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Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

Informações da coluna

Por Guilherme Coelho

Tirando o primeiro tempo do jogo de ontem, a melhor surpresa deste final de ano é a transição presidencial. Nunca antes tanta gente se engajou discutindo políticas públicas e futuro. Vai, Brasil! Com conversa, e com estudo, a gente avança.

O primeiro tempo foi dominado pela discussão fiscal, já que o governo continua pagando supersalários (sem conversa), ultrapassou neste ano R$ 450 bilhões em isenções fiscais (sem estudo), queimou R$ 200 bilhões em políticas eleitoreiras (sem pudor) e forneceu R$ 16,5 bilhões para o orçamento secreto (sem vergonha). Resultado: furou o teto e não tem dinheiro para chegar ao fim do mês.

Agora, no segundo tempo da transição, é preciso concentração no que mais importa quando se fala em serviços públicos: os profissionais. O maior ativo do Estado são as pessoas que nele trabalham.

Das decisões mais consequentes a ser tomadas ainda neste mês, algumas se darão em torno da Secretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoal (SGP). Órgão fundamental, a SGP é responsável pelas políticas de RH de toda a administração pública direta federal — 568 mil pessoas hoje. É a melhor alavanca para uma reorganização do governo federal, para fazê-lo melhor — mais presente e mais competente.

Em recente visita ao Brasil para um encontro do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração, o canadense Daniel Gerson, responsável na OCDE por serviço público e gestão pública, afirmou que não importa onde esteja um órgão central de gestão de pessoas, e sim que ele tenha incidência, e uma liderança capaz e visionária.

E a hora é agora. O assunto “pessoas em governos” está quente, quase sexy. Na semana retrasada, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), abriu-se a discussões sobre o Estado brasileiro. Os poetas Drummond e João Cabral, enquanto servidores públicos, foram temas de mesas na Casa República.org, dedicada ao serviço público e a seus cruzamentos com o mundo das ideias. Lá, o escritor Itamar Vieira Jr. revelou ter se valido de sua vivência como funcionário público do Incra para seu épico “Torto arado”, livro brasileiro mais premiado dos últimos anos. (Annie Ernaux, prêmio Nobel de Literatura de 2022, foi por anos professora de escola pública na França, e também falou sobre isso em Paraty.)

Ficou evidente que o Estado importa. E que pensar o Brasil, pensar brasilidade, é forçosamente também pensar o serviço público e suas pessoas. É pensar política salarial — paralela à ótima iniciativa de aumento real do salário mínimo —, e vai muito além. É pensar relações humanas. É descrever as funções de cada um; é alocar os talentos apenas depois disso; é embarcar as pessoas com muita atenção, pois isso é determinante para seu desempenho profissional futuro; é garantir segurança psicológica, que dá liberdade para propor novas ideias, e também para discordar; é dar propósito pessoal por meio de objetivos e resultados-chave bem definidos. E é, acima de tudo, reconhecer quem faz a diferença. Pessoas excelentes que trabalham por todos nós merecem nosso aplauso. No último dia 30, no cinema Estação Botafogo lotado, o Prêmio Espírito Público celebrou 27 pessoas que transformam (e emocionam) o Brasil no serviço público.

Pois a regra é clara: não há vida boa sem bons governos. Para que esta transição se transforme num governo bem-sucedido, é preciso dedicar-se à gestão de pessoas. Em paralelo aos programas e políticas públicas discutidos, é hora de colocarmos os profissionais públicos no centro do gramado, olhando para a frente. O golaço será um serviço público respeitado, responsivo e responsável — e, assim, mais democrático. Vai, Brasil!

*Guilherme Coelho é documentarista, empreendedor social e fundador da Samambaia.org

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