Economia Infraestrutura

Governo marca leilão para hidrelétrica no Rio Tapajós, mas não consulta Funai

Parecer da entidade é necessário para emissão de licença ambiental em obras que afetam terras indígenas

Afetados: 12% dos atingidos pela obra são indígenas, sendo 51% da etnia Munduruku, que protestou contra a usina em 2013
Foto:
Reuters/11-6-2013
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Ueslei Marcelino
Afetados: 12% dos atingidos pela obra são indígenas, sendo 51% da etnia Munduruku, que protestou contra a usina em 2013 Foto: Reuters/11-6-2013 / Ueslei Marcelino

BRASÍLIA - O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou nesta sexta-feira, no Diário Oficial da União, uma portaria marcando para o dia 15 de dezembro o leilão da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, a maior a ser construída nos próximos cinco anos. Porém, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), até o início da tarde desta sexta a entidade ainda não havia recebido o estudo do componente indígena para análise. Essa manifestação da Funai é imprescindível para a emissão da licença ambiental exigida antes do leilão em obras que afetam terras indígenas. Esse documento com o componente indígena foi protocolado na Funai apenas na sexta, por volta das 17h, depois que o Ministério foi questionado pelo GLOBO sobre a ausência de registro de entrega do estudo.

A usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós tem previsão de investimento de R$ 30,6 bilhões. Entre as etnias afetadas que mais têm criticado o projeto, um grupo de mundurukus tentou, em 2013, invadir o Palácio do Planalto protestando contra novas hidrelétricas na Amazônia.

O leilão foi marcado para 15 de dezembro, ou seja, para daqui a 94 dias. E a Funai terá 90 dias para avaliar os impactos da usina — ou seja, sua análise será conhecida a apenas quatro dias do leilão.

A Funai e os órgãos do setor elétrico entraram em rota de colisão em torno da usina do rio Tapajós em julho, quando a entidade indigenista rejeitou o estudo sobre os efeitos em comunidades da região causados pela construção da hidrelétrica. A Eletrobras, empresa que representa o grupo de estudos do Tapajós junto ao Ibama, incluiu o componente indígena no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) entregue em julho, como ocorre de praxe. Mas, segundo nota da Funai enviada ao GLOBO na sexta-feira, em julho a entidade recebeu “um primeiro estudo com dados secundários que não respondia às questões primárias” do componente indígena. Ainda conforme a Funai, esse documento foi retirado em agosto, a pedido da Eletrobras e do Ibama, que se propuseram a apresentar dados mais completos.

USINA É A MAIOR PREVISTA EM CINCO ANOS

De acordo com o Plano Decenal de Expansão da geração de energia elétrica, a usina de São Luiz do Tapajós será a maior hidrelétrica leiloada nos próximos cinco anos, com potência de 8 mil Megawatts (MW). Assim como a usina de Belo Monte (11 mil MW), o empreendimento tem interferência em terras indígenas e afeta diversas comunidades, principalmente os munduruku.

Nesta sexta, a fundação indigenista ressaltou em sua nota “que a Portaria Interministerial 419, de 2011, determina um prazo de 90 dias, após o check list (entrega completa de dados), para que a Funai apresente a sua manifestação”. Ou seja, a Funai terá três meses para analisar o estudo sobre de componente indígena, o que joga esse prazo de avaliação para dias antes da data prevista para o leilão.

Mesmo antes de solicitar a retirada dos estudos de impacto indígena para refazê-los, no dia 14 de julho, a Eletrobras já havia solicitado ao Ibama a licença prévia para a realização do leilão da usina. Procurado, o Ibama informou que essa licença ainda não foi emitida.

Questionado sobre a pendência socioambiental e os prazos para realização do leilão na sexta-feira, o MME informou que a “Portaria MME nº 485 [publicada sexta no Diário Oficial], que define as diretrizes para a realização do leilão de compra de energia elétrica proveniente da usina hidrelétrica denominada UHE São Luiz do Tapajós, foi publicada em conformidade com a legislação vigente, atendendo aos prazos de todos os órgãos envolvidos”. O ministério trabalha com a contagem do prazo de 90 dias a partir da data de 8 de setembro, quando a Eletrobras protocolou o novo estudo indígena no Ibama. Nessa conta, haveria uma margem de oito dias entre o limite da resposta da Funai e a data prevista para realização do leilão.

O governo corre com o leilão da usina de São Luiz do Tapajós por vários fatores. O primeiro é que a prorrogação da data de entrada de operação da hidrelétrica — prevista para 2019, com oferta para o setor regulado em 2020 — exigiria um esforço maior para a construção de outras usinas no prazo original para dar conta da demanda do país por energia elétrica. Além disso, dada a localização da usina, no meio da Amazônia, existe um fator conhecido como “janela hidrológica”, que restringe o período útil de obras a cerca de metade do ano. Assim, um atraso de poucos meses no leilão pode implicar a prorrogação do cronograma de construção em um ano.

AINDA SEM PREVISÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Mas, depois da manifestação da Funai sobre o novo estudo indígena, ainda serão necessárias audiências públicas entre o poder público e as comunidades afetadas, entre os quais índios da região, para que elas sejam ouvidas sobre o impacto do empreendimento. A assessoria de comunicação do Ibama informou que as audiências públicas ainda não foram agendadas.

Em outras usinas da Amazônia construídas recentemente, como Belo Monte, no Rio Xingu, e Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, as audiências foram o ambiente no qual comunidades indígenas e pessoas afetadas em geral puderam manifestar sua posição sobre a construção da hidrelétrica, muitas vezes com alguns conflitos diretos. A proximidade do leilão de São Luiz do Tapajós restringe, portanto, o prazo para manifestação dos afetados.

Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da usina, uma espécie de resumo do Estudo de Impacto Ambiental, sua construção deverá atrair para a região cerca de 13 mil trabalhadores no auge da obra. E cerca de 1.400 moradores da região deverão sofrer impacto direto do empreendimento, sendo que 1.100 deverão ser removidos de suas casas. Do total de afetados, 12% se autodeclararam indígenas ou com ascendência indígena, divididos nas etnias mundurukus (51%), apiakás (27%) e sateré-mawé (9%). O Rima prevê ações específicas para estas populações.

No início deste mês, Eletrobras e Secretaria Geral da Presidência da República estiveram reunidos com os munduruku em Itaituba (PA), para tratar do empreendimento e de outras hidrelétricas na bacia do Tapajós. Mas essa consulta não pode ser considerada uma audiência pública formal. Na ocasião, definiu-se um novo encontro no início de novembro. Segundo nota da Secretaria Geral da Presidência, os representantes indígenas solicitaram um encontro com a presidente Dilma Rousseff até a próxima terça-feira. Até sexta-feira, não havia previsão para encontro nesse período na agenda da presidente.