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Ciúme em relações abertas é destaque em debate no Rio

Encontro sobre poliamor aborda complexidade das relações múltiplas, discutindo como envolvidos podem lidar com sentimentos

Colegas que são adeptos do polimaor discutirão relacionamentos neste domingo
Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Colegas que são adeptos do polimaor discutirão relacionamentos neste domingo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO - Ciúme é um dos temas do " Encontro público sobre poliamor ", que começa neste domingo, às 15h, no Parque Guinle, em Laranjeiras. Afinal, mesmo eles, que são adeptos de relações não monogâmicas consensuais, não estão blindados contra este complexo sentimento.

No caso dos poliamorosos, entretanto, o diferencial está no empenho em combater as consequências do ciúme. Para eles, vale mais o prazer de ver a felicidade do parceiro, mesmo que seja às custas de um outro relacionamento. É a compersão, a ausência ou superação do ciúme entre parceiros amorosos, uma das bases do poliamor.

O professor de sociologia Rafael Machado, de 27 anos, vive relações abertas desde os 18 anos e separou-se da última companheira há cerca de um mês. Eles moraram juntos por dois anos e meio. Neste meio tempo, ela chegou a se relacionar com outros dois homens. Tudo com o consentimento de Rafael.

— Cheguei à conclusão que é melhor manter vários relacionamentos ao mesmo tempo e igualitários. Na verdade, nunca fui extremamente ciumento — diz.

Ele lida com o sentimento de forma prática:

— Já tive ciúmes sim, mas sempre busquei encará-los. Em geral, tem a ver com uma sensação de ameaça ou insegurança — avalia. — Mas, se gosto de uma mulher, vê-la feliz por conta de outra pessoa não deveria ser ruim. A relação só acontece enquanto todos estão bem. Ficar com outras pessoas só nos fortaleceu e aumentou o nível de intimidade.

Para Rafael, o sentimento de posse recorrente em tantos casais está muito ligado a um princípio de competição. Mas, na visão do professor, não há pelo que lutar se não há o que perder:

— Não consigo me imaginar numa relação monogâmica, pois acho que é prejudicial à Humanidade. Faz parte do meu papel como pessoa que deseja um mundo melhor superar algo que, na verdade, desagrega as pessoas.

O segurança Mario Sanfins, de 31 anos, concorda. Ele tem uma noiva e uma namorada e não se acha no direito de exigir a monogamia de ninguém.

— Acho um absurdo pensar que poderia dizer a elas se estariam ou não autorizadas a namorar outras pessoas. Tiraria uma liberdade que, para mim, é impensável viver sem — afirma.

A publicitária Fabiana Motroni, de 43 anos, já viveu dois relacionamentos monogâmicos duradouros, mas percebeu que havia espaço “em seu coração e na sua vida” para outras pessoas. Recentemente, decidiu se relacionar com um homem que já tinha uma mulher. Tudo às claras, embora uma não se relacionasse afetivamente com a outra, como acontece em vários casos de poliamor. Ela conta que, no começo, o ciúme apareceu. Mas nada que não pudesse ser superado.

— Este sentimento aparece de várias maneiras. Primeiro como resultado de um aprendizado de que as pessoas são donas umas das outras. Também surge como insegurança ou quando as coisas não são combinadas direito. Mas é sempre um sintoma de algo que precisa ser ajustado na relação — reflete.

Para ela, a questão não é sentir ou não ciúme, mas o que fazer com ele.

TEMPOS MODERNOS

A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins está atenta aos sinais. Para ela, a tendência é que o ciúme perca cada vez mais espaço entre poliamoristas e até mesmo nos casais mais tradicionais.

— Tenho 41 anos de consultório e, de uns cinco anos para cá, é impressionante o número de casais que abriram a relação — observa. — O amor romântico, que propõe a transformação de dois em um só, está saindo de cena, diante dos anseios por individualidade. As pessoas querem liberdade de ir e vir, não ter controle sobre a vida sexual um do outro, fazer programas separados. Acho que um casamento só pode funcionar assim.

Para ela, as pessoas ainda sofrem com o ciúme porque os condicionamentos culturais não são abandonados de uma hora para a outra. Ao iniciar um relacionamento, é comum depositar no parceiro a sensação de que não ficará mais sozinho. Em contrapartida, a sociedade está caminhando para uma maior individualidade.

— Não é que os casais de adultos vão mudar repentinamente. Mas acho que as novas gerações vão se relacionar de maneira diferente — prevê Regina.

Trabalhar o ciúme é um desafio e tanto. A antropóloga Mirian Goldenberg pesquisa relações há 25 anos e afirma que, em geral, a fidelidade é apontada pelos parceiros como o valor mais importante. Fica acima do amor e do sexo.

— A grande dificuldade é combinar a liberdade que muitos almejam com essa sensação de segurança. É quase impossível. Isso sempre gera um conflito — diz.

Para ela, o ciúme tem muito a ver com a fantasia que as pessoas têm de ser alguém único e especial para o parceiro. Isso, segundo ela, aparece até mesmo em casais com relações abertas.

— Acho muito difícil, mesmo nas relações mais modernas, não haver comparações. Este é o grande drama — comenta. — O que encontro é uma tentativa de racionalizar e conviver com o ciúme. Mas isso é para bem poucos.