21/01/2013 09h59 - Atualizado em 21/01/2013 09h59

Pela 2ª vez em dois anos, EUA correm risco de dar 'calote' na dívida

Limite de endividamento do país foi atingido no dia 31 de dezembro.
Economistas crêem em acordo político no 'último minuto'.

Laura NaimeDo G1, em São Paulo

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, começa seu segundo mandato, nesta segunda-feira (21), com uma faca pendendo sobre sua cabeça. Pela segunda vez em dois anos, os Estados Unidos correm o risco de ficar sem dinheiro para pagar suas contas –algo quase inimaginável para o país mais rico do mundo e que se acostumou a ditar as regras do jogo.

No dia 31 de dezembro, a dívida pública dos EUA atingiu US$ 16,4 trilhões, o teto permitido por lei. Com uso de algumas “medidas extraordinárias”, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, afirmou que haverá recursos suficientes para pagar as contas até o final de fevereiro.

Na sexta-feira (18), o líder da maioria republicana na Câmara, Eric Cantor, afirmou que a Casa irá votar uma alta temporária, de três meses, no limite da dívida dos EUA. Mas, depois disso, nada está garantido.

O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa ao lado do vice-presidente Joe Biden, após votação na Câmara dos Deputados para evitar 'abismo fiscal' (Foto: Reuters/Jonathan Ernst )O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa ao lado do vice-presidente Joe Biden, após votação na Câmara dos Deputados para evitar 'abismo fiscal' (Foto: Reuters/Jonathan Ernst )

Para evitar esse cenário crítico, os partidos Democrata (do presidente Obama) e Republicano precisam entrar em acordo sobre como equilibrar o orçamento do país –uma negociação bastante difícil.

“Os republicanos entendem que tem que haver um corte de gastos; o republicano olha pela janela de conter o gasto social, que são programas voltados à saúde, educação, ao idoso, aos sem teto. E o democrata olha por ‘temos que cortar as coisas ligadas à guerra e acabar com [a invasão ao] Afeganistão’”, explica o professor de política e economia das Faculdades Rio Branco, Carlos Stempniewski. “É um embate difícil”, diz.

‘Repeteco’
Obama enfrentou o mesmo problema em 2011. Depois de semanas de disputa entre republicanos e democratas, o congresso do país aprovou, no último dia antes de ficar sem dinheiro para pagar as contas, a elevação do teto da dívida, que era então de US$ 14,3 trilhões. Nos EUA, o limite da dívida do governo é estabelecido em lei e precisa ser aprovado pelo Congresso.

O acordo permitiu que o país seguisse funcionando, mas teve consequências, sentidas nos últimos dias de 2012 e primeiros de 2013. Ele previa cortes automáticos de gastos caso o governo falhasse em aprovar um orçamento mais enxuto até o final do ano passado. Sem esse acordo, os EUA chegaram à beira do chamado “abismo fiscal”, que poderia levar a uma reversão brusca na recuperação econômica do país, reflexo de cortes nas verbas para o programa de saúde do governo, do auxílio-desemprego e do orçamento de defesa.

Dessa vez, o desfecho ficou para a prorrogação. Dois dias depois do prazo – contando com o benefício do feriado de 1º de janeiro, que deixou os mercados financeiros fechados –os partidos aprovaram uma lei “capenga”, que elevou impostos para uma pequena fatia dos contribuintes mais ricos, mas adiou uma solução para a questão da dívida pública.

Os republicanos vão dar um pouco mais de corda, e na outra ponta vai ter que ter alguma restrição nos gastos sociais"
Carlos Stempniewski, economista

Atritos
Com isso, o segundo mandato de Obama começa já com atritos. Desde o início da semana passada, o presidente vem pressionando os membros do partido Republicano a aceitarem as condições democratas para o problema, mas não parece estar obtendo sucesso. Os EUA correm o risco de ver, novamente, os partidos disputarem até o último minuto sem chegarem a uma solução satisfatória –ou a solução alguma. Mas os especialistas consideram a segunda hipótese improvável.

“Isso deve chegar a um acordo, mas no último minuto”, diz Evaldo Alves, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “É mais uma daquelas batalhas que ultimamente têm acontecido nos EUA. De um lado, os republicanos não querendo permitir e usando a obstrução para não chegar a um acordo, para depois, no último minuto, chegarem. A novela é sempre a mesma.”

“Vai ser a briga do gato e rato”, concorda Stempniewski. “Vão levar até o último minuto pra ver se barganham alguma coisa, mas depois vão entrar em acordo. (...) Os republicanos vão dar um pouco mais de corda, e na outra ponta vai ter que ter alguma restrição nos gastos sociais.”

