Economia

Com avanço da inflação, brasileiro já está comprando até 11% menos

Pesquisa mostra que maior corte foi registrado no setor de alimentos: consumo caiu 9%

A faxineira Maria de Fátima passou a comprar mais coisas nos últimos anos, mas agora reclama dos preços
Foto: Márcio Alves
A faxineira Maria de Fátima passou a comprar mais coisas nos últimos anos, mas agora reclama dos preços Foto: Márcio Alves

RIO - O brasileiro já está pisando no freio e consumindo menos diante do avanço da inflação nos últimos meses, sobretudo em alimentos e serviços. Pesquisa obtida pelo GLOBO mostra que as classes D e E (formadas por famílias com renda mensal de até quatro salários mínimos), que impulsionaram o consumo no país nos últimos dez anos, diminuíram em 11% o volume de bens não duráveis comprados no primeiro bimestre de 2013, em relação ao mesmo período do ano passado.

Na classe C, a tão comentada nova classe média e que reúne grande parte dos novos consumidores, também houve queda no volume de compras de bens não duráveis, mas menos intensa que nas classes D e E. Segundo a pesquisa, da consultoria global Kantar Worldpanel, Em janeiro e fevereiro, caiu em 3% o volume de itens adquiridos pelo grupo. Nem as classes A e B passaram incólumes: o consumo nessas faixas de renda ficou estagnado.

— O consumidor brasileiro não quer abrir mão de suas conquistas. Produtos de maior valor agregado continuam no carrinho de compras, mas, para que esses produtos caibam em seu orçamento, as famílias passam a comprar menos e a realizar menos visitas aos pontos de venda, principalmente as classes mais baixas — analisa Christine Pereira, diretora comercial da Kantar.

Para mostrar como a população brasileira está reagindo à alta da inflação e dos juros, o site do GLOBO inicia hoje a série de reportagens “Novos hábitos, velhos problemas”. De acordo com a pesquisa da Kantar Worldpanel, a desaceleração aparece principalmente no setor de alimentos. Perdeu força a venda de arroz, feijão, massas frescas, café torrado, manteigas, salgadinhos, cereais, sobremesas e até o clássico casal pãozinho e leite, produtos básicos da alimentação do brasileiro. Todos estão na lista de itens que diminuíram a presença nos lares das camadas mais pobres da população.

— É difícil conseguir economizar com alimentos. Com preços altos, as pessoas começam a substituir por produtos mais baratos ou passam a comprar menos — concorda Irene Machado, gerente de índices de preços do IBGE.

Nas classes D e E, a quantidade de alimentos comprados durante o primeiro bimestre do ano caiu 9% e, segundo a Kantar, foi a responsável pelo recuo de toda a cesta de bens de consumo não duráveis no período.

— Estamos com taxa de desemprego baixa e salários em alta. Isso fornece fôlego para as famílias consumirem, mesmo num contexto de alta de preços. Esse processo realimenta a inflação — afirma André Furtado Braz, economista da FGV. — O papel do consumidor deve ser o de evitar os produtos mais caros ou mesmo diminuir o consumo dos mesmos. Essa postura ajuda a evitar, ou mesmo reduzir, o ritmo dos aumentos.

Mãe de quatro filhos entre 13 e 22 anos, Maria de Fátima Gomes do Nascimento está entre os consumidores que tiveram que repensar os hábitos de consumo da família. Ela afirma fazer malabarismos com seu salário de pouco mais de R$ 2.000 mensais que recebe como diarista além da pensão informal de R$ 200 que ganha do ex-marido. Ela está comprando menos carne, mas não abre mão do café de boa qualidade:

— Comprava pelo menos dois quilos de carne toda semana, mas está muito cara, tive que trocar por frango, que também não está barato — conta Maria de Fátima. — É um absurdo também o pacote de cinco quilos de arroz a R$ 14, não faz sentido. E o café? Não vivo sem, mas tive que diminuir a quantidade que comprava.

Já a analista de sistemas Luciana Maciel, de 42 anos, ainda não reduziu compras do supermercado, mas cortou alimentação fora de casa. Leva lanche para o trabalho e, no fim de semana, pelo menos uma refeição faz em casa com a família.

— Ficamos assustados com o aumento dos nossos gastos nos últimos meses. Vamos ter que abrir mão de alguns luxos que adquirimos nos últimos anos — lamenta ela, que tem dois filhos, um de 7 e outro de 12.

Ela conta que as mensalidades da escola e das aulas de natação de seus filhos subiram cerca de 10% este ano. Ir à manicure, que era rotina semanal para ela, agora também já está doendo no bolso: subiu de R$ 34 (pé e mão) para R$ 38 no salão perto de sua casa, em Botafogo. Agora, Luciana só vai ao salão duas vezes por mês.

Esse aumento dos serviços aparece fortemente no índice oficial de inflação, o IPCA, e, junto com alimentos e remédios, foi uma das principais pressões em abril, quando o índice subiu 0,55% frente a março. Com isso, a inflação em 12 meses está praticamente no teto da meta estabelecida pelo governo: acumula alta de 6,49%, enquanto o limite perseguido pelo governo é de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais para baixo ou para cima, isto é, até um máximo de 6,5%. Em abril, a inflação acumulada em 12 meses chegou a superar o teto da meta, indo a 6,59%.

Os reajustes nos preços de alimentos tiveram apenas uma leve desaceleração e passaram de 1,14%, em março, para 0,96% em abril. Em 12 meses, sobem 13,99% e já respondem por mais da metade da inflação acumulada no ano: 1,35 ponto percentual da alta de 2,5% do IPCA entre janeiro e abril. Já os preços dos serviços subiram 0,54% e já acumulam alta de 8,13% nos últimos 12 meses o que, segundo analistas, é preocupante.

— Para aumentar a competitividade da indústria, o governo apostou em desvalorização cambial, só não imaginava que ocorreria um choque agrícola durante o processo. Se estivéssemos com mercado de trabalho fraco, a alta não seria incorporada à inflação — analisa Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do ABC Brasil. — É importante dizer que a situação preocupa, mas a inflação ainda não está descontrolada, apenas em um patamar desconfortável.

Para segurar a inflação, o Banco Central elevou em 0,25 ponto percentual os juros básicos da economia (Selic) pela primeira vez desde julho de 2011, para 7,5%. Os analistas de mercado estimam que a taxa encerre 2013 em 8,25% ao ano. Para o IPCA, a projeção é de 5,59% este ano e de 5,76% em 2014. Depois de alguns ajustes nas últimas semanas, as apostas para a Selic se mantiveram em 8,25% tanto para 2013 quanto para 2014.

AMANHÃ : Pesquisa da Febraban mostra que 84% dos entrevistados já ficaram ou estão inadimplentes. Endividamento deve aumentar