Economia

Emenda 14, a arma final de Obama contra o colapso do governo

Presidente teria poder de elevar o teto da dívida de forma unilateral para proteger o país de um calote histórico

RIO e WASHINGTON - Os americanos têm estima quase sagrada pelas emendas à sua constituição, sabendo-as de cor e evocando-as sem cerimônia sempre que necessário. Mas, em meio ao apagão fiscal que abala o país, interpretações divergentes sobre o trecho de uma delas alimentam ainda mais a histeria nacional sobre o teto da dívida.

A emenda em questão é a 14ª, que data de 1868. Sua quarta seção diz que “a validade da dívida pública dos Estados Unidos, autorizada por lei, (...) não será questionada.” Alguns juristas argumentam a partir do trecho que o presidente Barack Obama tem o poder de elevar o teto da dívida soberana do país de forma unilateral mesmo que o Congresso não chegue a acordo quanto a isso, como forma de proteger o país de um calote histórico. Alegam, assim, que o presidente estaria violando a Constituição se permitisse a declaração de uma moratória inédita.

“Os republicanos na Câmara dos Representantes que declaram ser contra a elevação do teto da dívida arriscam fazer mais do que mergulhar o governo em um calote. O que eles propõem é uma flagrante violação da 14ª Emenda”, escreveu, em artigo publicado pelo “New York Times” na semana passada, Sean Wilentz, professor de História em Princeton.

Segundo Wilentz, a Constituição permitiria ao presidente declarar que os deputados republicanos ameaçam violá-la e anunciar que ele irá “usar seus poderes emergenciais para pôr fim” ao calote e “salvar a nação e o mundo da catástrofe.”

Mas a Casa Branca e os conselheiros do presidente parecem não concordar com isso, como já afirmou o próprio Barack Obama diversas vezes desde que a batalha sobre a dívida americana começou.

- Se chegarmos a uma situação de controvérsia legal sobre a autoridade do Tesouro americano para emitir débito, sofreremos prejuízos mesmo que haja respaldo constitucional para isso, porque as pessoas não estariam convencidas — disse a jornalistas na semana passada o presidente, ele próprio um advogado que já lecionou Direito Constitucional - Isso seria alvo de litígio por muito tempo, o que deixaria as pessoas nervosas. Não há solução mágica.

Os correligionários do presidente no Congresso discordam dele, porém.

- Eu acho que a 14ª Emenda cobre isso. O presidente e eu discordamos sobre isso, eu acho! - disse em setembro a líder da minoria na Câmara, a democrata Nancy Pelosi.

“Acreditamos que devemos tomar todos os passos legais para garantir que a América não quebre suas promessas nem desencadeie uma crise econômica global (...) sem a aprovação do Congresso se necessário”, escreveu o líder da maioria do Senado, o democrata Harry Reid em 2011, quando a Casa Branca já havia iniciado sua queda de braço com o Congresso sobre o teto da dívida.

No entanto, a posição contrária à evocação da Emenda parece ser consenso no Poder Executivo.

- Não sabemos se (a orientação) vem do Departamento de Justiça, dos conselheiros da Casa Branca ou de uma combinação dos dois, o que importa é que eles parecem achar que (evocar) a 14ª Emenda não é solução - afirmou à agência de notícias Bloomberg John Podesta, que foi chefe de gabinete no governo de Bill Clinton e é um conselheiro informal de Obama.

Muitos acadêmicos concordam que a 14ª Emenda não é solução para o beco sem saída fiscal. Para Jack Balkin, professor de Direito na Universidade Yale, se o governo evocar a Constituição para elevar o teto da dívida, estaria ele próprio violando a 14ª Emenda.

- Emitir títulos da dívida sem autorização (do Congresso) seria justamente isso (violação da Constituição), pois os credores podem considerar a dívida inválida ou de validade questionável. Nesse caso, o exercício de poderes emergenciais seria autodestrutivo e injustificável - afirmou por e-mail à Bloomberg.