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Rio Bairros

Condomínios e estabelecimentos comerciais também poluem lagoas da Barra

Equipe do Globo flagrou 12 pontos de despejo
BA - Rio de Janeiro, RJ. 13/03/2018. Esgoto de condomínios e shoppings de luxo Na semana passada, o biólogo Mario Moscatelli denunciou o despejo de esgoto oriundo do Village Mall e outros condomínios famosos da região. Canal de Marapendi e Lagoa da Tijuca. Prédios Barra da Tijuca. Favela Rio das Pedras e re Muzema. Fotografia: Brenno Carvalho / Agência O Globo. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
BA - Rio de Janeiro, RJ. 13/03/2018. Esgoto de condomínios e shoppings de luxo Na semana passada, o biólogo Mario Moscatelli denunciou o despejo de esgoto oriundo do Village Mall e outros condomínios famosos da região. Canal de Marapendi e Lagoa da Tijuca. Prédios Barra da Tijuca. Favela Rio das Pedras e re Muzema. Fotografia: Brenno Carvalho / Agência O Globo. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

RIO — Há um mês, a polícia identificou um vazamento de esgoto em uma tubulação do VillageMall. Na ocasião, a administração do shopping afirmou ter contratado especialistas para avaliar o problema e providenciar a correção de qualquer dano provocado. O episódio lançou luz sobre uma situação antiga, mas que nem sempre é divulgada: os despejos ilegais oriundos de condomínios e estabelecimentos comerciais, muitos considerados de luxo. Como no entorno do complexo lagunar da Barra há muito o que fiscalizar — incluindo as ocupações irregulares na faixa marginal de proteção, onde, naturalmente, não há saneamento básico —, muitas vezes o esgoto que vem de regiões atendidas pela rede formal acaba não sendo alvo de monitoramento dos órgãos competentes.

As lagoas de Jacarepaguá e da Tijuca são as mais castigadas, devido à poluição que chega dos muitos rios sem tratamento ao seu redor e de casas que avançam, cada vez mais, em direção ao espelho d’água. Já na Lagoa de Marapendi, a que tem mais vida entre todas as da região, há menos vias de acesso para o esgoto. Ao longo de quase toda a sua extensão, a Cedae tem rede de tratamento. Mesmo assim, ele chega. Há dois canais, em seus extremos, que contribuem para tanto: o de Marapendi e o das Taxas. É fácil também flagrar vazamentos irregulares saindo de galerias pluviais.

O mapa do despejo
Lançamentos irregulares são feitos através de galerias pluviais*
*Os locais citados são pontos de referência
O mapa do despejo
Lançamentos irregulares são feitos
através de galerias pluviais*
*Os locais citados são pontos de referência

Guiada pelo ambientalista Mario Moscatelli, a equipe do GLOBO-Barra fez um passeio de barco pelas lagoas da região em busca de flagrantes de despejo de esgoto in natura em áreas atendidas pela rede da Cedae, o que sugere ligações irregulares feitas por estabelecimentos comerciais e condomínios do entorno. Foram localizados, rapidamente, 12 pontos. Esses vazamentos costumam ser feitos a partir das galerias pluviais. Na Lagoa da Tijuca, a imensidão de Rio das Pedras, Muzema e Tijuquinha impressiona, ainda mais porque fica fácil observar que há muitas casas, e até prédios, sendo construídos nas comunidades. Mas, do outro lado da margem, onde não existe ocupação informal, também há despejo de esgoto em pontos como as galerias situadas na altura do Parque Mello Barreto.

— Despejo em trechos sem favela só pode vir de ligação irregular ou vazamento da rede formal. A classe média mete pau no favelado, que, por outro lado, reclama do rico. No final, a degradação é democrática — diz Moscatelli, autor da denúncia que deu origem à investigação da polícia ambiental no VillageMall.

O problema é tão antigo quanto a urbanização da Barra da Tijuca. Moscatelli lembra que, na época do governo Brizola, havia recursos suficientes para se construir uma rede para toda a região. O ponto que entrou em debate, então, foi a melhor solução para o saneamento.

