16/04/2012 07h17 - Atualizado em 16/04/2012 08h02

Lixo do Rio em Seropédica divide opiniões

Para secretário, Centro de Tratamento de Resíduos é dos mais seguros.
Produtores rurais, no entanto, reclamam de moscas e mau cheiro.

Lilian QuainoDo G1 RJ

“Lixo é igual feira, ninguém quer na sua rua, apesar de a gente produzir lixo e ir à feira”, diz o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicas, Carlos Roberto Osório.

A frase bem reflete a situação do tratamento de resíduos do Rio: enquanto a cidade encerra uma história de 30 anos de agressão ao meio ambiente, com o fechamento definitivo do aterro sanitário de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o Centro de Tratamento de Resíduos de Seropédica, cidade na Região Metropolitana do Rio, completa um ano de atividade, recebendo 7 mil toneladas de lixo por dia do Rio, além dos resíduos de Seropédica e Itaguaí, e se prepara para atingir sua capacidade plena no início de maio, quando receberá as 9 mil toneladas de lixo diárias produzidas pelos cariocas. Além de Seropédica, Nova Iguaçu e Paracambi também receberão os resíduos.

Vista do Centro de Tratamento de Resíduos de Seropedica (Foto: Lilian Quaino/G1)Vista do Centro de Tratamento de Resíduos de Seropedica (Foto: Lilian Quaino/G1)

Para o secretário, uma vitória do Rio no rumo da sustentabilidade e a conquista de uma nova vocação econômica de Seropédica como polo de excelência no tratamento de resíduos sólidos – segundo Osorio, o CTR de Seropédica é o melhor, mais moderno e seguro da América do Sul.

Mas para ambientalistas, o CTR constitui um crime ambiental, pondo em risco a segurança da água da região; e para produtores rurais que vivem perto do CTR, a realidade é a do mau cheiro e das moscas.

A cidade tem um perfil econômico agrícola, e sedia a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A vocação é para a cultura orgânica, livre de agrotóxicos. Embora Osorio ressalte que a escolha do local para a instalação do CTR se baseou na baixa densidade populacional da região, os produtores rurais da localidade de Chaperó vivem e têm suas culturas a cerca de dois quilômetros do CTR e, para eles, a vida mudou para pior.

Há dez anos vivendo no sítio Bakamart, o casal Isabel Michi Yamaguchi Xavier e Augusto Batista Xavier produz orgânicos há cinco e há três obteve o certificado da Associação de Agricultores Biólogos do Estado do Rio de Janeiro (Abio).

“Nossa rotina de vida e de trabalho foi alterada. Antes do início do funcionamento do CTR, a gente ficava na varanda de casa ao entardecer. Agora, a partir das 15h, o vento Sudoeste começa a trazer o mau cheiro e de tardezinha a gente tem que se trancar em casa, fechar as janelas, ligar ventilador”, diz Isabel.

Mapa do lixo (Foto: Arte/G1)

“É uma catinga danada”, resume Augusto.

Ele explica que as moscas são tantas que chegou a pedir ajudar aos técnicos da CTR, que se prontificaram a colaborar com a pulverização de inseticidas. Ele não aceitou.

“Não posso ter inseticidas nas minhas hortas orgânicas, não faz sentido. Nossa cultura é sem agrotóxicos. Se a pulverização acontecesse a gente poderia até perder nossa certificação”, disse ele, explicando que chegou a orientar os técnicos a fazerem o controle das moscas no CTR por meio de microorganismos.

Isabel se preocupa com a água de sua nascente. “Pedi que eles monitorassem a cada três meses para não haver contaminação”, disse ela, preocupada em manter a qualidade de sua produção orgânica de hortaliças e legumes.

A vida da família também está abalada.

“Nossos filhos, duas meninas de 11 e 12 anos e um rapaz de 15, estão revoltados com o mau cheiro e as moscas e por terem de ficar trancados em casa. ‘Estragaram nossa vida’, diz o meu filho”, conta Augusto.

Ele explica que pediu aos técnicos do CTR uma compensação pelo risco que sua produção corre.

“Pedi uma estufa para a produção de produtos mais sensíveis como tomate, pepino, vagem. Eles ficaram de estudar o caso”, contou ele.

