Por Nat Coutinho*, g1 DF


Registro da série órfãos do feminicídio, da TV Globo — Foto: TV Globo/Reprodução

De acordo com o Relatório de Monitoramento dos Feminicídios no Distrito Federal, feito por meio da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), da Secretaria de Segurança Pública, Brasília teve 159 vítimas de feminicídio entre 2015 e 2023.

  • Desse total, 122 eram mães
  • Elas deixaram 294 filhos
  • 186 eram menores de idade no momento em que o crime foi cometido - o que representa cerca de 63% do total

Segundo a psicóloga Ana Paula Aquino, "uma criança que presencia essa violência contra sua mãe guarda marcas emocionais da mesma forma como se a violência tivesse ocorrido diretamente com ela".

Izabel Aparecida de Sousa foi assassinada em fevereiro passado com um tiro na cabeça, em Ceilândia. O suspeito é Paulo Roberto Moreira Soares, ex-marido de Izabel, que se entregou à polícia um dia após o crime. A filha do casal, de 10 anos, presenciou o crime.

"Tudo aconteceu no quarto da menina. Izabel estava na cama da filha. Os bombeiros, quando chegaram na cena, tiveram de tirar ela de cima do corpo da minha tia", conta Érika Tayná, sobrinha da vítima.

De acordo com Érika, quando a família foi conversar com a criança sobre o que havia acontecido, a menina disse: "A minha mãe morreu, não foi?".

"Em seguida, ela nos contou tudo o que aconteceu, desde quando o pai chegou até o momento do crime. Ela compreende que o pai dela matou a mãe com um tiro na cabeça", diz Érika Tayná.

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'Minha mãe virou estrela?'

Paulo Roberto Moreira Soares e a ex-mulher, Izabel Aparecida de Sousa — Foto: Reprodução/Instagram

Segundo a sobrinha de Izabel, mãe e filha eram muito parceiras. "Estamos tentando nos adaptar à ausência, mas tem sido difícil, já que ela era um dos pilares da família", conta.

"Às vezes ela [a menina] comenta o que viu e o que sabe. Ela já questionou onde o pai está, se ele está preso, se a mãe dela virou estrela, se a mãe perdoou o pai", diz Érika.

A criança está sendo acompanhada por um psicólogo, o segundo desde o crime. "Ela tem ficado um pouco resistente ao tratamento, mas temos insistido e ela vem se acostumando".

De acordo com Érika, a primeira psicóloga que cuidou da filha de Izabel foi por meio do programa Pró-Vítima, que faz atendimento de psicologia e de assistência social para vítimas de violência doméstica, intrafamiliar, psicológica, física, sexual e institucional, e seus familiares. Além disso, a menina tem direito a uma pensão por morte, mas o INSS ainda não fez o pagamento do valor.

A família também tem recebido o auxílio de quatro advogados, que assumiram o caso sem honorários.

Como cuidar dos 'órfãos do feminicídio'?

A psicóloga Ana Paula Aquino diz que o tratamento para os órfãos do feminicídio precisa ser feito com equipes especializadas e em ambientes próprios. Ana Paula diz que "sempre é possível a construção de novos vínculos, encontrar pessoas dispostas a cuidar, acompanhar a criança em seus tratamentos e nos seus desafios".

No entanto, ela aponta que "é urgente a adoção de políticas públicas e o incremento da rede de atendimento já existente".

A psicóloga Soraya Pereira pontua que é fundamental "dar espaço para a criança ou adolescente chorar, falar, elaborar tudo que está acontecendo, sem julgamentos ou imposição".

"É preciso deixar que eles [órfãos do feminicídio] vivam esse luto e trabalhar as emoções que eles sentem para mostrar que estão amparados, seguros e acolhidos", diz Soraya.

A professora Tânia Mara Campos destaca ainda que essa orfandade acaba sendo refletida na sociedade como um todo, sendo necessário fazer um trabalho sobre os lutos, perdas e violências contra as mulheres para que se criem novas formas preventivas para que outras situações não aconteçam.

A socióloga traz o lado do agressor também, e fala sobre os acompanhamentos com a família do criminoso.

"É importante que, em relação a familiares do agressor, se tenha algum tipo de atuação, porque o trauma nessa família também existe", explica a socióloga.

Programa de proteção

No dia 5 de agosto de 2021, a Lei n.º 6.937/2021, de autoria do deputado distrital Fábio Félix (PSOL), que determina as diretrizes para a instituição do Programa Órfãos do Feminicídio: Atenção e Proteção, no Distrito Federal, foi sancionada. Entretanto, a lei só foi regulamentada depois de um ano e nove meses da sua sanção.

Ainda falta a criação do decreto que definirá as especificidades do programa, como o valor da bolsa de auxílio, quais os profissionais que prestarão apoio a essas crianças e adolescentes e quais são os órgãos responsáveis.

Segundo a Secretaria da Mulher, "a criação do decreto aconteceria a curto prazo, mas sem uma data definida". Na última semana, questionada pelo g1, a pasta disse que "a tramitação da publicação do Decreto, que instituirá a Rede de Proteção aos Órfãos do Feminicídio, encontra-se na Casa Civil do DF".

Já a Casal Civil informou que "o decreto de regulamentação da referida lei está em análise, com a participação de todas as pastas envolvidas".

*Sob supervisão de Maria Helena Martinho.

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