O professor das Faculdades Rio Branco, no entanto, acredita que Obama pode conseguir um acordo um pouco mais favorável aos democratas na atual negociação. “É bem possível que o Obama consiga um pouco mais. No plano de saúde dele, ele conseguiu fazer com que não mexessem, conseguiu aumentar impostos para quem ganha acima de US$ 500 mil por ano. Ele está conseguindo receber de volta muito dinheiro que injetou nas montadoras, bancos. Isso tudo trabalha a favor dele. O Obama não tem mais nada a perder”, afirmou.

Como os EUA chegaram a esse ponto?
Segundo os economistas ouvidos pelo G1, a explosão da dívida americana é herança do governo de George W. Bush –anos em que dispararam os gastos militares, com as invasões do Afeganistão e Iraque, e durante os quais estourou a crise do crédito imobiliário, que exigiu a liberação de grandes quantidades de recursos pelo governo para evitar o colapso do sistema financeiro e uma recessão econômica profunda.

“Quem enfiou os EUA nesse buraco? Foi o Bush, que era um republicano. O nível de endividamento era muito baixo quando [o ex-presidente] Clinton deixou o governo. Estava em torno de 30% do PIB, hoje passa de 100%. Mas lá não pega bem argumentar isso. Se discute o hoje”, diz Evaldo Alves, da FGV.

“Se você olhar, o Clinton democrata deixou o país equilibrado do ponto de vista financeiro, de despesas. Foi o governo do Bush que lançou para cima a questão do déficit”, concorda Stempniewski. “Quando [a crise] começou a apertar, ele deu uma desoneração fiscal forte, reduziu imposto de um monte de gente, reduziu capacidade de arrecadação e aumentou os gastos.”

Se o governo não conseguir aumentar esse limite [da dívida pública], realmente as ações do governo vão ficar muito comprometidas. E os planos, os serviços sociais, inclusive isso, vai ter  consequências para o povo"
Evaldo Alves,
da FGV

Alternativas
Na hipótese de não haver acordo, há algumas alternativas para evitar a moratória, o termo “técnico” para o calote. Obama poderia, em tese, aumentar o teto da dívida por decreto –mas a medida é polêmica e a maioria dos juristas não a considera legal. Em outra hipótese, o Tesouro (o “caixa” do governo) poderia se desfazer de alguns bens para pagar o que deve.

Em artigo no jornal “The New York Times”, o economista Paul Krugman, vencedor do prêmio Nobel de 2008, sugeriu ainda uma saída “trucada”: o Tesouro poderia cunhar uma moeda de US$ 1 trilhão, que seria depositada no Banco Central. Com isso, o país teria esse valor a mais em suas contas, o que faria com que a dívida tivesse uma queda (ainda que artificial). Os EUA poderiam, então, contrair mais US$ 1 trilhão em dívidas sem ultrapassar o limite legal –artifício que o próprio Krugman classifica como uma “ficção contábil”.

“Isso é um balão de ensaio. Eles não podem fazer isso. A diferença dos EUA e dos demais países no que diz respeito à moeda é que eles são o centro do sistema econômico”, avalia o professor da FGV.

E o calote?
No pior dos cenários, os Estados Unidos chegarão a março sem recursos para pagarem suas contas, o que jogaria o país em uma grave crise. “Wall street quebra, os grandes bancos vão entrar numa crise financeira muito grande. Você tem o chamado caos sistêmico. (...) Se você abater a águia (os EUA), você por tabela abate os mercados financeiros”, diz Stempniewski.

Mas os economistas consideram a possibilidade improvável: “Você acha que os mercados, em sua grande maioria republicanos, vão permitir que isso aconteça?”, questiona o professor. “De jeito nenhum.”

“Se o governo não conseguir aumentar esse limite [da dívida pública], realmente as ações do governo vão ficar muito comprometidas. E os planos, os serviços sociais, inclusive isso, vai ter consequências para o povo. Educação, saúde, segurança vão ter que ser cortados porque não vai haver recursos. Mas isso vai provocar uma crise, um crescimento muito modesto da economia americana. Por essa razão vai ser novamente uma novela, mas que no último minuto vão ter que chegar a um acordo” concorda Alves.

A solução, no entanto, deve ser apenas temporária, dando aos EUA de Obama condições de seguir “respirando”. Para os economistas, a discussão sobre a dívida pública irá se repetir ao longo dos próximos anos.

“Essa não será a última vez. Haverá ainda outros episódios. Enquanto a economia americana não voltar a ter um vigor de crescimento como tinha no passado, essa questão do déficit vai ter que ser negociada palmo a palmo no Senado”, diz o professor das Faculdades Rio Branco.

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