Economia

Pelo Twitter, Eike Batista indicou OGX no mesmo dia em que vendeu ações da empresa

Para analistas, ele violou Lei das S.A. na rede de microblogs

O empresário Eike Batista, em evento em 2012
Foto: Dado Galdieri / Bloomberg
O empresário Eike Batista, em evento em 2012 Foto: Dado Galdieri / Bloomberg

RIO - Desde 25 de junho, Eike Batista não dá as caras no Twitter, microblog que frequentou assiduamente por mais de um ano. Mas deixou um rastro de mensagens que vem dando munição a investidores dispostos a entrar na Justiça contra o empresário. Entre os diversos tweets, chamam a atenção os publicados em 29 de maio de 2013. Nesse dia, Eike vendeu 19 milhões de ações da OGX Petróleo e Gás na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Enquanto vendia, o empresário travava diálogos com seus seguidores em pleno pregão, pedindo “paciência” e traçando um cenário promissor para a petroleira.

Para especialistas, independentemente do conteúdo das mensagens, Eike violou a Lei das S.A. (6.404/76) ao usar canais extraoficiais para falar sobre seus negócios, provocando assimetria de informação entre investidores. Se for provado que infringiu a lei, o empresário pode ter de ressarcir danos causados a investidores. E ser punido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, “xerife” do mercado de capitais), que já o investiga por descumprimento da lei. As punições aplicáveis vão de advertência a cassação do registro para operar.

Acionistas da OGX mais exaltados vão além e veem na atitude do empresário crimes de manipulação do mercado e de insider trading (quando alguém negocia ações com informação privilegiada). Um grupo deles, liderado pelo economista Aurélio Valporto e pelo advogado Márcio Lobo, ajuizará hoje a primeira de uma série de ações contra Eike. Neste processo, que também tem como réus o pai de Eike e conselheiro da OGX, Eliezer Batista, e a CVM, os investidores pedem ressarcimento pelos prejuízos causados pela derrocada da petroleira.

No dia 29 de maio, Eike abre seu Twitter com uma mensagem postada às 14h24m dizendo que esteve com executivos do Mobli, aplicativo para fotos e vídeos, e diz que o aplicativo “vai bombar”. Um de seus seguidores ironiza e insinua que o executivo estava vendendo ações: “Viu as ações hj ou é o Sr que esta por trás desta queda? (...) Festeja com a destruição dos minoritários no dia de hoje com lucro para operar vendido em #ogx! Só pode”.

‘Que bobinho’

Eike retruca, dizendo “que bobinho! Mais um que não tem a paciência de esperar!” Em outro trecho, o empresário responde às preocupações dos investidores com uma pergunta: “Sobe (sic) o que é o Efeito Hockeystick?” No jargão do mercado financeiro, a expressão se refere ao comportamento gráfico de uma alta ou queda súbita das ações, lembrando o formato de um taco de hockey no gelo.

Em seguida, um seguidor de Eike lhe pergunta como ele pagará a dívida da OGX e ainda manterá investimentos. Às 16h14m, Eike responde à indagação dizendo que “vamos apresentar plano de negócios em breve! Lastreado nos bons projetos antigos e nos blocos e parcerias novas”. Cinco meses depois, a OGX pediu recuperação judicial, mesmo caminho seguido pela OSX (construção naval). As dívidas das duas empresas informadas nos processos somam cerca de R$ 15,5 bilhões.

Para Norma Parente, ex-diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e professora de direito societário da PUC-Rio, Eike teve um comportamento “inadequado” e “contraditório”, uma vez que buscava traçar um cenário encorajador da empresa ao mesmo tempo em que se desfazia dos papéis. O empresário vendeu 19 milhões de ações da OGX a R$ 1,57 naquele dia. Quando o pregão foi encerrado, o papel valia R$ 1,50, queda de 9,6% em relação ao dia anterior. No ano, as ações da OGX acumulam perda de 95%.

- (Eike) pode induzir o mercado a tomar uma decisão com base nessas informações (do Twitter). Ele estava vendendo (ações) e dando indícios de que (a OGX) é um bom negócio - afirma Norma.

Minoritário: ‘No 1º mundo, ele já estaria preso’

As vendas feitas por Eike este ano começaram em maio - em março, houve uma venda, mas o empresário comprou igual volume de papéis. De maio a outubro (últimos dados da CVM), foram vendidos 353.650.500, totalizando R$ 308.425.970. Em nenhum dos outros dias em que se desfez de papéis, Eike deu declarações sobre negócios no Twitter - a última mensagem é de 25 de junho. Mas tweets sobre a empresa eram frequentes até então, o que contraria as regras de governança corporativa.

- Ao usar o Twitter e não fatos relevantes para falar dos negócios, Eike elimina um grupo de investidores. Ele não transmite a informação de forma simultânea a todos. Acaba privilegiando (ou prejudicando) quem o segue no Twitter - diz Norma.

Gilberto Braga, professor de governança corporativa do Ibmec, corrobora. Para ele, ainda que a intenção de Eike não fosse influenciar o mercado, um investidor que se sinta prejudicado por ter acreditado nos tweets pode processá-lo:

- Pode ser que ele (Eike) não tenha tido a intenção de cometer um deslize. Mas ele não tem o direito, como executivo, de não saber de suas responsabilidades. Há mensagens que criam um cenário mais positivo para a empresa, o que efetivamente não ocorreu.

Valporto é um dos investidores que vai citar o caso do Twitter para entrar com um processo contra Eike. Para o economista, o empresário se enquadra no artigo 27-C da lei 6.385/76 (lei que criou a CVM), que trata de manipulação de mercado. Eike teria cometido ainda crime de insider trading, previsto no artigo 27-D da mesma lei, ao vender ações supostamente com o conhecimento de que a OGX não teria como extrair petróleo dos campos de Tubarão Tigre, Tubarão Areia e Tubarão Gato, na Bacia de Campos. A impossibilidade de recuperar petróleo nesses campos só foi anunciada em 1º de julho de 2013. Três meses antes, a informação divulgada era que os campos eram comercialmente viáveis.

- Vemos como um ato de extrema má fé. Se fosse um país de primeiro mundo, ele já estaria preso - diz Valporto.

A ação a ser ajuizada hoje é na esfera cível. Eliezer é acusado de negligência, por não ter zelado pela acurácia das informações ao mercado, e a CVM é acusada de negligência e omissão, por não ter impedido Eike de dar declarações públicas sobre os negócios. O grupo prepara ainda ações contra outros conselheiros da OGX e a Bovespa. Para Valporto, a Bolsa falhou em não fazer leilão nem identificar o vendedor das ações comercializadas por Eike. Em dias, a quantidade de ações da OGX vendidas por ele representou mais de 10% do volume negociado da empresa naquele mesmo dia.

- Me parece que a Bovespa deveria ter feito algum tipo de leilão especial devido ao volume de ações negociadas, até mesmo para não caracterizar informação privilegiada - diz o professor de direito societário do Ibmec José Eduardo Cavalcanti, que trabalhou na área jurídica da CVM.