Cultura

Vinicius de Moraes no plural

Com os 99 anos do poeta, nesta sexta-feira, e consolidando uma recente revalorização, começa a preparação da ampla gama de eventos oficiais (ou não) do centenário

Vinicius de Moraes: “um dos personagens mais relevantes para a cultura brasileira do século XX”, segundo Miguel Jost, um dos curadores da celebração oficial do centenário do poeta
Foto: Arquivo
Vinicius de Moraes: “um dos personagens mais relevantes para a cultura brasileira do século XX”, segundo Miguel Jost, um dos curadores da celebração oficial do centenário do poeta Foto: Arquivo

RIO - Vinicius de Moraes era o bon vivant , o personagem das mulheres, da boemia, do uísque, o íntimo Poetinha. E esse não será esquecido na celebração do centenário de seu nascimento, que se completa em 19 de outubro de 2013 — e cujas atividades já serão articuladas, no momento em que se chega, nesta sexta-feira, à marca de seus 99 anos. Mas o homem que estará no centro das comemorações é o artista que atravessou, com presença marcante, poesia e canção, jornal e cinema, teatro e vida. O Poeta, enfim, sem diminutivo.

— Vinicius foi um dos personagens mais relevantes para a cultura brasileira do século XX — crava o pesquisador musical e professor da PUC Miguel Jost, curador das comemorações oficiais do centenário, ao lado do cineasta Miguel Faria Jr. e do poeta Eucanaã Ferraz. — Se tornou um dos poetas de maior popularidade em nosso país e colaborou de forma determinante para a transformação da música popular operada pela bossa nova. Criou e participou também de vários projetos de cinema e teatro. Além disso, como demonstra grande parte de sua produção como cronista entre os anos 1940 e 70, se tornou um interlocutor decisivo para uma série de debates relacionados à cultura e ao comportamento em nosso país.

A palavra amarra todos os Vinicius

O desafio dos curadores de representar essa abrangência será resolvido com uma ampla gama de eventos, que inclui shows, debates e os musicais “Orfeu negro” (com estreia em Nova York ou em Londres) e “Arca de Noé”, mostra de cinema — com filmes ligados à sua obra, como “Orfeu”, ou louvados em suas críticas de cinema, como se Vinicius assumisse o papel de curador. Atravessando as múltiplas áreas de atuação do artista, uma grandiosa exposição (que deve ser inaugurada no Museu da Língua Portuguesa-SP ou no Centro Cultural Banco do Brasil-RJ).

— Nas celebrações que idealizamos, o eixo que amarra todos os Vinicius é sua atuação como um homem da palavra — explica Faria Jr.

A relação de Vinicius com a palavra, nota Eucanaã, passa por todos os campos mantendo o rigor e a sofisticação:

— Ele começou ligado a uma aristocracia poética, místico, depois se aproximou de uma experiência mais cotidiana. Saiu de um vocabulário mais raro, nobre, e foi para a oralidade. Isso deu a ele um arco completo, uma compreensão enorme da língua — aponta. — Na música popular, ele foi para o simples, mas não abandonou a a sofisticação. As repetições de “Eu sei que vou te amar” refletem uma grande experiência com a língua. Era uma fusão popular-erudito, e ele foi o primeiro a fazer isso. Abriu a porta, assim, para os universitários do pós-bossa nova: Chico, Gil, Caetano. E, para as crianças, também era muito arrojado. “A casa” é quase surrealista. Não é para fazer a criança reconhecer algo, ele está instigando sua fantasia. Nunca simplificou nada, só complexificou.

Fora do calendário oficial, a Casa da Companhia das Letras na próxima Flip será em homenagem a Vinicius. A editora lança também em 2013 um volume de crônicas inéditas do escritor, organizada por Eucanaã. A Universal planeja a reedição de seus discos, assim como o lançamento de caixa comemorativa.

— O núcleo de projetos do centenário está sob nosso controle, mas queremos abrir esse leque — explica Leonardo Ganem , diretor-geral da GEO, empresa escolhida para realizar os eventos oficiais do centenário. — Artistas, parceiros de Vinicius podem trazer ideias, desejamos ceder o selo das comemorações, sem ônus nesses casos.

O centenário vem consolidar um movimento de revalorização de Vinicius ao longo da última década.

— Nós, da família, temíamos que ele se tornasse apenas essa caricatura, do Poetinha, do uísque — conta Georgiana de Moraes, filha do poeta. — Mas nos últimos anos o relançamento de sua obra e o interesse de pessoas como José Miguel Wisnik fez isso mudar.