Por Ederson Hising, G1 PR — Curitiba


Familiares revelam que advogada queria divórcio no dia em que morreu

Familiares revelam que advogada queria divórcio no dia em que morreu

A advogada Tatiane Spitzner, de 29 anos, foi encontrada morta, na madrugada do dia 22 de julho de 2018, após queda do 4º andar de um prédio no Centro de Guarapuava, na região central do Paraná, segundo a Polícia Militar (PM).

Veja, mais abaixo, a cronologia do caso.

O marido dela, Luís Felipe Manvailer, foi preso na manhã do mesmo dia da morte, após sofrer um acidente na rodovia BR-277, em São Miguel do Iguaçu, a 340 km de Guarapuava, conforme a polícia.

Ele foi indiciado pela Polícia Civil, em 31 de julho, por homicídio qualificado. Em 6 de agosto, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) apresentou denúncia, que foi aceita pela Justiça no dia 8 de agosto.

Luís Felipe se tornou réu pelos crimes de homicídio com as qualificadoras de asfixia mecânica, dificultar defesa da vítima, motivo torpe e feminicídio; além de cárcere privado e fraude processual.

O laudo do exame de necropsia do Instituto Médico-Legal (IML) confirmou que a morte de Tatiane Spitzner foi por asfixia mecânica, causada por esganadura e com sinais de crueldade.

No fim de setembro de 2018, a promotoria complementou a denúncia contra o réu na tentativa de aumentar a pena com base no resultado do exame de necropsia.

Na complementação da denúncia, foi incluída a qualificadora meio cruel ao crime de homicídio devido ao "intenso sofrimento físico e psíquico" da vítima. As outras qualificadoras não foram alteradas.

A Justiça aceitou o aditamento dois dias após a apresentação, em 27 de setembro. As oitivas do caso começaram em 11 de dezembro.

Em maio de 2019, a Justiça determinou que Manvailler fosse a júri popular pelos crimes de homicídio qualificado e fraude processual. No entanto, a decisão absolveu o réu do crime de cárcere privado.

O MP-PR e a defesa do réu apresentaram recursos referentes à sentença de pronúncia.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), em decisão de janeiro de 2020, atendeu parte do pedido da defesa e excluiu duas das quatro qualificadoras: motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima.

O MP-PR entrou com um recurso especial que foi enviado para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

No dia 17 de julho de 2020, quase dois anos após a morte da advogada, o TJ-PR mandou que o júri popular de Luís Felipe Manvailer fosse marcado.

Luis Felipe Manvailer é acusado de matar a esposa, a advogada Tatiane Spitzner — Foto: Reprodução: Facebook e RPC

Segundo o MP-PR, cabe o julgamento do caso mesmo sem a decisão do STJ sobre o recurso imposto pelo órgão. Com a decisão, Manvailler deveria ser julgado sem as qualificadoras excluídas e a acusação de cárcere privado.

O Ministério Público afirmou que o acórdão feito pelo TJ-PR pode ser revisto. Caso isso aconteça após o julgamento de Manvailler, há a possibilidade de um novo júri ser marcado.

Adiamentos do júri

Inicialmente marcado para 3 e 4 de dezembro de 2020, o julgamento foi adiado para 25 de janeiro de 2021, após um advogado de defesa do réu ser diagnosticado com Covid-19.

A segunda remarcação do júri ocorreu após pedido da defesa do réu por incompatibilidade de datas.

Em 10 de fevereiro de 2021, o júri popular foi encerrado após a defesa do réu abandonar a sessão. Os advogados alegaram ter o "trabalho cerceado" depois de uma decisão do juiz que não permitiu o uso de vídeos como prova da defesa.

A defesa alegou que o vídeo "faz parte dos autos e está dentro da legalidade" e que teve "indeferido o direito de mostrar as imagens de tudo que ocorreu". Apesar de ter deixado a sessão, Claudio Dalledone Júnior, Adriano Bretas e outros advogados permaneceram como defensores do réu.

Na data da decisão, o juiz considerou "abandono injustificado de plenário" e afirmou que a ação foi "uma afronta ao processo, ao réu e à Justiça".

