Rio

Após nove mortes, polícia promete investigação exemplar na Maré

Cerca de 7,4 mil estudantes ficaram sem aulas nesta terça na região

Policiamento reforçado nos acessos à Favela Nova Holanda
Foto: Bruno Gonzalez / Agência O Globo
Policiamento reforçado nos acessos à Favela Nova Holanda Foto: Bruno Gonzalez / Agência O Globo

RIO — Depois da morte de pelo menos nove pessoas na Favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, o titular da Divisão de Homicídios (DH), Rivaldo Barbosa, afirmou nesta terça-feira que ainda fará novas perícias na comunidade para averiguar o número exato de mortos. As vítimas, de acordo com as informações até o momento, são dois moradores, um policial militar e seis suspeitos por envolvimento com o tráfico. As armas apreendidas, de acordo com Barbosa,  serão periciadas, e a investigação será exemplar. Ele informou que a chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha, determinou prioridade nas investigações. As investigações das mortes ficarão a cargo da DH, e as sobre os feridos e a ação policial, com a 21ª DP (Bonsucesso).

— Se houve excessos (da PM), isso será investigado e cobrado — disse Barbosa. — Deslocamos dois delegados e dez agentes para se dedicarem a este caso. Vamos pegar os depoimentos de todos os policiais que estiveram na Nova Holanda e bater os relatos com as perícias e os laudos do IML.

Mais cedo, moradores do complexo protestaram e a tentaram ocupar a pista lateral da Avenida Brasil, sentido Zona Oeste após o incidente. Os manifestantes chegaram a deitar no chão da via expressa, mas foram dispersados com bombas de efeito moral lançadas por policiais. A comunidade é alvo de uma operação desde a noite de segunda-feira, com o objetivo de buscar criminosos que fizeram um arrastão na Avenida Brasil após o fim de uma manifestação pacífica em Bonsucesso.

Com cartazes pedindo justiça, os manifestantes atiraram pedras contra os policiais, que se defenderam com escudos. Cerca de 85 policiais militares fizeram um cordão de isolamento em todas as entradas das favelas Nova Holanda e Parque União para evitar que os manifestantes tomassem a via expressa. Segundo Rodrigo Sanglard, comandante do 22° BPM (Maré), os moradores ficaram reunidos em frente a uma ONG dentro da comunidade. O diretor do Observatório de Favelas, o geógrafo Jaílson de Souza e Silva, disse que as equipes da PM agiram com excessos de força e violência durante a operação .

ONGs informaram que moradores denunciaram excesso de violência e desrespeito por parte dos policiais militares. O comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), tenente-coronel René Alonso, disse que não foi comunicado dos fatos pelos representantes da comunidade:

— A minha orientação é que essas pessoas procurem a delegacia e façam os registros para que as denúncias possam ser objetos de investigação. Por parte da polícia, todas as ocorrências estão sendo apresentadas à delegacia.

Moradores que não quiseram se identificar relatam que o cenário na comunidade é de guerra. Pelas redes sociais, contam ainda que estão sem luz e telefone. De acordo com a PM, durante o dia ainda houve registro de confrontos no interior da favela.

O comércio e as escolas ficaram fechados. Na operação, outras nove pessoas ficaram feridas. Todas foram atendidas no Hospital Federal de Bonsucesso. Nove suspeitos foram presos, e um menor foi apreendido.

Além do sargento do Bope Ednelson Jeronimo dos Santos Silva, de 42 anos, e do morador Eraldo Santos da Silva, de 35 anos, outro morto foi identificado: José Everton Silva de Oliveira, de 21 anos. Entre os detidos, está o homem acusado de ter matado o policial militar e o morador.

Cerca de 7,4 mil alunos ficam sem aulas na Maré

Nove escolas, sendo oito municipais e uma estadual, suspenderam as atividades nesta terça-feira, assim como projetos sociais que atuam na região. De acordo com a Secretaria municipal de Educação, 6.422 alunos ficaram sem aulas na rede da prefeitura. Outras mil foram prejudicadas na escola do estado, segundo a Secretaria estadual de Educação. Além das escolas, três centros municipais de saúde não abriram as portas na região.

Cerca de 400 policiais militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Batalhão de Choque (BPChq), Batalhão de Ações com Cães (BAC) e do 22º BPM (Maré), além de equipes da Divisão de Homicídios (DH) e da Força Nacional, estiveram na Favela Nova Holanda nesta terça-feira. O Bope montou uma base na Avenida Brasil, próximo à Passarela 9, de onde as equipes partem para operações na comunidade. Já os policiais da Força Nacional de Segurança atuam nos acessos ao complexo, mas esta não é a primeira vez que tropa atua em favela.

Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, antes da atuação no Complexo da Maré, os policiais da Força Nacional já haviam sido convocados para o policiamento da Favela Santo Amaro, no Catete, que está ocupada pelo efetivo desde o ano passado. Os policiais também foram acionados para atuar nos grandes eventos que o Rio recebe este ano, como a Copa das Confederações e Jornada Mundial da Juventude. A pedido da Polícia Militar, eles estão reforçando o policiamento da Linha Vermelha e Avenida Brasil, além de estarem de prontidão para atuarem no Maracanãzinho, desde o último dia 14.

Um dos suspeitos de matar policial do Bope é preso

Encontrado durante a manhã, um dos suspeitos de matar o sargento do Bope e o morador é Edvan Ezequiel Bezerri, conhecido como Ninho, de 29 anos. Ele foi preso com o comparsa em uma casa na favela. Outros três suspeitos de envolvimento no crime são procurados. A polícia conseguiu identificá-los por meio do Serviço de Inteligência, que detectou que estes bandidos se vangloriavam em uma rede social de terem matado o policial.

Ednelson era casado, tinha dois filhos e estava há 17 anos na Polícia Militar, sendo 13 no Bope. O corpo dele será enterrado nesta terça-feira às 16h no Cemitério Jardim da Saudade, em Paciência, na Zona Norte. O relações-públicas do Bope, major Ivan Blaz, afirmou que conta com informações de moradores, seja por meio do Disque-Denúncia (2253-1177) ou pelo perfil do Bope no Twitter (@Real_Bope_RJ) para encontrar os outros suspeitos de envolvimento na morte do sargento Ednelson.

Com os suspeitos mortos, a polícia encontrou um fuzil e duas pistolas. Outro fuzil, calibre 5.56, de fabricação americana, e uma submetralhadora calibre 40 AK, de origem africana, mais quatro pistolas, uma granada e 2.327 trouxinhas de maconha também foram apreendidas. Segundo a PM, o menor levava drogas e uma pistola 380, além de um caderno de anotações do tráfico e um radiotransmissor. Segundo policiais do Bope, um dos presos tentou fugir, invadindo a casa de um morador, mas acabou capturado, com um ferimento no braço. Paramédicos do Bope fizeram o primeiro atendimento ao ferido ainda no interior da comunidade. Em seguida, o suspeito foi levado para o Hospital Federal de Bonsucesso. As ocorrências estão na 21ª DP (Bonsucesso) e 37ª DP (Ilha do Governador).

Tiroteio logo após arrastão deixa PM e morador mortos

Durante o confronto na segunda-feira, o sargento do Bope Ednelson Jeronimo dos Santos Silva, de 42 anos, e Eraldo Santos da Silva, de 35 anos, que seria um morador e não teria envolvimento com o tráfico de drogas do local, morreram.

Outras seis pessoas ficaram feridas na troca de tiros. Uma delas é um PM do 22ª BPM (Maré) e as outras cinco seriam moradores da comunidade. O confronto começou depois da perseguição policial a um grupo de bandidos que tentava praticar assaltos em série numa das pistas sentido Zona Oeste da Avenida Brasil, na altura de Bonsucesso, após a manifestação que saiu da Praça das Nações e chegou a fechar uma faixa da Avenida Brasil. Na confusão, 16 pessoas foram detidas e levadas para a 21ª DP (Bonsucesso).

O protesto foi convocado pelo Facebook, que chegou a divulgar uma mensagem de cancelamento do ato. Com informações desencontradas, a Polícia Militar enviou 250 homens e até um blindado para garantir a segurança e coibir saques e atos de vandalismo. As lojas da região fecharam as portas por volta das 14h. Já o centro universitário Unisuam encerrou as atividades acadêmicas e administrativas perto das 15h.

Rota de aeroporto, região é dominada pelo tráfico de drogas

Cortada por duas das principais vias expressas da cidade — a Avenida Brasil e a Linha Vermelha —, a região é passagem obrigatória do turista que deixa o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) rumo ao Centro e à Zona Sul. Dominada pelo tráfico de drogas, o Complexo da Maré é conhecido também por reunir usuários de crack. Agentes da Secretaria municipal de Assistência Social vêm realizando operações sucessivas para acolher dependentes. No dia 19 de fevereiro deste ano, a prefeitura fez, pela primeira vez, internações involuntárias de adultos dependentes de crack.

No entanto, a prefeitura não tem obtido muito sucesso, porque os usuários de crack permanecem circulando na região do Parque União. É comum flagrá-los se arriscando na travessia da Avenida Brasil, que é de alta velocidade, para fugir dos agentes. Em janeiro, uma criança de 10 anos morreu atropelada próximo à favela Nova Holanda ao fugir de equipes da prefeitura que realizavam uma operação para reprimir uma cracolândia.

No início de março, a PM iniciou o processo de pacificação de favelas da região. A ocupação começou com as favelas do Complexo de Caju e Barreira do Vasco. A ocupação foi rápida e sem resistência de traficantes. Vinte e cinco minutos depois da entrada das forças de segurança, os policiais já estavam no interior das favelas. Segundo a Secretaria de Segurança, os policiais conseguiram realizar a ação sem um disparo.