O G20, composto pelas principais economias do mundo, desempenha papel crucial na discussão de desafios globais que abordam desde desigualdades sociais e economia até questões ambientais, entre outros. Sob a presidência do Brasil até o fim do ano, o plano de trabalho do G20 trouxe algo inédito: uma Iniciativa sobre bioeconomia. Os holofotes direcionados sobre o setor demonstram que o país almeja influenciar a agenda internacional sobre o tema, de forma a impactar positivamente no avanço do desenvolvimento econômico sustentável. É a primeira vez que o tema é debatido em foro multilateral exclusivo.
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Nesse sentido, o Brasil deve adotar uma postura firme frente aos desafios geopolíticos, como os eventos climáticos extremos. Nesse contexto, é imprescindível a remoção das inaceitáveis barreiras à entrada de produtos, especialmente as impostas pela Europa. Essas barreiras protecionistas, disfarçadas por justificativas frágeis do ponto de vista ambiental e sanitário, minam os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas, especialmente no ano mais quente já registrado no Planeta Terra. É dever do Brasil assumir sua liderança natural na nova economia verde.
Um fato que não podemos desconsiderar – e sim pensar em como atacar – refere-se à forma como a comunidade internacional ainda olha o Brasil com uma desconfiança injustificada frente aos números. O país é responsável apenas por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, detém a maior biodiversidade do planeta - 60% do território preservado -, apresenta a matriz energética mais limpa do mundo, além de diversos órgãos do governo dedicados às políticas públicas verdes, como a Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria. O mais recente feito desse esforço foi a priorização de investimentos regionais descarbonizantes na reforma tributária. A hora é agora. O ambiente nunca foi tão propício.
A bioeconomia abrange uma ampla gama de setores, desde a produção de alimentos, energia, cosméticos, bioinsumos para a agricultura até produtos de limpeza, permitindo o uso eficiente e sustentável dos recursos naturais, demandando menor consumo de energia e integrando modelos de negócios baseados em fluxos circulares nas cadeias produtivas. Por essas características, ela oferece soluções para a substituição de recursos fósseis por renováveis, contribuindo para a redução das emissões de carbono e a preservação da biodiversidade, além de facilitar o desenvolvimento econômico fora dos grandes centros urbanos do país. No G20, a Iniciativa de Bioeconomia estrutura-se em três eixos temáticos: ciência, tecnologia e inovação; uso sustentável da biodiversidade; e o papel da bioeconomia na promoção do desenvolvimento sustentável.
É vital que este foro de diálogo, composto pelos principais países desenvolvidos e emergentes, discuta essa nova ordem internacional de forma prioritária e franca, com responsabilização proporcional à crise climática que vivemos e garantindo o pleno desenvolvimento de soluções sustentáveis, para que os esforços coletivos não sejam em vão. Investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, formação de recursos humanos qualificados para superar os desafios climáticos e a criação de mecanismos efetivos para a adoção de tecnologias e produtos descarbonizantes nivelam o campo de jogo, fortalecendo a resiliência econômica global e reduzindo desigualdades e colaborando para um alcance bem-sucedido dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Nas reuniões preparatórias da Iniciativa da Bioeconomia, com a participação de governo, academia, setor privado e sociedade civil com relevante atuação no tema, sob a coordenação do Ministério de Relações Exteriores, a Associação Brasileira de Bioinovação priorizou três encaminhamentos. São eles: a criação de um mercado comum para os produtos derivados da bioeconomia, facilitando o comércio e a cooperação entre os países; investimentos em capacitação e transferência de tecnologia entre os países, estimulando a pesquisa e a inovação na bioeconomia; e a criação de restrições à imposição de barreiras não-tarifárias que dificultem o acesso dos produtos da bioeconomia no mercado global.
Até o momento, já foram realizadas duas reuniões preparatórias da Iniciativa em Bioeconomia. O saldo foi extremamente positivo, com avaliação comum de que as novas rotas tecnológicas têm o potencial para gerar mais de US$ 500 bilhões em receitas anuais para o Brasil até 2050 e resultar na remoção de mais de 29 gigatoneladas de emissão de gases de efeito estufa, o equivalente a cerca de 200 milhões de hectares de floresta nativa. Os números foram apontados por pesquisa conjunta da ABBI, Senai, Embrapa e Cenergia/UFRJ, apresentada aos integrantes da Iniciativa.
Até o G20, em novembro, no Rio de Janeiro, mais três reuniões presenciais da Iniciativa em Bioeconomia estão previstas para sistematização de propostas. A primeira ocorrerá em Brasília, em maio; em junho, será a vez do encontro em Manaus; por último, em setembro, na capital fluminense. Os eventos consolidarão a agenda brasileira para o avanço do desenvolvimento econômico sustentável em acordo com o que preza a nova economia, baseada em inovação e na utilização racional de recursos naturais.
Em última análise, a Iniciativa sobre Bioeconomia representa um passo significativo em direção a um futuro mais sustentável e próspero para as gerações presentes e futuras. Ao reconhecer o valor intrínseco dos recursos naturais e o potencial da inovação, o Brasil demonstra liderança e visão na busca por soluções globais para os desafios prementes que enfrentamos. O sucesso desta iniciativa dependerá da habilidade de o Brasil se impor e cobrar uma colaboração contínua entre todas as partes interessadas de investir, de fato, na bioeconomia, retirando barreiras injustificadas, impulsionando as inovações e soluções proporcionadas aos mais variados setores, posicionando o desenvolvimento econômico sustentável como via preferencial para mitigar mudanças climáticas e alcançar o futuro almejado, ambientalmente equilibrado.
Thiago Falda é presidente executivo da Associação Brasileira de Bioinovação