• Liliane Rocha*
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Desemprego no Brasil ; desempregado ; desempregados ; mercado de trabalho ; recessão ;  (Foto: Arquivo/Reuters)

Pessoas no espectro autista têm mais dificuldades para encontrar emprego (Foto: Arquivo/Reuters)

Na semana passada, dei uma palestra em um evento que reuniu um grupo de empresários para refletir sobre economia, negócios e temas socioambientais. Sempre que passo por essas importantes trocas de experiências, volto para casa pensando de que forma posso transferir o que vivi para o meu trabalho, que consiste em incentivar práticas mais inclusivas nas empresas.

Durante o evento, conheci o Marcelo Vitoriano, que me contou um pouco sobre o trabalho que realiza com autistas na Specialisterne. Quando ouvi pela primeira vez o nome da empresa, pensei se tratar de uma marca de joias ou algo assim. Tive uma grata surpresa quando descobri que é uma empresa social de origem dinamarquesa focada em incluir profissionais com TEA (Transtorno no Espectro Autista).

Após a minha palestra, Marcelo me convidou para falar para um grupo de jovens autistas da sua empresa. Em um mundo complexo, o leque da diversidade é tão amplo que é preciso estar em processos constantes de trocas e aprendizados. No dia a dia, devemos fazer o esforço de encaixar temas que consideramos relevantes dentro do nosso quebra-cabeça.

Por isso, escolhi este tema para a reflexão desta coluna. Vamos pensar no que vai acontecer daqui a 15 anos. Esse período pode parecer longe da nossa realidade, mas, se levarmos em conta como o relógio anda acelerado ultimamente, não está. Quantas crianças com autismo estão na sua vida e você talvez nem perceba? Já perguntou para um colega da sua empresa se ele tem um filho ou conhece alguma criança autista? Ou talvez tenha reparado naquela criança que, no “Dia da Família” – evento organizado por algumas empresas para que as crianças conheçam o ambiente de trabalho dos pais – se expressa de forma diferente da maioria, que é metódica ou inquieta, e que por isso não foi incluída nas atividades do dia.

Tenho mergulhado neste tema e aprendido muito com a Mari Gonzalez, líder de diversidade de uma empresa do setor de energia. A Mari é mãe da Laura, que tem autismo. Ao seu lado, tenho refletido sobre o potencial dos autistas, sua inteligência, sua introspecção, seu gosto por rotinas, sua sensibilidade perante os acontecimentos cotidianos etc.

Para começar, vou compartilhar números concretos dessa questão. Nos Estados Unidos, uma em cada 59 crianças nascidas é diagnosticada com autismo. Pode parecer pouco, mas não é, já que às vezes a pessoa chega à fase adulta sem ser diagnosticada da forma correta. O que nos leva a outra questão: a dificuldade de diagnóstico. Trata-se de um problema sério pois, quanto mais cedo o autismo é descoberto, maiores são as chances de o autista ter as mesmas condições de vida de uma pessoa fora do espectro.

Aqui no Brasil, estamos ainda engatinhando no que se refere a entender e lidar com pessoas com TEA. Somente neste ano foi sancionada a Lei 13.861/2019, que prevê a inclusão de perguntas sobre autismo no censo do IBGE.

A estimativa é de que existam 70 milhões de pessoas com autismo no mundo, sendo que 2 milhões delas estão no Brasil. 85% dos adultos com autismo estão desempregados; 70% dos autistas sofrem com depressão e ansiedade. E o índice de suicídio entre autistas é 10 vezes maior do que no restante da população.

Foi impactada por esses números que realizei minha palestra para os jovens autistas da Specialisterne. Decidi que procederia da mesma forma como costumo conduzir meus treinamentos com líderes empresariais, equipes das áreas de operações etc. Não haveria adaptações. As perguntas, as indagações e mesmo as brincadeiras seriam mantidas, com breves acréscimos para explicações antes ou depois das frases. Deu certo: o retorno, a troca e a participação de todos foram sensacionais.

Para mim, a única questão que me incomodava era pensar que aquelas pessoas cheias de potencial estavam desempregadas. Por que a maioria das pessoas no espectro do autismo estão fora do mercado de trabalho?

A única explicação é o fato de não se encaixarem em um padrão vigente e estereotipado de comportamento, o que faz com que, muitas vezes, sejam considerados “exóticos”. O fato de se relacionarem e interagirem de forma diferente, de terem outro entendimento sobre contato físico, ou de demandarem uma certa rotina não são razões válidas para explicar a razão por que são excluídas do mercado de trabalho.

Existe um motivo para a menção do quebra-cabeça, no início do texto. Trata-se do símbolo universal do autismo, capaz de simbolizar todas as suas complexidades e espectros. Então, que tal começar a pensar em formas de incluir essa população na sua vida cotidiana, e até na sua equipe? Permita-se conhecer um pouco mais sobre a realidade do autista. Você vai descobrir que ele tem muito a te ensinar, e que pode ser a peça que faltava no quebra-cabeça de sua empresa.

*Liliane Rocha CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo, e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders.