A permissão para a entrada de todos os consumidores de alta tensão no mercado livre de energia a partir de janeiro de 2024 gera a expectativa de maior concorrência entre as comercializadoras e de redução de custos na conta de indústrias e grandes varejistas, entre outros. No entanto, algumas definições regulatórias ainda precisam ser feitas para que haja uma determinação mais clara dos papéis dos atores desse ambiente e para se evitar inseguranças jurídicas.
Parte dos problemas tendem a ser resolvidos com o fim da tramitação no Congresso do projeto de lei 414/2021, que trata da portabilidade da conta de luz e moderniza o marco regulatório do setor elétrico para ampliar o mercado livre. Além disso, outras medidas por parte do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também são aguardadas para a regulamentação do setor como um todo.
Para Victor Hugo iOcca, diretor de energia elétrica da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), há preocupação com relação à situação dos subsídios às energias renováveis, hoje, em grande oferta no setor. Segundo ele, não faz mais sentido manter o mesmo desconto para os novos consumidores do mercado livre.
“Mesmo que mais de 90% da energia produzida no Brasil seja de fontes renováveis, será uma vantagem empresas que entrarem no mercado livre poderem escolher e se certificar de que estão comprando de uma geração limpa. É importante para a sustentabilidade. Mas essas fontes já têm competitividade. É preciso uma alteração legal para acabar com o desconto do fio”, afirma iOcca.
Bruna Correia, do BMA Advogados, ressalta que, além do rateio dos subsídios, está em jogo a distribuição da conta de outros custos do setor como de energia de reserva, de potência e de rede. Com a saída de grandes consumidores de alta tensão da clientela das distribuidoras, esse peso tende a recair sobre o consumidor final de baixa tensão, que também deve migrar para o mercado livre no futuro.
“Para uma segurança jurídica maior, é preciso a aprovação do PL 414, que trará a modernização do sistema elétrico, mas também outras medidas de aperfeiçoamento por parte do ministério e da Aneel. Entre outros pontos, é preciso definir o papel do supridor em última instância, que vai atender o consumidor em caso de emergência, se o comercializador falir, por exemplo”, explica a advogada.
A economista Clarice Campelo de Melo Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, também defende uma nova regulação a partir de uma visão ampla do setor e alerta para outros desequilíbrios que possam ser criados com a ampliação do mercado livre. Custos sistêmicos próprios das energias renováveis precisam ser debatidos, bem como as perdas na ponta a cargo das distribuidoras e a tarifa social. “Temos que olhar a estrutura física e o equilíbrio do setor. A energia no mercado livre é mais barata não por questão de eficiência, mas porque tem menos encargos”, diz.
José Roberto Oliva Júnior, do escritório de advocacia Pinheiro Neto, argumenta que antes da edição da nova portaria houve ampla discussão e que o escalonamento é benéfico. A redução de custos que trará para empresas, principalmente pequenas e médias, também será bem-vinda. Mas ele reconhece que novas medidas regulatórias são necessárias diante de um cenário de sobrecontratação para as distribuidoras. “As regras para o mercado livre estão consolidadas. O que recomendamos é cautela com relação ao lastro das empresas que estão comercializando.”
O fato de as regras terem sido instituídas por portaria e não por uma lei, propriamente, gera desconfiança em parte das empresas, segundo o advogado Raphael Gomes, sócio de energia do escritório Lefosse. No entanto, são baixos os riscos de retrocesso, até porque a legislação já autoriza o uso desse instrumento na definição do cronograma e dos grupos a serem contemplados no mercado livre. Segundo ele, essa nova etapa será um teste também para a abertura total do mercado.