— Enquanto se discutia, a população foi crescendo desordenadamente e sem infraestrutura. No fim, chegaram ao modelo em que cada empreendimento teria uma estação de tratamento de esgoto (ETE) autônoma. Mas aí surgiram estações subdimensionadas ou mal operadas. E muitas eram desligadas à noite para economizar energia — afirma Moscatelli, lembrando uma acusação que era frequentemente feita por moradores e biólogos.

Fiscal. Mario Moscatelli mostra galeria pluvial na altura da Armando Lombardi, de onde costuma sair esgoto Foto: Brenno Carvalho / fotos de Brenno Carvalho
Fiscal. Mario Moscatelli mostra galeria pluvial na altura da Armando Lombardi, de onde costuma sair esgoto Foto: Brenno Carvalho / fotos de Brenno Carvalho

Há alguns anos, a legislação forçou a mudança na destinação do esgoto. Hoje, as estações autônomas não podem ser mais adotadas, e todos os empreendimentos precisam se conectar à rede da Cedae. A advogada Christiane Bernardo, especialista em Direito Ambiental, também diz que muitos condomínios desligavam suas estações, fato que reforçou a necessidade de mudança da lei. Mas, atualmente, diz ela, os despejos continuam.

— Nunca houve muita fiscalização. Esses casos funcionam mais na base da denúncia. O problema é que a Cedae não tem poder de polícia para multar. Na altura do Canal das Taxas, por exemplo, tem muito prédio que não se ligou à rede. Com isso, o esgoto sai pela galeria pluvial ou vai direto para o canal — explica a advogada, que diz já ter visto a estação elevatória da Cedae na Avenida Gláucio Gill, no Canal das Taxas, ser desligada, permitindo o despejo in natura, enquanto a rede era desentupida. — Claro que a Cedae é a maior responsável, mas nesse problema entra um conjunto de fatores, como a falta de educação ambiental. As pessoas jogam muito lixo pelo vaso sanitário, entupindo a rede. Nem todos os condomínios se ligam a ela, e os órgãos todos falham na fiscalização.


Em frente ao Alfa Barra II foi encontrado despejo
Foto: Brenno Carvalho / Brenno carvalho
Em frente ao Alfa Barra II foi encontrado despejo Foto: Brenno Carvalho / Brenno carvalho

Christiane lembra que a Cedae tem o controle de quais condomínios e estabelecimentos comerciais estão ligados à sua rede e quais não estão, o que facilitaria a descoberta dos responsáveis pelo despejo irregular:

— Esgoto que sai pela galeria pluvial só pode ser ligação irregular de condomínios ou estabelecimentos comerciais. Mas só dá para rastrear facilmente se ele for industrial. O residencial, teoricamente, é todo igual. Só se usar a técnica da tinta para seguir o caminho do despejo, mas poucas vezes se faz isso.

Moradores sabem onde há problema

Desde 1992, Mario Moscatelli percorre de barco o complexo lagunar da Barra com o objetivo de identificar pontos de despejo irregular de esgoto e denunciar falhas no saneamento básico da região. Muitas vezes, leva consigo políticos, jornalistas e artistas interessados nas causas ambientais. Em quase três décadas, já ouviu muitas promessas de solução, de diversos órgãos e instituições.

— Mas nunca aconteceu nada — diz o ambientalista, já cansado de repetir as mesmas palavras há décadas. — Costumo dizer que tivemos algumas vitórias no varejo e centenas de derrotas no atacado. Já passaram Pan, Copa, Olimpíada, houve anos com abundância de dinheiro, depois fomos para o buraco, e nada mudou.

Para não soar tão negativo, ele lembra que, devido aos megaeventos, a Cedae foi forçada a aumentar a sua rede de coleta e fazer o emissário submarino da Barra. Houve certa melhora, admite, mas está longe de ser o suficiente.

