Rio

Líder da banda Biquini Cavadão, Bruno Gouveia fala sobre seus novos projetos

Com a agenda de shows cheia, ele já prepara sua biografia

Gouveia acaba de ser pai pela segunda vez, depois de perder o filho de 2 anos na queda de um helicóptero, em 2011
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Gouveia acaba de ser pai pela segunda vez, depois de perder o filho de 2 anos na queda de um helicóptero, em 2011 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Sentado no sofá na manhã da quarta-feira passada, na sala do apartamento onde mora há dois anos, em Copacabana, Bruno Gouveia analisa os últimos dias e projeta os que virão. Há uma semana, viajou para um show de sua banda, o Biquini Cavadão, a Alfenas, interior de Minas Gerais. Na volta ao Rio, passou dois dias em casa, cuidando de detalhes da produção do álbum de 30 anos do grupo, previsto para ser lançado até dezembro. Por décadas, a rotina de pegar a estrada e gravar discos, comum a todo músico, nunca foi problema.

Mas, na nova fase da vida, sair em turnê tem um custo alto: ficar longe da filha Letícia, nascida no último dia 15. Atualmente, sua maior diversão é ficar em casa com a família. O próximo show, em Guanambi, a 800 quilômetros de Salvador, o impede de continuar perto da pequena. Sua vontade é copiar os passos de John Lennon: parar de trabalhar por um período (em 1975, o ex-beatle afastou-se dos palcos para acompanhar o crescimento de seu filho com Yoko Ono. A reclusão durou até Sean Lennon completar 5 anos).

— Nem todos podem ser Lennon — reconhece Bruno, dando uma gargalhada. — Preciso continuar trabalhando. Mas assim que saio de casa, já fico pensando na hora de voltar e estar com a minha família. Parece que comecei a carreira agora. O nascimento da Letícia me fez renascer.

Renascer, para ele, é mais do que uma força de expressão. Em 2011, Bruno enfrentou as mortes trágicas do filho Gabriel, 2 anos, e da ex-mulher Fernanda Kfuri, na queda de um helicóptero. Na aeronave estavam também o sobrinho e a cunhada, Jordana Kfuri, então noiva do empresário Fernando Cavendish. Quando começa a lembrar o “dia mais triste da vida”, a fala ganha outro ritmo, fica diferente, mais pausada.

Bruno não soube do acontecimento no dia porque estava em Nova York, a trabalho. Os amigos da banda foram avisados por Izabela Brant, mulher de Bruno, que lhes pediu que o "blindassem" da tragédia, temendo sua reação. O grupo o convenceu a voltar ao Brasil, alegando que o Biquini Cavadão tinha uma apresentação de última hora para fazer no Rio. A notícia da morte do filho foi dada na sala de desembarque do Aeroporto Tom Jobim.

De lá, Bruno seguiu direto para o Cemitério São João Batista, em Botafogo, para enterrar Gabriel. Três dias depois, o Biquini Cavadão pegava novamente a estrada para um show em Volta Redonda. Bruno dispensou a segunda voz, do amigo Marcelo, vocalista da banda Uns e Outros, e comandou a apresentação até o fim.

Diferentemente do que fez Eric Clapton, que escreveu “Tears in Heaven" (Lágrimas no Paraíso) em 1992, em homenagem ao filho morto aos 4 anos, Bruno não compôs para Gabriel. Diz que, apesar de ser um artista conhecido, a dor era apenas dele e dos familiares. Mas, nos bastidores dos shows que se seguiram à morte de Gabriel, uma cena inesperada até então, passou a chamar a atenção dos fãs e colegas do cantor, conhecido pelo temperamento sereno: agitado, Bruno desferia socos no próprio peito. Hoje, os amigos dizem que Bruno fala ainda menos sobre o acidente. E que Letícia trouxe sua alegria de volta.

Quem mais ajudou o vocalista a superar a perda foi Izabela, com quem se casou há dois anos. Cantora de forró da banda Menina do Céu, é com ela que Bruno Gouveia divide os cuidados com a pequena Letícia, a Lelê. O casal optou por não ter babá. O único apoio de que dispõem é o de uma empregada que cuida da casa. Em boa parte das mais de duas horas de entrevista, Izabela permanece na sala, “entregando” detalhes da vida do marido. É dela a revelação de que o cantor tem memória de elefante, sendo capaz de identificar a capital e a bandeira de mais de 190 países.

— A supermemória garante que ele nunca vai esquecer nossas datas importantes — brinca Izabela.

Apesar de ter sido criado na Zona Sul carioca, o líder do Biquini é mineiro: nasceu há 48 anos em Ituitaba, a 673 quilômetros de Belo Horizonte. O pai, da mesma cidade do Triângulo Mineiro, fez faculdade de medicina no Rio, onde conheceu a mãe do cantor. Após a especialização em anestesiologia, voltou a Ituiutaba, pois queria que os descendentes também nascessem por lá. Dr. Goya Gouveia (o pai odeia o nome de batismo, Marildo) teve dois filhos, Bruno e Fábio, biólogo da Fiocruz, três anos mais novo.

A família voltou de vez para o Rio em 1971, quando se estabeleceu em Copacabana. Bruno foi um adolescente tímido, que não chamava a atenção nos corredores do Colégio São Vicente de Paulo, onde estudou da 6ª série ao 3º ano. Nem o boletim, recheado de notas 10, e sua voz afinada nas aulas de canto foram suficientes para que se tornasse um aluno popular. A fama só começou quando cursava engenharia na Uerj. Os primeiros shows da banda eram feitos em escolas. Um deles aconteceu justamente no Santo Inácio.

— Me lembro de assistir a um show do Biquini no Colégio São Vicente. Eles pareciam um bando de nerds com instrumentos — diverte-se João Barone, guitarrista do Paralamas do Sucesso. — Já se via que Bruno era um grande vocalista. O que aconteceu, desde então, foi o reconhecimento do talento.

O primeiro grande momento da banda foi em 1984, quando o baterista Carlos Beni (Ex-Kid Abelha) e Herbert Vianna, do Paralamas, levaram uma fita demo com a música “Tédio” para a Rádio Fluminense FM, a Maldita. O primeiro compacto do Biquini vendeu cerca de 60 mil cópias. A canção estourou.

O sucesso veio tão precocemente que, na versão gravada em estúdio, quem completa o quinteto é o próprio Herbert, já que naquela época ainda faltava um guitarrista fixo ao grupo. Foi Herbert também quem sugeriu o nome da banda. Meses mais tarde, Carlos Coelho viria a assumir o posto. André Sheik (baixo), Miguel Cunha (teclado) e Álvaro Birita (bateria) completavam o grupo. Sheik deixou a banda em 2000.

Vivendo uma fase inspirada, Bruno prepara quatro músicas inéditas para o CD que marcará os 30 anos da banda. Enquanto fala do novo projeto, pega o violão e canta “Surpresa”, em homenagem à Letícia. Mas não é de hoje que o músico tem estado às voltas com bebês: ao lado do empresário Julio Quatrucci e guitarrista Carlos Coelho, Bruno comanda o projeto de adaptar clássicos do rock brasileiro para o pequenino público. Já foram lançados álbuns de Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e do próprio Biquini.

A criatividade para escrever letras será agora posta à prova na autobiografia que pretende publicar em 2015:

— Pensei em escrever sobre a banda, mas o processo seria demorado, já que os outros integrantes teriam que aceitar tudo o que gostaria de falar. Então, virou uma biografia. Escrevo em ordem cronológica e já contei minha vida até os 20 anos.

Os últimos capítulos, certamente, serão os mais alegres do livro.