Empresas de áreas como educação e saúde devem se preparar nos próximos meses para a emissão de debêntures incentivadas, títulos de dívida que oferecem benefícios tributários para o investidor pessoa física. Esse tipo de instrumento, antes voltado a companhias que atuam com infraestrutura, estará disponível a partir de 2024 para mais setores.
A mudança, que faz parte do pacote de crédito anunciado pelo governo e foi possibilitada por decreto assinado na semana passada, foi vista como positiva por bancos de investimento ouvidos pelo Valor, considerando que poderá ampliar o tamanho do mercado de dívida local. A adesão das empresas, porém, não deve ser tão rápida, afirmam.
Além de companhias educacionais e de saúde, poderão captar recursos com os títulos incentivados empresas que atuam com irrigação, segurança pública e sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos e habitação social e requalificação urbana.
Para Matheus Licarião, responsável pela área de mercado de capitais do Santander Brasil, companhias de educação e saúde que já costumam acessar o mercado de dívida devem ser as primeiras na fila. Ele não acredita em um “boom” de ofertas incentivadas logo no início de 2024, mas em uma adesão gradual, à medida que os investidores demonstrarem interesse. “É necessário tempo para o investidor entender um pouco mais.”
Desde 2022, a possibilidade de emitir certificados de recebíveis imobiliários (CRI) - outro título que oferece isenção de imposto de renda para o investidor pessoa física - com o lastro de aluguéis tem sido aproveitada por companhias que atuam, por exemplo, com hospitais. Isso foi positivo, segundo Licarião, porque sinalizou ao mercado que existe demanda de investidores por títulos isentos de empresas de segmentos que não são de infraestrutura.
Há, porém, quem veja justamente nos CRIs um motivo para o volume de emissões de debêntures incentivadas pelos novos setores não ser tão grande. “As companhias já conseguem acessar o bolso de investidores pessoa física por meio de CRIs, que podem ser indexados a CDI. Por que vão querer uma incentivada, que restringe a remuneração à inflação e que depende de outros processos, como aprovação de ministérios?”, questiona o executivo de um banco, que preferiu não ser identificado.
Para Luiz Rafael de Vargas Maluf, sócio da área de mercado de capitais do Veirano Advogados, um fator que pode ter peso na hora de as companhias decidirem entre as debêntures incentivadas ou outros títulos de dívida é a urgência dos recursos. “Em alguns casos, o projeto da companhia pode se enquadrar em uma debênture incentivada, mas ela ainda vai precisar de uma aprovação ministerial que pode demandar um tempo que não se encaixa no cronograma”, afirma. “Em setores novos, sem precedentes, vai ser necessário um tempo maior de discussão.”
Do lado positivo, com as debêntures incentivadas, as companhias poderão acessar novos bolsos, como o de fundos voltados exclusivamente para infraestrutura. Outra questão é que, assim como os investidores pessoa física, os bancos têm benefícios quando compram esses títulos, com a redução de alíquota. Como é comum que parte das ofertas de debêntures fique nas mãos das instituições financeiras que estruturam a operação, o benefício pode incentivar a realização das operações, afirma Licarião, do Santander.
Até o fim deste ano, o governo deve dar mais detalhes sobre o processo para as emissões, incluindo como será o processo de avaliação e aprovação dos ministérios. “Toda vez que uma empresa faz uma emissão de debêntures incentivadas, é preciso um enquadramento por parte de um ministério. Como foram incluídos novos setores, que estariam embaixo de diferentes ministérios, vai ser necessária uma portaria específica de cada um deles com as informações que precisam ser apresentadas para a análise dos projetos”, explica Miriam Signor, sócia de infraestrutura do Lefosse.