Enquanto conduzia a equipe do GLOBO-Barra pelas lagoas da região, Moscatelli explicava que, a partir da entrada no Canal de Marapendi, seria de se imaginar que não houvesse mais presença de esgoto in natura, uma vez que daquele trecho em diante não há residências sem saneamento básico. Mas não é o que ocorre. Logo na entrada do canal, há diversas galerias pluviais com sinais evidentes de vazamento. Moscatelli frisa, porém, que, mesmo que o ponto de despejo fique na altura de um empreendimento específico, não é possível atestar a origem do esgoto, já que cada galeria pluvial serve a uma região maior:

— O Canal de Marapendi é uma tristeza, principalmente na maré baixa, quando vira um grande valão. Onde não tem galeria, a água melhora bastante, se houver mata ciliar. Já na Lagoa de Marapendi a situação melhora, porque aumenta a extensão do espelho d’água, e os condomínios ficam mais distantes das margens. Nela ainda há vida, porque deságuam poucos rios, e não há desculpa de existência de favelas. Mesmo assim, é muita poluição.

Administradores de condomínios que ficam em frente aos pontos de despejo irregular de esgoto negam responsabilidade pelos vazamentos. Este é o caso, por exemplo, de Barramares e Parque das Rosas. Em frente aos dois, havia galerias com vazamento direto no canal quando O GLOBO-Barra percorreu a lagoa.

— Garanto que do Barramares não sai esgoto — afirma Sergio Trindade, síndico do residencial. — Toda a nossa rede foi ligada à da Cedae. Soube de um condomínio de casas aqui perto onde encontraram ligação irregular, há alguns anos. Às vezes, realmente, moradores flagram despejos irregulares na região.


Imagem do crescimento na Muzema
Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Imagem do crescimento na Muzema Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Presidente da Associação de Moradores do Parque das Rosas, Cleo Pagliosa diz que, no ano passado, chegou a descobrir a origem de uma ligação irregular perto do condomínio.

— Na época, vimos que estava saindo óleo no vazamento e por dedução chegamos a um lava a jato — explica Pagliosa, que confirma a existência de vazamentos recorrentes no Canal de Marapendi. — O Parque das Rosas é todo ligado à rede da Cedae. Mas, ao longo do canal há despejos antigos, que todo mundo já viu.

Procurada, a administração do Pedra de Itaúna, um dos condomínios que ficam próximos a um despejo de esgoto, afirmou que o efluente que lança na lagoa é o esgoto tratado pelo sistema próprio. O condomínio ainda diz que faz um monitoramento constante da situação.

Sócio da Ecobalsas, Georges Bittencourt é uma das pessoas que testemunham com frequência os vazamentos. Como as balsas da sua empresa circulam principalmente no Canal de Marapendi, a despoluição das águas é de seu interesse.

— Já denunciamos várias ligações irregulares, todo mundo as conhece. Nossa operação sofre bastante com a poluição. Já perdemos equipamentos; motores quebraram — diz Bittencourt, frisando que a Ecobalsas realiza atividades de educação ambiental.

Procurada, a Cedae vistoriou os pontos de vazamento citados e diz que só identificou lançamento de efluentes na altura dos condomínios Pedra de Itaúna e Alfa Barra II, que têm sistemas internos de tratamento de esgoto. O Pedra de Itaúna fica no único ponto, entre os destacados, onde ainda estão sendo concluídas obras de complementação da rede. Todos os condomínios devem manter sistemas próprios até serem atendidos pela rede pública e receberem notificação para conectarem-se a ela. Caso não o façam, ficam sujeitos às medidas legais.

Quanto às ligações clandestinas, a empresa frisa que não fiscaliza galerias de águas pluviais nem tem poder para autuar os infratores. No entanto, lembra, cede funcionários para acompanhar ações de fiscalização e integra a força-tarefa que realiza vistorias semanalmente no entorno do Canal das Taxas, ao lado de moradores e órgãos como a Secretaria municipal de Conservação e Meio Ambiente e a Rio-Águas.

A Cedae acrescenta ainda que executa o projeto Esgoto na ETE, no qual equipes percorrem imóveis para vistoriar as conexões e instruir os proprietários a fazerem a ligação correta na rede formal se houver irregularidades. O projeto é executado, no momento, na região dos rios Sangrador e São Francisco, em Jacarepaguá.

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