao Brusque.

Gustavo Caputo: — Não são torcedores naquilo que quis dizer o código no parágrafo segundo. Confesso minha dificuldade em acompanhar o relator nesse parágrafo por não ficar demonstrado que, além do dirigente, outros torcedores ou dirigentes tenha também participado dessa ofensa racial. A palavra macaco ficou muito clara pra mim, mas lamentavelmente a pessoa não foi identificada. Deixo de aplicar o parágrafo segundo, mas acompanho na pena do dirigente e na perda de pontos ao Brusque. Toda vez que a discriminação racial bater na porta da Justiça Desportiva ela tem que ser apenada com muito rigor.

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