Julgamento de Luis Felipe Manvailer foi interrompido no primeiro dia, em fevereiro, no Fórum de Guarapuava — Foto: Wilson Kirsche/RPC

No final de abril, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiu retirar a multa de 100 salários mínimos que havia sido determinada aos advogados de Luis Manvailer pelo abandono da sessão que terminou com o adiamento do júri popular dele.

A decisão foi tomada por unanimidade, em sessão da 1ª Câmara Criminal, e atendeu a um pedido dos advogados.

Veja o que se sabe sobre o caso de Tatiane Spitzner:

Familiares revelam que advogada queria divórcio no dia em que morreu — Foto: Rede Globo

O réu

  • Luís Felipe Manvailer, 32 anos, professor universitário de biologia, era casado com Tatiane desde 2013, e o casal não tinha filhos. Ele está preso e é réu por homicídio qualificado e fraude processual. Irmão relata passado sem confusões e ciúmes da vítima com o marido. Luís Felipe nega acusações.

O que diz a Polícia Civil

O delegado responsável pela investigação, Bruno Miranda Maciozeki, afirma que imagens de câmeras de segurança - que não foram divulgadas - registram "agressões brutais e cruéis contra a vítima" na garagem do prédio.

Ainda conforme o delegado, quando o casal chega ao 4º andar, a mulher não queria sair do elevador. Luís Felipe, então, a expulsa com uso de força física. Tatiane chega a cair no corredor, de acordo com o delegado.

De acordo com a Polícia Civil, a briga continua no apartamento do casal. O delegado afirma que Luís Felipe imobilizou a esposa no sofá e a soltou após ela gritar por socorro. Maciozeki afirma que havia marcas "evidentes" no pescoço da vítima que indicam esganadura.

Na sequência, como é relatado pela polícia, Luís Felipe joga Tatiane pela sacada. Depois ele recolhe o corpo da calçada da frente do prédio e o leva para o apartamento. Ainda conforme o delegado, o marido apagou mancha de sague no hall do edifício.

Para o delegado, essa atitude tinha como intuito de induzir ao erro os peritos e o juiz.

O que dizem o réu e a defesa

G1 tem acesso a trecho de depoimento de suspeito de jogar a mulher do 4º andar no Paraná

G1 tem acesso a trecho de depoimento de suspeito de jogar a mulher do 4º andar no Paraná

Em depoimento à polícia, Luís Felipe Manvailer negou ter matado Tatiane. Ele disse que perdeu o controle do carro na BR-277 porque a imagem da esposa "pulando a sacada" não saía da cabeça dele.

"Eu bati o carro porque, devido à situação, a imagem da minha esposa pulando a sacada não saía da minha cabeça", disse Manvailer.

A declaração foi dada durante a audiência de custódia realizada na segunda-feira, dia 23 de julho de 2018.

Um dos advogados que defende Manvailer, Cláudio Dalledone Júnior, disse que "era um casal feliz". Ele também disse que "os fatos ainda não são claros, mas a verdade será buscada para que a justiça prevaleça".

No dia 20 de outubro de 2018, a defesa apresentou à Justiça a defesa sobre o caso. Os advogados alegaram que "os fatos não estão adequadamente descritos, o que dificulta o exercício da ampla defesa".

Eles questionaram também os prints de uma suposta conversa entre a vítima Tatiane Spitzner, que era advogada, e uma amiga. A defesa pediu uma perícia dessas conversas.

Ainda no documento, a defesa afirmou que "Luís Felipe Manvailer é inocente de todas as imputações lançadas contra si".

Os advogados pediram à Justiça a rejeição da denúncia, que foi negada. Houve, também, mais de um pedido de suspensão do processo negado.

Cronologia, segundo testemunhas, família e polícia

Sábado, 21 de julho de 2018

  • Tatiane volta de viagem a Caldas Novas (GO) com os pais, a irmã e o marido. Família relata distanciamento do casal na viagem.
  • À noite, casal vai a bar com amigos e a irmã da advogada comemorar o aniversário de Luís Felipe. Os dois tomam bebida alcoólica.
  • Irmã da vítima conta que, na comemoração, Tatiane afirma querer o divórcio no mesmo dia.
  • Tatiane repara mensagem de outra mulher no celular do marido. Casal inicia discussão.

