10/02/2013 21h37 - Atualizado em 10/02/2013 22h44

Presos que já poderiam estar soltos seguem em manicômios judiciários

Censo realizado durante o ano de 2011 revela que o Brasil tem 3.989 pessoas trancadas nos manicômios. Desse total, 741 pessoas já deveriam estar em liberdade.

O Fantástico faz uma denúncia: presos que já poderiam estar soltos há muito tempo seguem atrás das grades, por anos e anos, em manicômios judiciários. Existem casos chocantes. Como o de um senhor internado há 53 anos! E sabe qual foi o crime dele? Um simples furto!

Seu Nelson abre a janela com força. Não gosta nada de lugar fechado. Nelson Leopoldo Filho talvez seja o brasileiro tenha passado mais tempo atrás das grades.
O Código Penal diz que ninguém pode ficar preso por mais do que 30 anos. Seu Nelson ficou encarcerado por 53. Será que ele foi o mais perigoso dos bandidos? Será que com esses cabelos branquinhos tem uma longa ficha criminal? O Fantástico pesquisou: um furto e nada mais.

Quando era jovem, Nelson arrombou a porta de uma casa pra procurar comida. Foi preso sem levar nada. Mas se deu mal mesmo quando foi diagnosticado como doente mental. Esquecido num manicômio, ele perdeu contato com a família, perdeu a noção do tempo. Agora, aos 77 anos, ele vive numa residência terapêutica, onde tem amigos e a chave do portão.

Pra saber quantos Nelsons existem no país, o Ministério da Justiça encomendou um Censo dos manicômios judiciários. O Fantástico teve acesso a resultados assustadores. O Censo realizado durante o ano de 2011 revela que o Brasil tem 3.989 pessoas trancadas nos manicômios. Desse total, 741 pessoas já deveriam estar em liberdade. Ou seja, um em cada quatro internos é vítima de atrasos no sistema. O Censo encontrou nos hospitais de custódia 18 pessoas esquecidas e abandonas há mais de 30 anos.

Segundo a lei, esses milhares de brasileiros não cumprem pena e, sim, medida de segurança. A lei brasileira diz que esses pacientes podem ficar nos manicômios por tempo indeterminado se não tiverem um laudo atestando que não representam mais perigo.

O Censo mostra que, em geral, esses pacientes ficam mais tempo nesses hospitais do que a pena máxima que receberiam se fossem presos comuns. Em Curitiba, encontramos um exemplo. Mirtes foi presa porque quebrou uma balança dos Correios. A pena pra esse crime é de até seis meses. Só que diagnosticada com transtorno bipolar, ela vai passar um ano nessa cela, ou seja, o dobro da pena máxima pro crime que cometeu. 

“Eu acho que o meu tratamento não deveria ser assim fechado. As pessoas podem achar, mas não sou um perigo para a sociedade”, diz a paciente Mirtes Fonseca.

A lei brasileira que prende pessoas pra dar remédio é de 1940. Naquela época, ainda nem existiam medicamentos psiquiátricos. Hoje em dia, os especialistas acham que a grande maioria dessas pessoas poderia ser tratada em liberdade.

“Se ficam a mais e não deveriam estar lá, o estado dá recursos públicos desnecessariamente”, declara Augusto Rossini, diretor do Departamento Penitenciário Nacional.

Casos absurdos foram identificados pelo Censo por todo o Brasil. Em Barbacena, Minas Gerais, um homem que roubou uma lâmpada de um carro, esperando dez anos pra sair.
Confinados, pacientes com distúrbios leves se misturam a outros mais graves.

“Se acharem que a gente é louca, podem achar, só que Deus mesmo não acha que a gente é pessoa louca”, declara o paciente Josoel Lopes.
Internada por dependência química, Jocilene deixou o manicômio há dois meses.

“Muitas vezes a gente tem a sensação de que vai morrer ali dentro e que a liberdade só vai chegar quando o caixão sair dali”, declara Jocilene Caetano, ex-paciente.

Jocilene só saiu, porque a mãe nunca a abandonou. Dona Ludmilha pediu, insistiu, até conseguir novos exames pra filha.

“Vou retomar minha vida, hoje recuperada, com uma outra visão do mundo, porque lá dentro a gente dá valor para um copo de vidro”, diz Jocilene.

Jocilene aprendeu que é uma loucura fechar a janela para quem mais precisa.

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