Isabel e Augusto: rotina abalada pelas moscas e pelo mau cheiro (Foto: Lilian Quaino/G1)Isabel e Augusto: rotina abalada pelas moscas e pelo mau cheiro (Foto: Lilian Quaino/G1)

Outra produtora da região, Ivanilda Souza de Aguiar, que também produz legumes e frutas orgânicas, vem sofrendo com uma ardência na garganta que começou assim que o CTR se instalou.

“Além do cheiro de azedo do lixo, acho que deve ter algum produto químico misturado, porque arde a garganta”, diz ela amargurada, ressaltando que, para ela, “a vida a acabou”.

Ela tem certeza que a água de seu poço artesiano será contaminada pelo chorume do lixo do CTR, que fica a pouco mais de um quilômetro de sua propriedade.

“Tenho certeza de que até o Rio Guandu vai ser contaminado”, diz ela, descrente, apesar de ter dito que os técnicos do CTR fizeram reuniões com moradores garantindo a segurança contra a poluição.

Ela também sofre com as moscas.

“Na cozinha, é só começar a preparar a comida que a carne ou o peixe ficam pretos de moscas. Não se pode deixar uma panela aberta”, diz.

Parque aquifero
Para pesquisadores e ambientalistas da região, a preocupação é com a possível contaminação de um parque aquífero nas proximidades do CTR.

Rosângela Straliotto, chefe de Administração e pesquisadora da Embrapa, explica que o CTR foi instalado junto a um parque aquífero, segundo ela, o segundo maior do Estado do Rio, usado para abastecer poços artesianos que irrigam as culturas locais, entre elas as da própria Embrapa. Para ela, é grande o risco de contaminação da água pelo chorume do lixo.

"Ao contrário de outros aquíferos que são naturalmente protegidos, como os de São Paulo, que são profundos e têm a proteção de rochas, o nosso tem um lençol freático próximo à superfície, e tem solo arenoso, com rochas arenosas e várias falhas geológicas que permitem a comunicação entre a água e a superfície. É um aquífero de alta suscetibilidade", explicou ela.

Prefeitura rebate críticas
O secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório, rebateu as denúncias de ambientalistas de região de que o local onde foi instalado o CTR é inapropriado e inseguro para o meio ambiente.

Osório explicou que o parque aquífero a que se referem os ambientalistas não fica tão próximo assim, e o que existe é apenas uma franja do lençol freático. Ele garante que não há chances de vazamento de chorume contaminar a água.

“Existe uma impermeabilização do terreno que é das mais modernas e seguras, com camadas de mantas, cada uma com sensores, que alertam para qualquer início de vazamento. Se houver, já se pode fazer o controle de forma antecipada, sem correr risco de atingir outras camadas de mantas”, explicou.

A pesquisadora teme que, se a empresa gestora do CTR não der tratamento adequado ao lixo, a produção de chorume poderá atingir o parque aquífero, principalmente em situações de chuva forte.

"Essa é uma região de baixada, receptora de águas, para onde toda a água da Região Serrana converge e a possibilidade de o lençol freático subir é grande e de ocorrer lavagem do lixo num transbordamento, contaminando a água. Isso é uma ameaça real, já aconteceu em Nova Iguaçu e em Teresópolis. Uma vez contaminado um reservatório de água como este, não tem como descontaminar", lembrou.

Para Osório, a preocupação dos ambientalistas com a possibilidade de contaminação do aquífero é descabida.

“Já conversamos diversas vezes e há uma vontade de não compreender. O projeto tem todas as licenças ambientais, todos os estudos de impacto ambiental que a lei exige, adotamos adicionais de segurança além dos exigidos para impedir qualquer contaminação. O que existe é uma franja de aquífero próxima, mas com terreno blindado a qualquer chance de contaminação”, explicou.

'Crime ambiental todos os dias'
Segundo disse, o projeto foi elaborado com conceitos de segurança superiores aos exigidos pela legislação brasileira. O secretário confirmou o que já havia dito o prefeito Eduardo Paes, que o custo anual do tratamento dos resíduos aumentará em R$ 100 milhões.

