Opinião

Presos, sem julgamento

Al-Qaeda e o falecido Osama bin Laden sempre tiveram admiradores e apoiadores entre os sauditas islamistas. O perigo é que a justiça está sendo deixada de lado, por medo desses radicais

Um dos efeitos colaterais de combater os extremistas na Arábia Saudita — por dez anos agora — são a raiva e o ódio que estão nascendo nas prisões entre os prisioneiros islamistas que foram detidos por suspeita de envolvimento em ataques planejados contra o governo, mas que não foram acusados formalmente e tampouco julgados. Eles existem num mundo surreal, nem aqui e nem lá, sem saber quando vão sair. Seus parentes também vivem uma angústia de não saber quando eles vão vê-los de novo.

Essa incerteza, que não é uma surpresa num país que é tão opaco em tudo que faz, impulsionou grupos de mulheres sauditas desde o ano passado a protestar em frente aos escritórios do Ministério do Interior em várias cidades do reino, pedindo que seus maridos, irmãos ou pais sejam libertados ou julgados. Em um desses protestos, elas até queimaram fotos do ministro do Interior, o príncipe Mohammed bin Naif ibn Abdulaziz, o filho do durão príncipe Naif, que morreu no ano passado. Isso é um acontecimento inédito, dado que homens sauditas não têm o hábito de fazer protestos públicos, muito menos as mulheres. Isso é um sinal do tamanho do seu desespero por não terem andamento os casos judiciais dos seus parentes presos.

A Arábia Saudita foi alvo de uma série de ataques violentos por membros da filial local da al-Qaeda, de 2003 até 2006. Condomínios residências que abrigavam ocidentais em Riad e na província oriental foram atacados por terroristas pesadamente armados. O consulado americano em Jedá foi atacado em dezembro de 2004, os atacantes conseguindo entrar no complexo a tiros, matando vários funcionários locais e ferindo pelo menos uma diplomata americana. Todos esses terroristas foram mortos nos confrontos com as forças de segurança, mas sempre parecia que havia mais deles para tomar o lugar dos mortos.

A verdade, infelizmente, é que a al-Qaeda e o falecido Osama bin Laden sempre tiveram muitos admiradores e apoiadores entre os sauditas islamistas. É talvez por isso que o governo saudita tem reagido de uma maneira tão dura e inflexível contra eles. Mas o perigo agora é que a justiça está sendo deixada de lado por causa do medo do que esses radicais islamistas poderiam fazer contra o país. É como se o país estivesse num impasse, querendo segurar aqueles suspeitos de planejar atos violentos contra o governo, mas sem ter suficientes provas para conseguir uma condenação judicial. Lembra muito a política da administração americana do presidente George W. Bush — e continuada pelo presidente Barack Obama — de manter possíveis terroristas presos por anos a fio na base naval americana em Guantánamo, Cuba, sem julgamento.

Essa situação inédita levou o estudioso islâmico Salman al-Odah recentemente a lançar uma carta aberta ao governo pedindo a libertação ou julgamento dos estimados 2.000 prisioneiros, detidos por suspeita de conspirar contra o país em possíveis atos violentos. No texto escrito na forma de 50 curtas mensagens, próprias para serem tuitadas na internet — o extremamente popular al-Odah tem 2,5 milhões de seguidores no seu Twitter —, ele pede para o governo ter um diálogo aberto e honesto com seus cidadãos, alertando que a acumulação de raiva e ódio poderá levar à violência.

De tendência islamista, al-Odah, que tem 57 anos e nasceu em Buraidah, no cinturão do Alcorão, foi detido pelo governo saudita nos anos 1990 por sua militância islâmica e críticas ao governo. Ele queria que tropas americanas deixassem o reino, depois da primeira guerra do Golfo, em 1991, quando as forças de Saddam Hussein foram expulsas do Kuwait. Comentando os protestos das mulheres, al-Odah disse: “Perturbadoras condições humanitárias e de saúde têm sido ignoradas por tanto tempo que se tornou complicado e difícil de resolver, e isso pode ser o que tem motivado algumas mulheres a agir.” Adicionando que “é perigoso restringir as pessoas a ponto de elas sentirem que não têm mais nada a perder. Os direitos de um cidadão são legítimos e inalienáveis. Eles não são uma cortesia.”

Será que o apelo de al-Odah vai ter ouvidos entre os governantes? Ele mesmo pensa que sim, dizendo que conhece pessoalmente vários príncipes na família real que não estão satisfeitos com as condições dos atuais prisioneiros. Eu fiz a mesma pergunta ao escritor britânico Robert Lacey, que escreveu dois livros sobre o reino, e ele me disse que não achava que ia fazer uma diferença. “A liderança saudita não responde bem à pressão da opinião pública, especialmente a partir de seus próprios cidadãos. Eles estão tentando manter a linha no protocolo de protesto. O xeque Salman al-Odah cruzou esta linha muitas vezes”, ele explicou.

No dia 9 de março, dois ativistas sauditas de direitos humanos, Abdullah al-Hamed e Mohammed al-Qahtani, foram condenados a 11 e 10 anos de prisão, respectivamente, em Riad, por pedir por uma monarquia constitucional e mais direitos civis para a população. O estado os acusou de fundar uma organização de direitos humanos não licenciada, visando a perturbar a segurança e incitar a desordem; minar a unidade nacional; quebrar fidelidade ao governante, desobedecer ao rei, e questionar a integridade de funcionários públicos.

Lacey escreveu um emocionante tributo a al-Qahtani, dizendo que “Mohammed se excedeu em algumas ocasiões. Às vezes, ele estava errado. Eu não concordo com tudo que ele disse. Na minha opinião, ele estava tentando se mover muito rápido. Mas ele foi, fundamentalmente, buscando a verdade. Ele amou e ama seu país e foi corajoso — alguns diriam temerário — na tentativa de fazer da Arábia Saudita um lugar mais aberto e menos repressivo. Dez anos de prisão é uma resposta totalmente desproporcional — e isto vai encorajar mais pessoas ao redor do mundo a duvidar do compromisso do governo saudita para mudar e progredir. É contraproducente. Esperemos que alguém com autoridade tenha sabedoria para comutar ou reduzir sua pena”.

Rasheed Aboualsamh é jornalista