Domingo, 22 de julho de 2018

  • Casal retorna para o apartamento, no Centro de Guarapuava, após a festa. Câmera de segurança registra carro com o casal às 2h34 em frente ao prédio.
  • Ele está ao volante e ela no banco ao lado. A câmera de segurança registra Luís Felipe dando dois tapas no rosto de Tatiane.
  • Tatiane tenta sair do carro, mas é puxada pelos cabelos. O marido balança a cabeça dela várias vezes.
  • Já na garagem do prédio, as imagens mostram ela sendo agredida algumas vezes pelo marido - também quando está caída no chão, com chutes.
  • A advogada tenta escapar dele. Luís Felipe corre atrás da esposa. Ela entra no elevador e ele logo em seguida. No elevador, ela tenta descer no térreo, mas é impedida. A garagem ocupa dois pisos acima do térreo.
  • Quando o elevador chega ao 4º andar, as imagens mostram Luís Felipe forçando Tatiane a sair. Ela cai no corredor, se levanta e é empurrada. Luís Felipe pega as coisas dela e vai atrás. Eles entram no apartamento.
  • Testemunhas disseram que o casal discutiu e que Tatiane gritou por socorro quando estava no apartamento.
  • Tatiane quer olhar mensagens do celular do marido e ele não deixa, em tom de deboche, segundo testemunha.
  • A advogada é imobilizada pelo marido no sofá, segundo ele próprio, mas é solta após gritar.
  • Testemunha relata que viu uma mulher se pendurar na sacada, chegando a passar perna para fora do parapeito, mas recua. Casal retorna ao interior do apartamento.
  • Foram 15 minutos entre a saída do elevador e a queda da mulher, que ocorreu às 2h57. O 4º andar é correspondente ao 6º piso do imóvel.
  • Luís Felipe vai até a calçada. Ele coloca as mãos na cabeça e diz: "O que você fez?", segundo relato de testemunha.
  • Testemunha diz que Luís Felipe, chorando, afirma que Tatiane está morta, levanta o corpo do chão e leva para dentro do prédio, até o apartamento do casal, às 3h.
  • Ele troca de roupa e usa um pano para limpar marcas de sangue no corredor e no elevador, conforme as imagens.
  • Polícia chega ao prédio às 3h04. Luís Felipe ainda está no local. Às 3h08 ele sai com o carro. Câmera de segurança mostra em uma mesma imagem a polícia em frente ao prédio e o carro - da mulher - com Luís Felipe passando na rua logo atrás.
  • Ele passa próximo à casa dos pais dela e viaja em direção ao Paraguai, de acordo com a polícia.
  • Par de botas femininas é encontrado na escadaria de entrada do prédio. Brinco é achado em elevador e pulseira na sacada do 1º andar - correspondente ao terceiro piso do prédio, conforme o inquérito.
  • Polícia arromba porta do apartamento e encontra advogada no chão, com muito sangue na região da cabeça.
  • A polícia afirma que síndico mostra imagens de câmeras e polícia descobre que marido saiu com carro da vítima. Um alerta é emitido.
  • Carro é localizado em São Miguel do Iguaçu, no oeste do estado, após um acidente perto do trevo de acesso ao município.
  • Polícia relata que Luís Felipe deixou o carro e caminhou próximo a linha Catiporam, sentido Foz do Iguaçu, quando foi localizado e encaminhado para a delegacia.
  • Em depoimento, ele nega ter matado esposa e conta de discussão iniciada em bar durante comemoração do aniversário.
  • Luís Felipe disse que a esposa se jogou da sacada e que ele recolheu o corpo em um ato de desespero.
  • Marido fica preso em São Miguel do Iguaçu até a terça-feira (24), quando é transferido para Guarapuava.

Relação abusiva e mensagens

Luis Felipe e Tatiane estavam juntos havia cinco anos — Foto: Reprodução/Facebook

A promotora Dúnia Serpa Rampazzo, do Ministério Público do Paraná (MP-PR), afirmou que informações coletadas pelas investigações apontam que a advogada estava em “uma relação abusiva”.

“Era uma relação de muita opressão masculina em relação à esposa, em relação à mulher nessa situação. Uma violência de gênero muito gritante”, disse.

