Edição do dia 06/04/2012

06/04/2012 22h48 - Atualizado em 09/04/2012 16h29

O pioneirismo do Barão de Mauá traz modernidade ao país sobre trilhos

Empresário foi o responsável pela construção da primeira ferrovia do Brasil, que ia do Porto de Magé até a raiz da Serra de Petrópolis.

A vida se anuncia nas linhas do destino uma grande jornada. Na velocidade do trem-bala. Ou na lenta contemplação da Maria-Fumaça. Tudo depende do olhar de cada passageiro. É um percurso com oscilações. Trechos difíceis, mas também emoções – fazem a viagem valer a pena. Na rota do trem, sonhos e surpresas.

Na arte, o trem representa a poesia em movimento. Para os historiadores, a maior invenção depois da roda. As linhas não apagadas pelo tempo contam um pouco dessa trajetória, iniciada na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. O maior símbolo dessa época é a Central do Brasil, cartão postal conhecido pelo prédio e principalmente pelo grande relógio da estação.

Coisa dos britânicos, que nos emprestaram a pontualidade. Tão famosa quanto o Big Ben.
Os ponteiros do relógio e os horários do trem nos deram uma nova noção de tempo. Da Inglaterra também veio a tecnologia para a construção das ferrovias. Após a revolução industrial, nasceram lá as avós da nossa Maria-Fumaça.

No país de tantas tradições, a do trem está preservada. Para o transporte de minério, o país dominou a tecnologia do ferro e construiu as primeiras locomotivas. Acredite: em 1804, a engenhoca rebocou 10 toneladas! A máquina de Richard Trevithick desbravou os trilhos do pioneirismo. Mas o protótipo comercial de todas foi "The Rocket", o foguete. Decolou para a história a 22 km/h. A primeira máquina a correr como um cavalo.

No dia da inauguração, um político subestimou a velocidade da máquina e cruzou a linha... Foi atropelado! O trem passou sobre as pernas dele. Foi o primeiro acidente fatal na história da ferrovia. O pai da Rocket foi George Stephenson, o primeiro a perceber a energia do vapor observando a própria chaleira de casa. Quase 30 anos depois, a magia da dama de ferro chegou por aqui. E ninguém resistiu ao charme de Maria.

“A minha patroa falava comigo assim: ‘Você gosta mais da máquina do que de mim, porque você tem uma história danada com essa máquina, viu?’”, conta Sebastião dos Santos.

A musa dos ferroviários se transformou em atração turística ou peça de museu. No rastro de fumaça de Maria ficaram as lembranças de quem viaja no tempo. Aos 80 anos, Seu Benito Mussolini começou como garçom nos vagões restaurantes. “Depois eu passei para o quadro efetivo da rede”. Foi foguista e maquinista.

Na hora em que eu sentava para sair com o trem, sabe... Passava a mão na cadeira, batia nas madeiras e falava: "É, gente, nós vamos fazer um viajão", recorda. Uma história de três décadas com a Maria Fumaça. “Ah, ela é muito romântica. Maria Fumaça é tudo”, diz Seu Benito.

Em casa, tudo lembra a velha companheira... Inclusive o som, gravado no último dia de trabalho na locomotiva: “Eu só espero que quando chegar a minha ocasião de ir lá para cima, Deus me permita levar isso tudo dentro da cabeça, sabe... para a gente lembrar também, né?”, torce o ex-maquinista.

Entre chegadas e partidas, muitas paisagens e novos horizontes surgiram no Brasil a partir de 1854, quando foi inaugurada a primeira ferrovia do país. Um trecho pequeno, 14 quilômetros, mas um grande passo para o futuro dos transportes - e o marco zero desta história que ainda está de pé: a estação Guia de Pacobaíba. Fiel às origens, é um monumento ao pioneirismo. Depois que o trem partiu daqui, o Brasil nunca mais foi o mesmo.

Um templo ferroviário preservado pelos sentinelas como Seu Luiz Otávio, de 76 anos, voluntário na defesa da memória do trem, movido pelo sonho de ver a estação de volta a ativa. “Ainda digo mais: se um dia essa estrada de ferro for reativada eu não faço mais questão de viver. Cumpri o objetivo, né? Meu sonho é ver essa linha funcionar... Essa casinha, tudo”, releva o emocionado Seu Luiz.

Seu Luiz segue os ideais de um iluminado: Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Empresário responsável por colocar o Brasil nos trilhos. Quando o soberano era o Imperador, ele foi chamado de ‘Rei’. De simples mascate, se tornou dono do Banco Mauá. O homem mais rico abaixo da linha do equador.

O empresário fazia os planos na casa onde morou, em Petrópolis. Levou a luz a gás para o Rio de Janeiro e aceitou o desafio de construir uma ferrovia do porto de Magé até a raiz da Serra de Petrópolis. Nessa época, o Brasil caminhava a passos de mula. No final do século XIX, a locomotiva econômica do país era o café.

Produção a todo vapor no rio de janeiro e minas, mas as viagens das regiões produtoras até o porto levavam meses. Em algumas travessias, sete em cada 10 sacas se perdiam pelo caminho. Na Serra do Mar, em São Paulo, as mulas despencavam com o carregamento. O Barão de Mauá buscou recursos na Inglaterra. E sem nenhum centavo do império, bancou o projeto.

“Diziam que ele era doido. Ele dizia "Já que ninguém investe, eu mesmo vou investir". E costumavam dizer isso para o Mauá: "E desde quando trem é cabrito para subir montanha?", conta Eduardo Nederh, tetraneto do Barão.