“O Rio comete um crime ambiental todos os dias ao jogar lixo em Gramacho, que nasceu como um lixão e hoje é um aterro remediado. Em Seropédica, o tratamento do lixo é limpo, o lixo não fica exposto. Foi uma decisão da cidade de investir na sustentabilidade do meio ambiente”, explicou ele.

Segundo Rosângela, a primeira célula do aterro a funcionar (das cinco previstas) já está com uma ocupação de 40% em um ano de atividade do aterro.

"É impressionante pensar em como ficará isso. A ocupação já é enorme, com lixo sendo amontoado sem qualquer tipo de reciclagem prévia. Menos de 5% do lixo do Rio de Janeiro é reciclado. E a estação de tratamento de chorume ainda não está funcionando", disse.

Já Osório explicou que toda a infraestrutura para o tratamento do chorume e para a geração de energia a partir do gás metano produzido pelo lixo já está montada e preparada para entrar em funcionamento. Segundo disse, o CTR tem núcleos de captação do chorume que funcionam com total segurança ambiental.

“O CTR de Seropédica está completando um ano de operação no processo de crescimento do recebimento de resíduos enquanto se caminha para o fechamento de Gramacho . Todo o planejamento do CTR é para que possa haver o crescimento de recebimento de resíduos. O CTR é um centro de alta tecnologia, é o mais moderno da América do Sul , com equipamento moderno, blindagem de proteção ao meio ambiente, geração de energia a partir do gás metano, tratamento do chorume transformando-o em água de reuso, compostagem. É um orgulho para a cidade do Rio na busca da sustentabilidade”, disse Osorio.

Luta de três anos
Mas a pesquisadora Rosângela insiste que a instalação do aterro naquela área foi um crime ambiental que ambientalistas tentaram evitar por três anos em ações junto com o Ministério Público e com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

Ela afirma que a população da cidade em sua maioria foi contrária à instalação do CRT, que, segundo disse, chegou a mudar o perfil político de Seropédica.

"Havia uma lei municipal impedindo a instalação de lixões em Seropédica, mas os vereadores manobraram e conseguiram derrubar a lei para permitir a instalação do CTR. A revolta da população foi grande e a resposta veio nas urnas. Nas últimas eleições, houve uma renovação de 60% na Câmara de Vereadores de Seropédica. Quem tinha votado pela derrubada da lei que impedia a construção do lixão não foi reeleito", disse ela.

A pesquisadora ressalta ainda que a área onde foi instalado o CTR é muito valorizada.

"Fica entre Seropédica e o Porto de Itaguaí . Seria uma área de grande valorização para empreendimentos para a região, com geração de empregos. Um aterro sanitário não gera emprego nenhum", disse.

Ivanilda, ao lado de seu pequeno poço artesiano, aponta para o CTR, a cerca de dois quilômetros de distância (Foto: Lilian Quaino/G1)Ivanilda, ao lado de seu pequeno poço artesiano,
aponta para o CTR, a cerca de dois quilômetros de
distância (Foto: Lilian Quaino/G1)

Já o secretário Osório desconhece o descontentamento da população.

“No processo de licitação, houve audiências públicas com ampla participação da sociedade. O CTR gera benefícios importantes para Seropédica a começar pelas contrapartidas da cidade do Rio de Janeiro em infraestrutura. Seropédica depositava 100% de seu lixo num lixão a céu aberto sem nenhum tipo de tratamento. Agora a cidade está fazendo o depósito correto de seus resíduos no CTR. Com isso estamos gerando receita e empregos para Seropédica, que está desenvolvendo uma nova vocação econômica, que é o tratamento de resíduos sólidos, uma referência na América do Sul”, explicou.

Para Osório, “a partir do mês que vem os cariocas podem dormir tranquilos porque, ao produzirem lixo em suas casas, não estarão contribuindo para a degradação do meio ambiente como acontece há 30 anos em Gramacho”.

Já para ela a pesquisadora Rosângela, com a realidade do CTR em funcionamento, “a luta agora é por um melhor gerenciamento sustentável do lixo, nos moldes da Europa, com unidades de processamento do lixo que geram energia”.

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