Economia

Mesmo com diversificação da matriz energética, Brasil segue dependente do petróleo

No mundo, combustível responderá por 28% da oferta de energia em 2030, segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

RIO - Há 40 anos, o Brasil era um país movido a lenha e a diesel. Retrato de um Brasil que ainda tinha boa parte da população (44%) no campo. A energia que vinha da madeira representava 38,8% da matriz energética nacional e a derivada do petróleo respondia por 45,6% em 1973, ano do choque do petróleo. Em 2030, com o país plenamente industrializado, as projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam para uma drástica queda da fatia da lenha (5,5%). Já o petróleo manterá sua liderança (28%), embora não vá reinar absoluto. Terá de dividir espaço com outras fontes, que vêm avançando na matriz desde que o governo brasileiro iniciou seu projeto politico de diversificação, visando a reduzir a dependência em relação ao petróleo, nos anos 70.

Em 1973, o Brasil importava 78% do petróleo que consumia. Reduzir essa dependência era uma questão de sobrevivência para o país, o que levou o governo a incentivar a Petrobras a elevar a produção petrolífera nacional e a desenvolver o Proálcool (programa para uso de álcool como combustível no transporte). A ampliação de geração de hidroeletricidade faz parte desse mesmo processo. Com rios caudalosos e necessidade de cortar gastos, era natural que a energia hídrica ganhasse espaço na matriz. No Brasil, o custo médio do MW gerado a partir de grandes hidrelétricas é de R$ 119,63, enquanto o gerado a partir do óleo diesel é de R$ 198,34, segundo dados da EPE, que consideram a média dos preços dos leilões de energia feitos entre 2005 e julho de 2013. A diversificação da matriz energética no Brasil e no mundo é o tema do terceiro dia da série sobre os 40 anos do choque do petróleo, que o GLOBO publica desde domingo.

Se num primeiro momento a diversificação energética foi uma opção para assegurar o abastecimento e reduzir as despesas com importações, a partir dos anos 90 ela ganha força com a pressão de ambientalitas pelo abandono dos combustíveis fósseis. No quesito emissão de gases do efeito estufa, o petróleo só perde para o carvão mineral. É nesse momento que o gás natural - apesar de fóssil, ele emite menor poluentes que o petróleo - é introduzido. Mais recentemente, a biomassa (energia da cana de açúcar, incluindo álcool e usinas à base de bagaço da cana), a energia eólica e a solar também vêm se expandindo.

Participação da biomassa chegará a 18,5% em 2030

No ano passado, o gás natural respondeu por 11,5% da matriz energética nacional. A biomassa teve uma fatia de 15,4% e o grupo outras renováveis, que inclui eólica e solar, ficou com 4,1%. Em 1973, o gás natural respondia por ínfimo 0,4%, a biomasa por apenas 5,6% e o país sequer sonhava com as energias eólica e solar. Para 2030, as previsões mostram que a participação dessas fontes vai continuar crescendo. A biomassa aparece em segundo lugar entre as fontes energéticas, com 18,5% do total, atrás apenas do petróleo. O gás deve alcaçar 15,5% e as outras renováveis, 9,1%.

- O choque do petróleo pegou o Brasil muito vulnerável. Com a expansão do álcool e das hidreléticas, o Brasil tornou-se um exemplo de sucesso de adaptação à vulnerabilidade externa. O etanol vai continuar crescendo, a eólica tornou-se muito competitiva. Mas o petróleo tem um caráter estratégico e vai se manter uma fonte energética importante. Ainda mais agora, com o pré-sal - afirma o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim.

Uma das razões para que o petróleo mantenha seu domínio sobre a matriz nacional daqui para frente é justamente a descoberta do pré-sal. Por causa dela, em 2020, o país deve se tornar exportador de petróleo. Ignorar essa potência energética no fundo do mar seria impensável, na avaliação de especialistas. Além disso, a dificuldade de substituí-lo no setor de transporte também torna pouco viável um cenário em que o petróleo seja uma fonte residual de energia.

- Ele pode ser transportado e estocado com facilidade. Isso não acontece com o gás, que seria seu concorrente mais próximo no abastecimento de veículos. No caso do etanol, a gasolina tem se mostrado mais competitiva também, mesmo com a desoneração do setor do álcool - compara Edmar de Almeida, do grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ.

No mundo, o petróleo também vem cedendo espaço para outras fontes de energia, mas está longe de perder importância. Em 2030, sua participação responderá por 30% da matriz energética mundial, praticamente igual à do carvão mineral (29%), segundo estimativas da Agência Internacional de Energia. Em 1973, ele abocanhava uma fatia de 41,6%, quase o dobro da do carvão (22,2%).

Shale gas muda cenário

O crescimento econômico de países como China e Índia, que usam muito o carvão, explica por que o uso dessa fonte energética deve ampliar tanto nesse horizonte. Mas é possível que a fatia do petróleo esteja subestimada. Com o advento do óleo e do gás não convencional, os chamados tight oil e shale gas, que vêm revolucionando a indústria de energia americana, o combustível que tantas vezes foi apontado de estar perto do fim ganha novo fôlego.

- O shale gas e o tight oil são um ponto de inflexão na indústria mundial de energia. Não me parece que estamos caminhando para uma substituição dessas fontes. Por enquanto, isso é um fenômeno exclusivamente americano. Mas existem boas perspectivas em outros países, como Argentina e China - avalia Tolmasquim.

Os mais céticos insistem no fim da era fóssil. São os seguidores da teoria do Peak Oil (óleo pico), pela qual a produção petrolífera atingirá um pico e depois entrará em um declínio sem volta. O autor da teoria, o geólogo Marion King Hubbert, previa que o pico da produção americana seria alcançado entre 1956 e 1970, e o da produção global, cerca de meio século depois. Não há consenso sobre se de fato o mundo já atingiu o pico de produção. O que os especialistas dizem é que não é possível prever quando e se o petróleo vai acabar. O mais provável, afirmam, é que ele fique tão caro que passará a ser menos demandado, antes de qualquer esgotamento de reservas.

Para Rafael Kelman, da consultoria de energia PSR, o avanço das novas tecnologias será crucial para que a fatia do petróleo na matriz mundial continue caindo. Em 20 a 30 anos, ele acredita que o carro elétrico será uma realidade. O etanol de segunda geração (a partir da celulose) também estará mais disseminado, bem como a alcoolquímica, permitindo a substituição do petróleo onde hoje ele desbanca qualquer concorrente.

Baterias que possam armazenar energia do sol e do vento possivelmente também serão mais eficientes, contribuindo para a chamada geração distribuída (em que o a geração se dá perto do consumo). Mas elas continuarão a ser fontes de energia complementares, devido a seu caráter intermitente. Tudo aponta para que o petróleo mantenha significativa presença na matriz energética - no Brasil e no exterior - por muito tempo. Mesmo que perca a posição de liderança que ocupou por décadas a fio.