Na Baía da Guanabara, os barcos a vela tinham a rota desviada pelo vento e ficavam à deriva. O Barão construiu as primeiras embarcações a vapor para a viagem até o cais. Hoje corroída pela ferrugem, a estrutura metálica avançava 150 metros em direção ao mar. Transportou material para a ferrovia e, mais tarde, passageiros. “Perceba o gênio de Mauá: ele estava trabalhando com a bimodalidade: o transporte a barco e o transporte ferroviário.

As obras se iniciaram em 1852, com uma grande cerimônia, mistura de festa e desfile de modas. O barão convidou todos os nobres da época, além da família real: o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz, Dona Tereza Cristina.

O Barão de Mauá entregou ao imperador uma pá de prata e pediu à Dom Pedro que fizesse as primeiras escavações. A falta de intimidade do Imperador com o trabalho fez a alegria dos operários da obra. O esbaforido Dom Pedro II desapareceu da festa.

Sob o comando de engenheiros ingleses, mais de 200 homens construíram a Estrada de Ferro Mauá na base da picareta. Em dois anos a obra foi concluída. Transformando a viagem do cais até a Serra de Petrópolis, de horas, em 30 minutos.

O passeio inaugural foi na locomotiva Baronesa, homenagem a esposa do Barão, Dona Maria Joaquina. Quatro vagões percorreram o primeiro trecho sobre trilhos em solo brasileiro e os 26 km/h assustaram quem estava acostumado a velocidade das mulas. a estrada de ferro que abriu os caminhos do Brasil é hoje rota para lugar nenhum.

Apenas um trecho da estrada original roda nos trilhos de subúrbio, onde o Barão de Mauá chegou ao fim da linha, derrotado por um gigante chamado Serra da Estrela. Ele esbarrou nesse paredão com diferença de 870 metros até Petrópolis.

O Redentor chegou de trem ao Morro do Corcovado. As peças foram levadas pelo veículo que hoje transporta os turistas. Mas para alcançar os 800 metros de altura, foi preciso reinventar a roda, que ficou dentada. Para se encaixar nos trilhos da cremalheira, sistema criado na suíça, usado até hoje em grandes inclinações. A invenção revolucionou o trem.

E também fez a primeira estrada de trem subir a Serra de Petrópolis. O trem da montanha chegou onde o Barão de Mauá sonhava, mas puxado pelos investimentos de outra companhia: a Grão Pará, mais tarde Leopoldina. Ferrovia que avançou em direção à zona da mata mineira. O vapor na subida da serra ainda aquece a memória.

“Eu tenho uma saudade... Gozado, uma saudade que eu tenho - eu era criança, na estação, que coisa bonita que era você ver chegar o trem. Naquela época eu era moleque, então chegava aquele trem lotado. Uns chegando e outros partindo. E aquilo para mim marcava muito. Misturava um pouco da neblina com aquela fumaça da locomotiva. Aquilo tudo... Então isso ficava muito na lembrança”, lembra.

Para ter essa lembrança em casa, Álvaro construiu a própria locomotiva. No início, os trens tinham uma porta individual para cada passageiro. A primeira classe com bancos de couro e a segunda com acentos de madeira.

Existia ainda a terceira classe, reservada para quem não tinha condições de pagar: os pés descalços. Com o tempo gente da alta sociedade também escondia os sapatos para viajar de graça. E o condutor via: "Mas o senhor não pode entrar, o senhor é um homem de bem, bem vestido, o senhor tem" e o homem dizia: "Não, mas eu estou descalço... Eu estou cumprindo a lei".

A terceira classe foi extinta, mas a malandragem atravessou séculos. “A pessoa na parada intermediária via que você vinha fazendo a conferência de passagem. Descia e passava para o período onde a gente já tinha passado. O trem chegou quando a escravatura estava de partida e surgia o trabalho assalariado.

Em Petrópolis surgiram as primeiras vilas operárias e indústrias têxteis. O trem precisava de comunicação eficiente e trouxe o computador do século XIX. As mensagens tinham apenas código: o Morse. Assim era o telégrafo. A história desse meio de comunicação também deve reverência ao empresário do império. Só o Barão de Mauá poderia construir 12 mil quilômetros de cabos submarinos para comunicação com a Europa. E a roda do desenvolvimento girou como a cremalina.

Hoje é o concreto, por onde a ferrovia ainda resiste. Mas o passado é a referência na trajetória do trem. Se no Rio de Janeiro foi preciso vencer os obstáculos naturais, em São Paulo o desafio foi ainda maior. A Serra do Mar impedia a ligação entre o Planalto e a Baixada Santista. Um desnível de 800 metros, superado com 13 túneis, 17 pontes e uma das maiores obras de engenharia ferroviária do mundo.

A muralha de rocha foi redesenhada pelo caminho do trem: 190 quilômetros de construções em uma área sujeita às chuvas e deslizamentos. Trabalho de cinco mil pessoas, mão de obra qualificada de imigrantes europeus. Os obstáculos extrapolaram o orçamento e custaram a falência do Barão de Mauá.

Ele entregou tudo! até os óculos com aro de ouro ele entregou para ser do leilão... Foi uma falência infeliz, porém honesta. Na história do patrono da ferrovia está a riqueza de uma família de sangue azul. Dona Francisca, de 79 anos, é marquesa, trineta do Barão.
E Eduardo, de 43 anos, marquês, tetraneto de Mauá. Convidamos a nobreza da ferrovia para uma visita onde tudo começou. Na mesma estação, os herdeiros do pioneirismo e o guardião da memória ferroviária.