Para Rampazzo, o relacionamento do casal era exibido nas redes sociais de uma maneira muito diferente da realidade.

“Havia muito a questão de harmonia em redes sociais. O casal perfeito. Mas, no âmbito interno, no âmbito familiar, não era dessa forma, como era exibido nas redes sociais”, detalhou.

A defesa da família da advogada anexou, na terça-feira (31), conversas por WhatsApp de Tatiane com uma amiga falando sobre a relação com o marido. Nas mensagens, entre março e junho deste ano, ela relata sentir "medo" e diz que Manvailer tem "ódio mortal" por ela.

Nas mensagens, entre março e junho deste ano, ela relata "medo — Foto: Reprodução

Em nota, a defesa de Luís Felipe disse que "já impugnou os referidos materiais via petição por entender que essas não têm valor legal".

Também informou que os prints apresentados só terão valor jurídico se o "celular de onde supostamente as mensagens foram extraídas passar por uma perícia".

Os trechos, segundo a defesa da família, fazem parte do pedido de manutenção da prisão preventiva do marido — Foto: Reprodução

A defesa da família da advogada anexou conversas por WhatsApp de Tatiane com uma amiga — Foto: Reprodução

O que pode ter acontecido com Tatiane

A versão do suspeito dá conta de que a advogada se jogou da sacada, enquanto a polícia diz que ela foi jogada do 4º andar.

Criminalística e polícia fazem perícia no local da morte de advogada — Foto: Eduardo Andrade/ RPC Curitiba

Uma das primeiras perícias concluídas, feita no local da morte constatou que Tatiane teve uma fratura no pescoço, característica de quem sofreu esganadura. A RPC teve acesso ao laudo, que também indica marcas nas laterais do pescoço.

Um laudo da Polícia Científica do Paraná, sugere que não houve qualquer tipo de impulso na queda de Tatiane Spitzner do prédio.

A perícia apontou, ainda, a presença de pequenas ranhuras de cor vermelha – semelhantes às do esmalte que a advogada usava no dia em que morreu – na borda da sacada do apartamento dela.

Também foram encontradas outras marcas de atrito por fricção e/ou arrastamento, tanto na borda superior da sacada quanto na face externa do vidro, de acordo com o documento.

Para os peritos, os elementos contradizem o depoimento de Luís Felipe Manvailer, marido de Tatiane, que alega que viu a mulher correr para a sacada, tentou alcançá-la, mas não teve tempo de segurá-la.

Duas possibilidades são sugeridas no laudo, com base em cálculos e três testes feitos com bonecos no apartamento do casal: 1) desequilíbrio involuntário (queda acidental); 2) abandono de corpo inerte.

O laudo do exame de necropsia feito pelo Instituto Médico-Legal (IML) confirmou que a morte de Tatiane Spitzner foi por asfixia mecânica, causada por esganadura e com sinais de crueldade.

Ainda de acordo com o laudo, a advogada apresentava várias marcas no corpo, que indicam que houve luta antes da morte.

Outro laudo, da Polícia Científica, apontou a presença de pequenas ranhuras de cor vermelha, semelhantes às do esmalte que a advogada usava no dia em que morreu, na borda da sacada do apartamento dela.

Também foram encontradas outras marcas de atrito por fricção e/ou arrastamento, tanto na borda superior da sacada quanto na face externa do vidro, de acordo com o documento.

Audiências

A Justiça ouviu, entre 11 e 13 de dezembro, testemunhas do caso - entre elas, o pai e a irmã de Tatiane, que falaram por mais de três horas.

Os familiares da vítima pediram para não ficarem diante de Luís Felipe, que acompanhou os depoimentos da sala ao lado de onde é feita a audiência.

Uma amiga de infânica de Tatiane também prestou depoimento. Ela relatou reclamações de Tatiane sobre o relacionamento e que a vítima queria se separar.

Até a última atualização desta reportagem, Luís Felipe não tinha sido ouvido. A defesa pediu o adiamento do interrogatório.

A defesa alegou que estão pendentes o espelhamento do notebook de Tatiane e a contraprova do exame anatomopatológico (biópsia realizada no corpo). Os advogados do réu também querem ter acesso às redes sociais da vítima.

CASO TATIANE SPITZNER

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