Pandemia ‘apagou’ dados sobre saneamento e educação

Coleta presencial de dados teve de ser feita por telefone por um período e a opção foi reduzir levantamentos da Pnad

Por Alessandra Saraiva — Do Rio


Luana Pretto: “Olhar com lupa para os municípios, principalmente em 2020 e 2021, permitiria que Estados e municípios fizessem radiografia mais precisa” — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

A pandemia conduziu à perda irreparável de dados, para 2020 e 2021, sobre acesso à serviços de saneamento em lares brasileiros, bem como evolução de ensino técnico profissionalizante no país. A conclusão é de especialistas ouvidos pelo Valor para falar a respeito de notas técnicas, veiculadas em julho, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre ausência de três séries anuais dentro da edição, também anual, da Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua.

Esse levantamento é conhecido por fornecer taxa de desemprego oficial do país, mas também apura outras informações relevantes. As séries que não contarão com dados, para os referidos anos, são: módulo anual de Educação, e módulos anuais de Características dos domicílios, e de Características adicionais do mercado de trabalho de 2020 e 2021.

Enquanto a ausência de dados sobre trabalho pode ser compensada com informações de outras pesquisas do IBGE, o mesmo não se pode dizer sobre acesso à saneamento e ensino técnico, alertam pesquisadores dessas áreas.

Ao falar sobre a perda de informações, Adriana Beringuy, coordenadora da Pnad Contínua, explicou que a coleta de dados presencial, pelo instituto, foi suspensa entre primeiro trimestre 2020 até julho de 2021. Isso afetou realização de questionários mais extensos, como usados para módulo de educação, por exemplo.

“Devido a mudança da coleta presencial para exclusivamente por telefone, num determinado período, para facilitar coleta de informações dos domicílios, retiramos alguns módulos [mais extensos] para facilitar a comunicação com moradores e para garantir pelo menos o núcleo básico da pesquisa [da Pnad]” afirmou ela. Os dados sobre emprego foram coletados de forma eficiente.

Bruno Imaizumi, economista na LCA Consultores, concorda. Especificamente sobre mercado de trabalho, os dados não coletados não são tão relevantes quanto os dos outros dois módulos. “Perdemos visão mais ampla de aspectos de saneamento, de educação, de qualidade de educação e de moradia.”

No caso de saneamento, no módulo características dos domicílios, essa série mostra informações sobre qual seria fonte de abastecimento de água, se rede geral ou poço, e qual percentual de residências dentro das grandes regiões - e por Estados e municípios em microdados -, para domicílios com coleta de lixo direta ou por caçamba, entre outras opções.

Luana Pretto, presidente do instituto Trata Brasil - que trabalha com saneamento - vê com preocupação ausência de dados. “A informação por domicílios brasileiros nos dá outra dimensão do saneamento, da qual os dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento Regional por meio do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) ainda não nos dá: entender as deficiências do acesso ao saneamento por gênero, raça, idade, entre outros”, afirmou.

A especialista explicou que “os dados macro do setor”, como porcentagens da população atendida com saneamento básico e algumas informações financeiras, são fornecidas anualmente pelo SNIS. Portanto, ainda é possível acessar base de dados de saneamento à nível nacional. “Entretanto, olhar com lupa para os municípios, principalmente em 2020 e 2021, permitiria que os Estados e municípios fizessem radiografia com mais precisão dos ajustes necessários para que a população tenha acesso à água potável e coleta e tratamento dos esgotos”, disse ela.

Na prática, não há informações para avaliar se a pandemia trouxe retrocessos ao saneamento básico, acrescentou. E isso pode afetar negócios em saneamento, ponderou Rodrigo Bertoccelli, sócio da Felsberg Advogados e consultor da área. Nos últimos anos, investidores têm contratando consultorias para avaliar entrada na área.

“Precisamos de premissas para nortear projetos. Se eu não tenho indicadores precisos [sobre estado de saneamento em áreas com leilão de concessão] isso pode gerar distorções em contratos. E estamos falando em contratos para 30 anos 35 anos”, disse.

Outro campo que perderá precisão em dados, para 2020 e 2021, é o de ensino profissionalizante. Guilherme Hirata, analista da consultoria Idados e especialista em educação, comentou que, mesmo com dados agregados de matrículas, oferecida em microdados pelo Ministério da Educação, “não dá para saber se o curso que o aluno frequenta é um curso técnico”, visão que o módulo de educação ofereceria.

Claudia Constin, diretora do centro de excelência e inovação em políticas educacionais da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial, lembrou que 2022 foi primeiro ano do “Novo Ensino Médio” em que aluno pode optar por formação profissionalizante. “Há esforço importante, no país, de ampliar tanto matrícula de ensino técnico profissional quanto de ensino superior”, disse. O primeiro ano do “Novo Ensino Médio” estabeleceria, em certo sentido, maior procura por ensino profissionalizante. “Vamos ficar sem ‘linha de base’ para 2022”, comentou.

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